A figura do acionista de referência, embora não seja uma novidade, tem assumido papel cada vez mais relevante no mercado de capitais brasileiro, mas ainda suscita dúvidas sobre os critérios para sua definição formal, assim como para o correto entendimento de seus deveres e responsabilidades. Com o objetivo de jogar luz ao tema, o webinar Conexão Capital Blanchet promoveu um debate sobre os riscos e benefícios potenciais da presença do acionista de referência nas companhias. Participaram do encontro Richard Blanchet, sócio do Blanchet Advogados, Flávia Mouta, diretora de Emissões da B3, e Carlos Takahashi (Cacá), chairman da BlackRock Brasil.
“À medida em que se amplia o número de companhias de controle disperso ou que perdem o controle claramente definido, a figura do acionista de referência começa a aparecer em várias companhias, chamando a atenção da mídia, positiva e negativamente. A gente percebe que ainda há muita confusão em relação ao próprio conceito do acionista de referência”, comentou Blanchet na abertura do encontro, acrescentando que é essencial entender em que medida o acionista de referência se diferencia do controlador.
O acionista de referência, na definição destacada por Blanchet, é o “acionista, ou conjunto de acionistas, que é titular de participação societária, que lhe assegura influência significativa sobre a companhia, mas sem conferir o controle”. Por mais que ele tenha influência significativa, por mais que ele tenha o poder de se relacionar com a companhia, de influenciar, ele não tem o controle da companhia.”
A diferenciação entre acionista de referência e controlador, contudo, é feita caso a caso e não há uma regra objetiva que defina limites claros entre as duas figuras de uma companhia de capital aberto. O controlador, pela lei brasileira, é a pessoa jurídica, ou grupo de pessoas vinculadas por acordo, que é titular de direitos de sócio, que ele assegure, de modo permanente, a maioria na Assembleia, o poder de eleger a maioria dos administradores, e efetivamente usa esse poder. “Uma maioria circunstancial que se forma em uma Assembleia, não é suficiente para você caracterizar o controle”, explica Blanchet, acrescentando que não é a quantidade de ações que define o controlador, mas os atributos citados acima.
Na visão de Richard Blanchet, a existência de um acionista de referência, que não é controlador, e tem a capacidade de influenciar nas decisões, pode ser benéfica para as companhias sem dono,
com o capital disperso e cujos acionistas normalmente não participam das assembleias. “Isto evita que as decisões sejam tomadas apenas pelo management, conselho e a diretoria. A presença dos investidores institucionais e dos acionistas de referência cumpre este papel.”
Para Flávia Mouta, da B3, a figura de um acionista de referência, no passado chamado de acionista minoritário relevante é um tema multifacetado na ordem legislativa e de mercado brasileira e não se refere exclusivamente a companhias sem controlador. “Como foi dito, a gente não tem propriamente uma definição legal ou uma definição regulamentar específica. Trabalhamos muito na construção do caso a caso. Não cabe aqui, a meu ver, uma discussão se acionista de referência é vilão ou mocinho”, comenta Flávia.
A executiva da B3 lembrou um aspecto importante e que em momentos de conflitos acaba vindo à tona. “Não dá para a gente, de antemão, dizer que o acionista de referência é um acionista controlador disfarçado. Não, muito longe disso”, explica.
“Obviamente, com todos os controles que são necessários, aqui eu destaco a figura do conselheiro independente, figura que temos nos segmentos especiais da B3 e que a CVM avançou na linha de trazer essa exigência de conselheiro independente para conseguir contornar mitigadores de um potencial conflito.”
Flavia Mouta lembra que quando se fala em um acionista com menos de 50% do capital votante da companhia, nem sempre é tão simples classificá-lo como acionista controlador, mesmo sendo uma figura de controle minoritário. “É uma tarefa que demanda muito esforço e um olhar muito atento para o caso concreto. Mas é importante até para entender em que momento que esse acionista de referência, esse acionista relevante, muda de contexto e ele passa a atuar efetivamente como acionista controlador.”
Falando sobre a ótica do investidor, Cacá, da BlackRock, lembrou que de alguma maneira, o crescimento da presença do acionista de referência se dá também via mudança do passivo que se tem na indústria de investimentos. “Na indústria de fundos especificamente, você tem os investidores se tornando acionistas de companhias diretamente, quer seja de forma minoritária, quer seja na forma de controle”, comenta Cacá.
O executivo da BlackRock lembrou ainda que o fato de uma companhia realizar o IPO traz uma nova dinâmica para a empresa. “Ao listar uma companhia na Bolsa ela busca melhorar a governança, o controle, a transparência, além de uma forma de financiamento de longo prazo da sua atividade. Todas essas questões são muito relacionadas com o crescimento do acionista de referência”, comenta Cacá.
O chairman do BlackRock tem visão semelhante sobre a ideia de que muitos acionistas de referência são vilões ou oportunistas. “A presença de um acionista de referência não é relevante apenas naquelas companhias que têm o controle disperso. Tem importância também nas empresas em que há um controle claro”, comenta. “Você tem diversos casos em que o controlador, que é majoritário com 50% mais uma ação, e um conjunto de acionistas de referência que têm participações relevantes e que podem influenciar muito nas decisões das companhias.” Na visão de Cacá, o acionista de referência pode trazer algo de muito positivo para as companhias, principalmente quando são gestores e têm o dever fiduciário.
Na visão de Richard Blanchet, a lei societária brasileira é uma das mais avançadas do mundo. “Eu gosto do conceito mais aberto de controle da lei, que me permite, por exemplo, identificar um controlador em situações em que não parecia ter um controle claro e, por consequência, assegurar uma série de direitos de proteção aos minoritários, como, por exemplo, o tag along. A avaliação caso a caso permite verificar quando há controle em determinadas situações”, comenta o advogado.
Blanchet acrescenta, no entanto, embora a presença do acionista de referência possa ser boa para o mercado, é preciso ficar atento à movimentos oportunistas, em que o acionista de referência passe a atuar como verdadeiro controlador, sem que esta característica fique clara, afastando a aplicação de uma série de direitos de proteção de minoritários em ambientes com controle definido.
O evento tratou ainda de alguns pontos que, embora reconhecendo a importância do acionista de referência no mercado de capitais, demandam ações para uma melhor compreensão de seu significado, mais transparência em relação à sua presença nas companhias, e avanços na legislação e regras de governança corporativa, para assegurar a representatividade e os direitos de minoritários em situações em que o acionista de referência esteja em papel que o aproxime da figura do controlador.
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