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Acabaram com a festa
Volatilidade das bolsas e retração da liquidez internacional desafia a continuidade dos IPOs e põe na mesa a pergunta: qual será o tamanho do ajuste?

 

ed35_p010-014_pag_3_img_001A euforia do mercado de ações brasileiro nos primeiros cinco meses do ano tinha data marcada para acabar: 15 de maio, dia em que o Ibovespa cairia do alto dos seus 40 mil pontos para iniciar um sobe-e-desce que não estava nos planos dos investidores mais otimistas. Assustados com as perspectivas de aceleração inflacionária nos Estados Unidos e de uma alta mais agressiva das taxas de juros daquele país pelo novo e ainda indecifrável presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, grandes gestores de fundos de ações internacionais preferiram controlar o apetite desenfreado por ativos de maior risco que vinham exibindo nos últimos anos e recompor suas carteiras. Na esteira do mercado global, a bolsa brasileira ganhou uma volatilidade que não via há muito tempo e deu um susto nas companhias que planejavam aproveitar o bom momento do mercado para abrir o capital ou fazer uma nova oferta pública de ações.

Diante da crise, algumas das que estavam no meio do processo de oferta decidiram ir até o final, a despeito das incertezas. Foi esse o caso da GP Investimentos, que se saiu bem e vendeu os Brazilian Depositary Receipts (BDRs) por preço superior à faixa previamente indicada. A Porto Seguro, que decidiu fazer uma segunda oferta de ações depois de abrir o capital em 2004, também completou a operação, mas teve de se conformar com o preço de R$ 33,50 por ação, 28% inferior ao pico atingido no ano. O Banco do Brasil completou sua oferta no final de junho e captou R$ 2,3 bilhões.

Um time de outras 20 companhias, porém, permaneceu em fila de espera e de olhos atentos às cotações em bolsa para decidir se mantinham os planos de lançar ações. Três delas — Odontoprev, GVT Holding e Brasil & Movimento — já contavam, inclusive, com a aprovação de registro pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para seguir adiante, mas, até o fechamento desta edição, não haviam manifestado se prosseguiriam ou não. As demais estavam em processo de análise na autarquia e, pelo menos uma delas, — a Multiplan — anunciou publicamente sua desistência. A administradora de shoppings centers preferiu vender parte do seu capital para um fundo de pensão canadense.

Para as que continuam na fila, o desafio é prever os efeitos que a instabilidade terá sobre a atraente janela de mercado aberta nos últimos tempos para as empresas interessadas em lançar ações — e, principalmente, para aquelas que desejam abrir o capital. Terá a crise o poder de fechar totalmente a tão bem-vinda janela? Ou seu papel será apenas reabri-la em novas condições?

O primeiro passo para solucionar a questão é dimensionar a crise. E neste quesito, como sempre, existem os mais otimistas e aqueles nem tanto. No geral, porém, pode-se dizer que a maioria dos especialistas questionados sobre as duas perguntas acima acredita que os recursos destinados a países emergentes continuarão existindo, mas em menor fluxo. E que, passadas as incertezas sobre os rumos da economia norte-americana, a volatilidade diminuirá e o mercado se estabelecerá sob novas condições de liquidez mundial, à esta altura já adaptadas a um cenário de juros mais atrativos nos Estados Unidos.

Vencida esta fase, a próxima dúvida é se as tais “novas condições” ainda deixarão espaço para os IPOs. Na opinião do vice-presidente executivo do Itaú BBA, Jean-Marc Etlin, a janela de mercado continuará aberta sim, mas adaptada aos novos parâmetros. “Não precisamos de um mercado em alta, mas sim de um mercado estável dentro de determinada faixa para precificarmos um IPO”, afirma o executivo, que assessora companhias em processos de oferta pública. Ele lembra que o IPO da Natura, um dos primeiros da safra iniciada em 2004, veio a mercado com o Ibovespa a 19 mil pontos, bem inferior aos níveis atuais. Próximas a esta faixa vieram também as ofertas de Gol, ALL e CPFL Energia (ver quadro).

De fato, o mercado parece ter ficado um tanto mal acostumado com a agitação da bolsa nos primeiros meses do ano. E não faltaram razões para isso. Além das 20 companhias em fila de espera para lançar ações, 15 realizaram ofertas até o dia 23 de junho, das quais 12 o fizeram para uma abertura de capital — número que já supera os dez IPOs de todo o ano 2005. Algumas delas, como Totvs, CSU Cardsystem, BrasilAgro e Lupatech, desembarcaram na melhor hora, bem quando o índice cercava os 40 mil pontos.

MAIS SELETIVO — O mercado comedido e menos disposto a pagar preços fabulosos pelos IPOs não será a única dificuldade no caminho das companhias que vierem a fazer ofertas públicas depois da reviravolta de junho. A expectativa dos especialistas é que, com a perspectiva de alta dos juros nos mercados desenvolvidos, os recursos voltados aos países emergentes sejam em menor volume e, portanto, mais seletivos. Em outras palavras, prevalece o sentimento de que aquela superoferta de recursos pouco criteriosa e obstinada por IPOs de empresas brasileiras tenha chegado ao fim.

Nesse novo cenário, tendem a ter mais espaço as emissões de maior porte e de setores com perspectivas diferenciadas de desempenho futuro, avalia o advogado Antônio Felix, sócio do Tozzini, Freire Teixeira e Silva, que presta assessoria jurídica a companhias em processos de ofertas de ações. O estágio de maturidade da companhia também deverá ser mais decisivo para o sucesso do IPO. “Não basta apenas seguir as boas práticas de governança. É preciso que a companhia esteja pronta para ser aberta, o que significa, entre outras coisas, ter processos internos bem desenvolvidos e uma previsibilidade sobre a evolução do negócio”, afirma Etlin, do Itaú BBA.

Mas e para quem está do outro lado do balcão? Terão os emissores interesse em manter seus planos de abertura de capital diante do aumento no nível de exigência dos investidores e dos patamares de preços mais comedidos?

No que diz respeito a preço, José Olympio Pereira, diretor da área de banco de investimentos do Credit Suisse, lembra que nem todas as ofertas públicas de ações dos últimos anos contaram com céu de brigadeiro. Ele observa que companhias como Localiza e Energias do Brasil venderam suas ações abaixo da faixa de valor indicativa e que Lojas Renner e TAM saíram no piso da faixa. “Fomos muito embalados pelos últimos sete meses, mas já tivemos outros momentos difíceis”, afirma. Renner e Energias do Brasil enfrentaram, inclusive, os momentos mais tensos da crise política, logo após as denúncias sobre o pagamento do mensalão a parlamentares.

Para decidir se seguem ou não em frente, as companhias também terão que ponderar os resultados que esperam alcançar na oferta com os interesses que justificam a sua iniciativa de abrir o capital. “Se o objetivo for iniciar uma parceria de longo prazo com o mercado de capitais, a fim de manter uma porta aberta para continuar buscando recursos lá na frente, é provável que a companhia mantenha o plano”, comenta Carlos Mello, sócio da área de mercado de capitais do escritório Mattos Filho, que afirma ter três clientes nesta situação se preparando para pedir o registro na CVM. “Eles não mudaram de opinião”, conta. Mas existe também a possibilidade de se tratar de uma oferta que inclua apenas ações dos sócios atuais (oferta secundária) e de estes acionistas preferirem vender seus papéis fora de bolsa, em condições que lhes pareçam mais apropriadas.

POUCA RACIONALIDADE — As experiências internacionais, contudo, mostram que a decisão de suspender um projeto de abertura de capital ou levá-lo adiante depois de um mercado em crise não é tão racional como se imagina. Diversos estudos acadêmicos procuraram identificar o momento certo de se fazer um IPO e as variáveis que influenciam a quantidade dessas operações. Alguns constaram que o volume de IPOs está muito mais relacionado à variação do mercado nos tempos recentes do que ao patamar de preço no momento da operação.

O estágio de maturidade da companhia será decisivo daqui em diante. É preciso que ela esteja pronta para ser aberta

Um dos trabalhos mais comentados sobre o tema foi publicado em 2002 pelos acadêmicos Michelle Lowry e G. William Schwert. Eles concluíram que, historicamente, um movimento maior de IPOs é estimulado por bons exemplos anteriores. Períodos de grandes altas dos papéis nos primeiros dias de negociação em pregão podem garantir um ótimo fluxo de abertura de capital pelos seis meses seguintes, segundo os autores. No mesmo ano, os acadêmicos das universidades da Flórida e de Yale Jay Ritter e Ivo Welch publicaram um trabalho no The Journal of Finance confirmando a evidência de que as companhias abrem o capital em resposta às condições favoráveis de mercado. Mas não conseguiram explicar a razão pela qual as quedas na bolsa costumam ser seguidas de queda nos IPOs. “Por que é feito um ajuste na quantidade dos IPOs e não só no preço?”, perguntaram os autores. “Esse é um quebra-cabeça não apenas para o mercado de IPOs, mas também para o de ofertas não-iniciais.”

INTENSIDADE DO AJUSTE — Se o Brasil vai repetir a tendência observada pelos acadêmicos — e fazer um ajuste no volume de IPOs ao invés de mantê-los a um preço menor — é uma questão a ser respondida nos próximos meses. Tudo dependerá do quanto mais baixo será este patamar de preço — uma variável que, por sua vez, dependerá da quantidade de recursos disponíveis para mercados emergentes e, portanto, do cenário de liquidez internacional ainda tão difícil de prever. Para o estrategista chefe do WestLB, Ricardo Amorim, a fase de recursos abundantes para mercados emergentes certamente acabou. “Chegou a hora do ajuste”, afirma. A dúvida que ainda resta, segundo o economista, é se este será apenas um ajuste técnico ou se está a caminho um processo de inflação mundial que resultará em altas representativas das taxas de juros nos mercados centrais e queda mais prolongada das bolsas.

Os dados do site de pesquisas Emerging Portfolio Fund Research (EPFR) confirmam a debandada dos fundos de investimentos dedicados a países emergentes. Somente na semana encerrada em 7 de junho, eles sacaram um total de US$ 8,5 bilhões dos US$ 248 bilhões que tinham aplicados nesses mercados. Aos que querem saber o que está por vir, o diretor da EPFR Brad Durham aconselhou resgatar a experiência de maio de 2004, quando o temor de aumento da inflação e das taxas de juros norte-americanas também fez estrago no humor dos investidores. A instabilidade durou até novembro do mesmo ano, mês em que teria início a corrida de recursos para os emergentes encerrada em meados de maio último.

Fora a complexidade do cenário internacional, os IPOs no Brasil prometem sofrer pouca interferência do ambiente interno. Em meio a tanta incerteza, as eleições não parecem mais fazer diferença. “As duas opções possíveis já estão nos preços dos ativos”, afirma Evandro Pereira, sócio da área de mercado de capitais do Banco Pactual. Para o executivo, os IPOs brasileiros passarão por uma fase morna em julho e, principalmente, em agosto, por conta das férias no Hemisfério Norte. E voltarão a partir de setembro em pleno período eleitoral, quando as ofertas acumuladas nas últimas semanas e não realizadas poderão, finalmente, ser lançadas a mercado. “Esperamos entre US$ 8 bilhões a US$ 10 bilhões em novas ofertas de ações até o final do ano”, afirma. O desenrolar desta história está nas mãos do mercado.


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