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Eleição ameaçada
Espaço na lei para indicações de última hora põe em xeque o direito dos investidores de se fazer representar (de fato) nos conselhos de administração

O direito de eleger representantes no conselho de administração foi uma das maiores conquistas dos acionistas minoritários brasileiros nos últimos anos. Desde a reforma da lei, em 2001, que estabeleceu o direito do voto em separado para os preferencialistas, e do fim da lista tríplice, no ano passado, que até então condicionava a escolha desse representante a três nomes indicados pelo controlador, os investidores estão livres para usufruir deste direito tão essencial para o exercício da boa governança. Com as regras atuais, podemos dizer até que, no quesito eleição de conselheiros, nossos investidores estão melhor servidos que os de companhias norte-americanas. Nos Estados Unidos, os membros do board são indicados pelos próprios administradores e submetidos a um esquema totalmente anti-democrático de votação em assembléia, no qual podem ser aprovados ainda que a maioria se abstenha de votar.

Mas, quem pensa que tais conquistas significam uma página virada neste capítulo da governança corporativa verde-e-amarela está enganado. Há uma brecha na Lei das S.As que pode prejudicar, e muito, a efetividade desse direito, especialmente quando as companhias em questão não tiverem um acionista controlador. Mais especificamente, estamos falando da permissão para que os acionistas aptos a indicar um conselheiro (aqueles detentores de ao menos 10% do capital) apresentem seus candidatos apenas no momento da assembléia. E, mais, de que estes sejam eleitos sem que os acionistas ausentes, ou que se fizeram representar por procuradores, tenham a oportunidade de dar o seu voto.

Essa abertura, existente na lei desde sempre, torna-se um risco muito maior na atual realidade corporativa — em que algumas companhias, por meio de um IPO ou nova oferta de ações, passam a ter o capital disperso entre vários investidores. Nesta nova estrutura, qualquer acionista ou grupo habilitado para a eleição pode indicar um conselheiro (ou mesmo uma chapa inteira) na última hora e aprová-lo apenas com os votos dos presentes à assembléia, sem a representatividade adequada. Se esta fosse uma companhia com controlador, haveria ao menos a segurança de que a maior parte do conselho eleito expressaria a escolha da maioria do capital. Mas, se o capital estiver disperso, e os investidores mantiverem a tradição de não comparecer às assembléias — seja porque não têm interesse, ou porque votam por procuração —, é possível que o direito à eleição do conselheiro, tão bem visto e comemorado, lhes renda um ocupante do cargo não alinhado com os interesses da maioria.

É por isso que companhias como Embraer, Lojas Renner e Perdigão mudaram seus estatutos no sentido de garantir que toda indicação para o conselho seja feita com antecedência, preenchendo a lacuna deixada pela lei. Assim, os acionistas que votam por procuração tem a chance de avaliar os candidatos sugeridos com tempo e informações suficientes, para então proferir seus votos. Hoje, porém, já existem diversas outras companhias sem a figura do controlador que permanecem desprovidas de um dispositivo semelhante em seus estatutos.

PROCURAÇÕES VAZIAS — Cláusulas específicas para evitar a posse de conselheiros sem representatividade são uma necessidade não apenas para a nova governança corporativa do País, em que as companhias podem não ter um dono, mas também para fazer valer os esforços dos últimos anos no sentido de estimular a participação dos acionistas nas assembléias via procuração. A possibilidade de eleição de um conselheiro indicado na última hora, por um número pouco expressivo de acionistas, existe porque as procurações concedidas costumam ter orientações de voto precisas, que cobrem apenas os assuntos contidos na agenda divulgada previamente pela companhia. É muito raro que tragam uma orientação genérica de como proceder quando questões são adicionadas à pauta no momento da assembléia, o que obriga os procuradores a se absterem de votar nas decisões propostas na última hora. Num momento em que se discute a possibilidade de reformar a lei para permitir o voto à distância e que cada vez mais companhias adotam práticas diferenciadas para estimular a participação em assembléias — disponibilizando procuradores habilitados e modelos de procuração que apenas precisam ser preenchidos e assinados — cabe também pensar em dispositivos que minimizem os episódios de “procurações vazias”. Especialmente se considerarmos que, em algumas companhias, os estrangeiros equivalem a 80% dos acionistas.

Embraer, Lojas Renner e Perdigão mudaram seus estatutos para garantir que toda indicação seja feita com antecedência, preenchendo a lacuna deixada pela lei

Uma primeira solução seria a de impedir que a pauta seja alterada no momento da reunião, estabelecendo um prazo limite para que os acionistas proponham novos assuntos para discussão e permitindo que as instruções de voto contemplem todos os assuntos que constam da agenda. Essa proposta foi recomendada pela Asian Corporate Governance Association num estudo realizado em 2006 com acionistas de 11 países asiáticos a respeito dos principais problemas que enfrentavam para participar das assembléias. A questão também foi abordada pela nova diretiva européia, cujo propósito é facilitar a participação dos investidores estrangeiros (leia mais sobre o assunto em Notas Internacionais desta edição).

Nos casos de Embraer, Lojas Renner e Perdigão, os procedimentos detalhados em estatuto abrangem os prazos para apresentação de candidatos e também o tipo de informações sobre cada um deles que deve ser colocada à disposição dos acionistas. Na Embraer, a indicação precisa ocorrer até dez dias antes da assembléia. Na Lojas Renner e na Perdigão, em cinco. Os proponentes devem apresentar, junto com o nome do candidato e sua qualificação, uma justificativa para a indicação e seu currículo em todas essas companhias. A fabricante de aviões, no entanto, faz uma exigência adicional: a apresentação de uma carta firmada pelo candidato em que este declare aceitar concorrer ao pleito.

As três empresas também exigem que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e a Bovespa sejam informadas a respeito da indicação. Os acionistas da Embraer devem, ainda, publicar um aviso ao mercado comunicando a sugestão de candidato e informando o local onde os dados do indicado poderão ser acessados. Tudo isso com antecedência de no máximo oito dias da data da assembléia. Kevin Altit, sócio do Mattos filho, Veiga Filho, Marrey Junior e Quiroga, entende que a determinação de um passo-a-passo é uma medida saudável. “Ainda que pareça complexo para alguns, confere profissionalismo ao sistema e afasta a possibilidade de uma escolha enviesada, pouco representativa.”

Nas companhias em que os estatutos não disciplinam a indicação, ela costuma ocorrer de duas maneiras: ou é negociada previamente com o controlador (ou com a administração), ou é apresentada no momento da assembléia. “Só há dois cenários possíveis, o da absoluta negociação ou o do conflito absoluto”, afirma Fernando Albino, sócio do Albino Advogados Associados. A primeira situação requer que o minoritário tenha certo trânsito junto à administração e se articule com antecedência. “Muitas vezes, a companhia exige contato prévio com o candidato a ser apresentado, para poder avaliar a sua adequação e até mesmo negociar alternativas com o acionista”, conta Albino. O advogado lembra ainda que, nas situações em que o candidato é apresentado no momento da assembléia, o conflito pode ocorrer entre os próprios minoritários — seja por que eles têm mais de um indicado para apresentar ou porque não concordam com um determinado nome. “Há casos em que é preciso suspender temporariamente a assembléia geral para permitir que os minoritários realizem uma assembléia paralela até chegar a um consenso.”

CONFLITO DE INTERESSE — Mas as exigências adicionais tratadas pelos estatutos também têm o seu limite. Um experiente advogado, que prefere não se identificar, explica que as condições devem ser objetivas e direcionadas a facilitar a representação dos acionistas, principalmente por meio das instruções de voto concedidas aos procuradores. O que elas não podem fazer é cercear o direito do acionista de eleger aquele candidato que ele considera mais qualificado, colocando restrições de perfil, por exemplo.

Recentemente, a CVM barrou uma tentativa de alteração estatutária que buscava delimitar novos requisitos para a indicação de conselheiros. Preocupada em proteger-se de conflitos de interesses, a Sadia desejava afastar a possibilidade de entrada no conselho de candidatos que representassem acionistas que também participassem do capital de companhias concorrentes. A preocupação tem origem concreta: desde o ano passado, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil (Previ), que faz parte do grupo que controla a concorrente Perdigão, vem tentando colocar um indicado seu no topo da administração da Sadia. Não conseguiu, mas por decisão dos demais minoritários, que preferiram a superintendente do Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano Rodrigues, proposta pelo controlador, ao ex-presidente da cervejaria Kaiser, Fernando Trigre, indicado pela Previ.

No último mês de janeiro, porém, a Sadia convocou uma assembléia geral extraordinária para retomar a proposta de revisão do estatuto e imposição de restrições à indicação de conselheiro, que já havia sido retirada da pauta da assembléia de 2006 a pedido da Previ. Quando a proposta foi recolocada, o fundo de pensão entrou com um processo na CVM. “Já havíamos alertado o conselho de que não era da competência do estatuto ampliar o leque de restrições que consta da Lei das S.As”, diz Renato Chaves, diretor de participações do fundo. O parecer da autarquia atestava a ilegalidade da disposição estatutária proposta e recomendava que o texto fosse revisado.

A companhia acatou a recomendação e aprovou, em assembléia realizada no dia 13 de fevereiro, uma nova versão do estatuto contendo exigências quanto aos procedimentos necessários à apresentação de candidatos, exatamente em linha com o que foi feito nas companhias de capital pulverizado (apresentação de nome, qualificação e currículo, além de comunicado formal à CVM, à bolsa e aos outros acionistas). A alteração incluiu a adição de cláusulas que facultam à assembléia avaliar se os indicados em cada caso podem ser enquadrados ou não numa situação de conflito de interesses. O representante da Previ confirmou sua intenção de recomendar um novo candidato para a eleição de conselho que será realizada este ano, se comprometendo, mais uma vez, a apresentar um profissional de mercado, com experiência comprovada nos setores de logística ou de varejo. A assembléia que decidirá a nova formação do conselho da Sadia está marcada para 19 de abril.


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