Pesquisar
Close this search box.
“Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo
Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos e ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo

O ex-secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo, Felipe Salto, está, desde janeiro do ano passado, em endereço e cargo novos. Trocou o centro de São Paulo pela sala, no nono andar, com vista para Faria Lima, na Warren Investimentos. Como economista-chefe da casa, ele se dedica principalmente à análise de contas públicas e política fiscal – política monetária e inflação ficam a cargo de dois outros economistas, Sergio Goldenstein e Andrea Angelo, respectivamente. “Mudei de lado do balcão”, diz ele, que, desde 2015 se dedicava a funções no governo. Antes do comando da Fazenda Paulista na gestão do governador Rodrigo Garcia, Salto ocupou a diretoria-executiva da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado, responsável, entre outras tarefas, por estimativas de variáveis relevantes para a construção de cenários fiscais e orçamentários e pela mensuração do impacto de eventos fiscais relevantes. Também trabalhou na assessoria econômica de José Serra.

Mesmo com o currículo tucano, ele considera positivo o primeiro ano do governo Lula e o “compromisso com a responsabilidade fiscal” da equipe econômica”. Apesar disso, como boa parte de seus vizinhos de Faria Lima, não acredita no cumprimento da meta de déficit primário zero para este ano. Ainda assim, é contrário à sua revisão. “Se a meta for abandonada e mudar, as projeções vão piorar também”, afirmou em entrevista à Capital Aberto. Na conversa, ele também fala sobre suas previsões para o mercado e explica por que um especialista em contas públicas tem a acrescentar ao cargo de economista-chefe numa instituição financeira privada.

 Confira os principais trechos da entrevista:

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Qual é a importância de um economista-chefe especializado em política fiscal?

A questão fiscal é o nosso calcanhar de Aquiles. Desde que comecei a trabalhar, em 2008, na Tendências Consultoria, essa é a grande questão. Ainda não conseguimos ter estratégia que leve a alcançar permanentemente as condições de sustentabilidade da dívida, que é alta, crescente e volátil. Em alguns períodos a gente até consegue produzir o resultado primário, mas na maior parte dos períodos temos gastos e despesas obrigatórias crescendo muito. Calculamos que a rigidez orçamentária está em torno de 95%. Ou seja, o governo tem liberdade para manejar de fato só 5 % do orçamento.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Diante desse quadro, como você vê a meta de déficit zero do governo?

 A nossa projeção é um déficit de 0,79 % do PIB para o governo central. A meta é zero, mas a banda é menos 0,25 pontos percentuais. Ou seja, a meta zero vai ser considerada cumprida se o governo entregar um déficit de 0,25%. Então, em relação à nossa projeção, o governo precisaria de mais 0,5 a 0,6 ponto percentual do PIB de receita, corte de gastos ou uma combinação das duas coisas para conseguir entregar pelo menos o limite inferior da meta. Isso é muito difícil, porque nós estamos falando de R$ 60 bilhões a R$ 65 bilhões.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

 Se muito dificilmente será cumprida, a meta deveria ser revista?

 A única coisa que o governo não deveria fazer é rever essa meta, porque o zero não é um número mágico, mas ele funciona como uma âncora na estratégia do ministro Fernando Haddad. Se a meta for abandonada e mudar, as projeções vão piorar também. O grande desafio de Haddad é segurar essa meta o máximo que ele puder para segurar o déficit primário. É preciso evitar uma expansão fiscal desmedida, porque uma boa parte do Congresso e uma parte do próprio governo estão loucas para fazer isso. Depois, nada impede que Haddad discuta as metas para frente, porque a meta de superávit de 0,5% para 2025 definitivamente já ficou datada.

Também queria lembrar que o arcabouço prevê dois gatilhos no caso de rompimento da meta. Então, se ela se mantiver em zero para este ano e o déficit for pior do que 0,25% do PIB, um gatilho terá de ser acionado em fevereiro de 2025. Ele impede qualquer tipo de ação de qualquer um dos poderes para aumento real de gastos. O segundo gatilho seria acionado em 2026, com redutor para o limite de gastos de 2026, na proposta de orçamento a ser enviada em agosto de 2025. Cumprir esse rito daria credibilidade ao governo. Mudar a regra ou a meta, em 2024, início de jogo, acabaria com todo o crédito.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

 Como o comprometimento com a meta beneficia o mercado e a economia?

 Não teremos crescimento econômico e juros permanentemente mais baixos se não conseguirmos aumentar a poupança do setor público. Tem outra coisa: com uma sinalização clara, compromisso e entrega de resultados fiscais melhores, a dívida fica mais barata. Então, não só a Selic se reduz, mas a curva a termo de juros vai reagir para baixo. E isso vai baratear o custo de financiamento da dívida. Isso é bom porque o governo precisa de dívida. Eu sempre digo que dívida pública é uma coisa boa, desde que você seja um bom pagador. E, para ser um bom pagador, o mercado tem que acreditar que você é um bom pagador. E, para isso, você tem que cumprir a regra que você mesmo estabeleceu.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

 Como você vê o primeiro ano do governo Lula em relação às expectativas iniciais?

 Quando saí da secretaria, vim para cá e comecei a visitar os clientes, eu percebi que havia um pessimismo generalizado com o governo, em relação, por exemplo, ao abandono do antigo teto de gastos. Mas eu já percebia naquele momento que não era isso que ia acontecer, porque senão o presidente Lula teria escolhido outro ministro da Fazenda e não o Haddad, que tem um histórico importante nos cargos públicos que ocupou de responsabilidade fiscal. Na prefeitura, por exemplo, ele conseguiu aprovar a Lei Complementar 148, que ajudou a reduzir a dívida do município pela metade, basicamente.

Quando veio o arcabouço fiscal, ficou claro que seria um governo comprometido com a responsabilidade fiscal ao longo do tempo. Também é positiva a aprovação da agenda de recuperação de receitas com uma série de medidas difíceis e com os setores prejudicados, que estão reclamando e fazendo pressão contra a reoneração. Com a medida provisória (MP) assinada no dia 27, a reoneração será endereçada por projeto de lei, mas acho positivo o fato de a MP ter mantido o fim do Perse [benefícios para o setor de eventos] e limite para a mamata de compensação tributária, mecanismo que permite empresas usarem créditos tributários para pagar imposto no lugar de desembolsar caixa. O fim da subvenção baseada nos incentivos do ICMS é importante. O governo também acertou com a tributação dos fundos exclusivos e das offshores. Para mim, o ano passado foi 2 a 1 para o Haddad. O gol do placar adversário foi a reforma tributária do consumo.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Por que a reforma tributária do consumo foi gol do adversário?

Ela é complexa, pode piorar o atual sistema e aumentar o contencioso tributário. O IBS, imposto subnacional, vai ser comandado por um comitê, que a meu ver é inconstitucional, usurpando poder dos governos estaduais e municipais. A guerra fiscal, principal problema econômico do ICMS, permanecerá até, pelo menos, 2032. Mas o custo para acabar com ela, de R$ 800 bilhões, para começar, já está garantido no texto da Constituição. Existe um risco altíssimo de termos de reverter esse processo, com uma espécie de contrarreforma.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Como parte do esforço para aumento da receita, o Conselho Monetário Nacional, limitou os lastros para a emissão de CRIs e CRAs. Como você vê a medida?

Acho correto, pois não é que se está onerando esses ativos. Na verdade, você está tornando a coisa mais séria, porque muitos desses papéis estavam sendo emitidos de uma maneira torta, para dizer o mínimo, e sem que o incentivo estivesse sendo direcionado, de fato, para o setor imobiliário e para o setor agrícola. Com a nova regulamentação, eu entendo que isso melhora. Você fecha o cerco e pode ter algum ganho arrecadatório, porque vai haver uma migração para outros tipos de ativos.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Quais suas perspectivas para este ano?

Em termos de desempenho da economia, acho que este ano será bom. No ano passado, o crescimento do PIB, que deve ter ficado em torno de 3%, foi puxado pelo desempenho muito bom do agronegócio, de 15%. Em 2024, nós não vamos ter, provavelmente, esse desempenho extraordinário do agronegócio, mas a redução do juro deve produzir dois efeitos estruturais importantes. O primeiro deles é a reação no consumo e investimento, que já começou. Em segundo lugar, se tivermos uma política externa melhor do que nós tivemos no governo anterior – e acho que o primeiro ano mostrou que sim – e dermos um tratamento melhor para as questões ambientais, teremos mais investimentos estrangeiros e sobem as chances de um acordo União Europeia – Mercosul prosperar, com ganhos para nossa indústria. O PIB deve crescer acima de 2%, a meu ver, com composição favorável para a indústria, pelo lado da oferta.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Em relação à Selic, qual é a sua aposta?

Eu acho que a Selic vai terminar o ano em, no mínimo, 9%, que é o nosso cenário. Com a inflação projetada em 3,5%, os juros reais ex-ante ficam em torno de 5,5%. Ainda é um juro real elevado, mas é uma redução muito importante, se você olhar o ponto de partida, e acho que suficiente para gerar efeitos econômicos positivos. Para ir para baixo disso, nós vamos precisar ver o que vai acontecer do lado fiscal.

Com 5%, pensando no mercado financeiro, ainda vai ter muito interesse por renda fixa porque o juro é alto ainda, mas naturalmente a redução começa a gerar um interesse maior por bolsa.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

 Qual é sua perspectiva em relação aos juros americanos?

Os últimos dados da economia americana mostram que, de fato, é preciso colocar as barbas de molho. Então, talvez a queda das taxas fique para o segundo trimestre ou final do primeiro. De todo modo, eu acho que há, sim, um processo de redução do juro precificado para este ano, que vai acontecer mais cedo ou mais tarde. Quando o juro lá fora cai, o processo de redução da Selic fica mais fácil. E pode até ser que a Selic caia um pouco mais eventualmente do que prevê o nosso cenário, de 9% no fim do ano. Então, o que vai acontecer é que a gente vai conseguir continuar atraindo capital estrangeiro, mesmo com o juro mais baixo. Mas claro que existem outros riscos também que ele tem que considerar, como o risco fiscal e as guerras da Ucrânia e entre Israel e Hamas.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

A saída de investidores estrangeiros da bolsa neste ano é consequência da perspectiva de adiamento dos juros nos Estados Unidos?

Acho que o movimento tem mais relação com realização dos lucros no rali de fim de ano, mas não dá para descartar o fato de que essa mudança na perspectiva do juro lá fora possa ter também afetado. Apesar dessa turbulência de curtíssimo prazo, eu continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de boa qualidade, porque nós estamos com uma taxa de crescimento razoável para os nossos padrões, o fiscal, por enquanto, está organizado, enquanto o Haddad estiver no comando — e me parece que ele continuar é a premissa mais provável. Aí, os investidores estrangeiros observam esses dados e veem que nossa taxa de juros compensa muito mais do que o risco que eles precisam tomar, e trazem dinheiro para cá.  Isso vale tanto para investimento produtivo como para a bolsa, que, indiretamente, é também investimento produtivo.

Felipe Salto, “Este ano será um ano bom. O PIB deve crescer acima de 2%. E continuo acreditando na entrada de capital estrangeiro de qualidade”, Capital Aberto

Algum outro risco que valha mencionar?

Eu acho que a China, mesmo crescendo menos, ainda cresce muito em termos absolutos e vai continuar sendo um player importante para nós e demandando matéria-prima.

O que mais me preocupa é o que pode acontecer nas duas guerras. Porque, por enquanto, nós não estamos vendo desdobramentos econômicos relevantes. Mas, se uma delas escalar, pode haver reflexo sobre sobre preço de insumos importantes, como petróleo. Isso pode gerar também efeitos sobre os fluxos de capitais, a taxa de câmbio e mais desdobramentos sobre a inflação. Dito isso, não acho que esse seja o cenário-base a esperar.


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.