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Fora de contexto
Barreira imposta pela Lei das S.As à indicação de conselheiro fiscal vai na contramão da tendência de ações com voto e pulverização do capital

ed43_p050-038_pag_4_img_001Contar com instrumentos efetivos de fiscalização sempre foi uma preocupação dos acionistas minoritários. No passado, o grande alvo dessa supervisão eram os acionistas controladores. Hoje, a posição é cada vez mais ocupada pelos administradores, devido ao número crescente de companhias com o capital pulverizado ou mesmo com o controle difuso (exercido por acionistas que não detêm a maioria absoluta do capital). Mas essa mudança colocou um novo desafio para estes acionistas quando o objetivo for indicar representantes ao principal órgão fiscalizador da companhia, o conselho fiscal. Segundo o artigo 161 da Lei das S.As, para estar apto a fazer essa indicação, é preciso reunir 10% das ações com direito a voto — o que, nas companhias que tenham somente ações ordinárias, equivale a 10% do capital social. Percentual que, em várias empresas, representa mais da metade do total das ações em circulação (free float) e um obstáculo considerável para os acionistas que estiverem pensando em ter seu representante no órgão de fiscalização.

É verdade que este sempre foi um problema para os minoritários detentores de ações ON. Mas é preciso também observar que, quando a companhia possui ações PN, esse efeito fica minimizado, uma vez que os preferencialistas têm mais regalias na lei para fazer a sua indicação ao conselho fiscal. Para eles, uma única ação é suficiente para se habilitar. Ou seja, ainda que os ordinaristas tenham dificuldades de reunir 10% do capital disperso em mercado, os preferencialistas podem representar toda a “categoria” de minoritários com o seu indicado ao conselho. Agora, com o maior número de companhias formadas apenas por ações ordinárias, a exigência da lei torna-se preocupante.

Um caso recente se passou com a Aços Villares Sidenor, cujo free float é de 12,7% e o capital é composto apenas por ações ON. De acordo com os critérios legais, seria preciso reunir 78,8% do free float para que os minoritários pudessem indicar um dos membros do conselho fiscal e o seu respectivo suplente. Na última assembléia geral ordinária, um dos acionistas — a Villares Participações (holding do grupo que controlava a companhia antes da venda para a Sidenor), que detém 3,12% do capital — pediu que fosse flexibilizada a exigência legal, levando em conta que não há tratamento específico para os casos em que o capital seja composto exclusivamente por ações com direito a voto. Paulo Diederichsen de Villares, presidente da minoritária que havia feito a solicitação, conta que o pedido foi negado e o conselho fiscal, instalado e composto por três membros indicados pelos controladores.

O episódio levou a Villares Participações a enviar uma consulta à Comissão de Valores Mo biliários (CVM), solicitando uma interpretação extensiva da lei, como a que a autarquia já havia realizado para a eleição em separado de conselheiros de administração. A autarquia deliberou que os limites exigidos em lei — de 15% para ONs e 10% para PNs — deveriam ser igualados pelo menor percentual quando o capital fosse composto somente por ONs. Assim, quando o minoritário de uma companhia do Novo Mercado, por exemplo, quiser fazer sua indicação em separado para o conselho de administração, poderá reunir apenas 10% do capital. A superintendente de relações com empresas da autarquia, Elizabeth Machado, afirma, porém, que a consulta sobre a indicação para o conselho fiscal ainda está sendo analisada e que, após o parecer técnico, deverá ser votada pelo colegiado — um processo sem previsão de data para ser concluído.

Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do Motta Fernandes Rocha advogados, que concedeu um parecer sobre o caso da Aços Villares Sidenor, argumenta que a lei foi promulgada para contemplar o padrão que vigorava na época, em que a estrutura de capital da maioria das sociedades estava dividida em 1/3 de ações ordinárias e 2/3 de preferenciais. A exigência de 10% de ações votantes para indicar conselheiro fiscal, naquela estrutura, equivale a 3,33% do capital social. Numa companhia com apenas ações ordinárias, supostamente oferecedora de melhores práticas de governança corporativa, os minoritários estariam submetidos a um quórum mais oneroso. “Não faz muito sentido, se levarmos em conta o espírito da lei, que é o de permitir que o acionista fiscalize os negócios da companhia em que investe”, afirma.

Em algumas das empresas que têm apenas ações ordinárias e, supostamente, melhor governança, os minoritários estão submetidos a um quórum mais oneroso
Numa companhia de controle pulverizado, se os acionistas não conseguirem reunir 10%, quem estará apto para indicar os membros do conselho fiscal?

SOLUÇÕES INTERMEDIÁRIAS — Situação semelhante à de Aços Villares Sidenor foi vivenciada pelo fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, a Previ, no ano passado, com a Souza Cruz. A companhia também tem 100% de seu capital composto por ações com direito a voto e free float de 24,7%. Renato Chaves, diretor de participações do fundo de pensão, conta que o pedido de instalação do conselho fiscal foi negado sob a alegação de que, como os minoritários representados na assembléia não conseguem reunir os 10% do capital, a instalação ficaria prejudicada pela ausência de um representante desses acionistas. “A lei realmente precisa ser revista”, diz Chaves. “Enquanto isso não acontece, as companhias deveriam aceitar f lexibilizar o percentual mínimo necessário à indicação de um representante, igualando-o ao percentual requisitado para instalar o conselho fiscal.” Conforme o disposto pela instrução CVM 324, o mínimo para instalar o conselho varia de 8% a 1%, conforme o capital social da companhia.

As exigências feitas pela lei para indicação de membros para o conselho fiscal soam ainda mais estranhas quando se analisa as empresas sem controlador. Nesses casos, quanto mais pulverizado for o capital, mais difícil será reunir o percentual necessário para a indicação. Então, se os acionistas não conseguirem aglutinar 10% do capital, quem estará apto para indicar os membros do conselho fiscal?

Foi justamente esta a dúvida que enfrentou a Lojas Renner, cujo maior acionista tem 5,47%. No momento da assembléia, após pedido para instalação do conselho fiscal por acionistas que representavam 2,26% do capital, a administração permitiu que os conselheiros fossem eleitos com qualquer percentual, liberando a exigência dos 10%. A iniciativa, porém, não surtiu efeito daquela vez, porque os acionistas não tinham nomes para apresentar — o que levou a própria administração a fazer as suas indicações. Mas a experiência serviu para que a Renner decidisse adotar o conselho em caráter permanente e, assim, os acionistas pudessem se preparar para fazer suas indicações nas próximas oportunidades.

Um levantamento realizado pela Capital Aberto identificou 11 companhias listadas no Novo Mercado nas quais seria necessário reunir parcelas expressivas das ações em circulação para atingir o quórum mínimo estabelecido por lei (veja quadro na pág. 53). Consultadas por meio de suas assessorias de imprensa, nenhuma delas respon- deu às perguntas enviadas por esta reportagem a respeito de eventuais planos de flexibilização do limite legal.

Há quem defenda que, para o minoritário, mais importante do que a indicação de um representante é a própria instalação do conselho fiscal. Nesse sentido, a adoção do órgão em regime permanente já seria um importante passo. “Com o conselho instalado, o direito do acionista à fiscalização da gestão já é atendido, visto que todo conselheiro possui um dever fiduciário com a companhia, independente de quem o tenha indicado para exercer o cargo”, argumenta Alexandre Couto e Silva, sócio do Barbosa Müssnich e Aragão Advogados. Mas as inúmeras queixas já ouvidas de minoritários quanto à atuação de conselhos fiscais dominados por indicações do controlador mostram que este princípio nem sempre é soberano.

IMPORTÂNCIA RELATIVA — Há também quem conteste, ou relativize, a importância do conselho fiscal nas companhias com capital composto exclusivamente por ações ordinárias e também naquelas em que não existe a figura do controlador. Jon Bisgaier, especialista em questões societárias do mercado de capitais brasileiro e sócio do escritório norteamericano Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom, entende que o órgão é um reflexo direto da existência de ações sem direito a voto. “Ele é mais uma garantia que os minoritários têm para encontrar representação nas companhias em que investem e onde não têm direito de voz.” Bisgaia considera que, quando transportada para uma estrutura composta por 100% de ações com direito a voto, sua importância fica reduzida.

“Não há muito que o conselho fiscal possa fazer, comparado com o comitê de auditoria ou com o próprio conselho de administração. Os conselheiros fiscais não têm tanto trânsito junto aos administradores e nem dispõem do poder de contratar auditores ou especialistas diante de uma necessidade específica”, afirma o advogado norte-americano. Cantidiano, do Motta, Fernandes Rocha, concorda que, nas companhias em que existe apenas o comitê de auditoria, o direito de fiscalização dos acionistas pode estar relativamente assegurado. “Mas desde que existam representantes dos minoritários e conselheiros independentes nesse comitê.”

Para Bisgaier, o modelo do conselho fiscal ainda é muito vinculado à estrutura que se tinha no passado e, talvez, deixe de fazer sentido em companhias com o arcabouço de governança que é provido pelos regulamentos do Novo Mercado, que lhe parece dar conta perfeitamente das necessidades de proteção ao acionista. “O mercado de capitais brasileiro vem se encaixando muito rapidamente nos padrões internacionais mais avançados de governança e essa é uma tendência que deve continuar se aprofundando.” Ele entende que o conselho fiscal, nesse contexto, é um instrumento razoável, mas não perfeito e que, com o tempo, vai se fazer cada vez menos necessário, principalmente à medida que os conselheiros de administração independentes atuem de maneira mais incisiva.


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