Voto tutelado
Em carta-diretriz, IBGC defende a independência dos conselheiros e pede mudança na Lei das S.As

, Voto tutelado, Capital AbertoÉ velha a briga em torno do artigo 118 da Lei das S.As, que vincula os conselheiros de administração aos acordos de acionistas. O polêmico trecho da legislação mexe com um dos conceitos sagrados da boa governança: a independência dos membros do conselho. De um lado do ringue, estão aqueles que defendem a plena autonomia dos conselheiros para deliberarem no interesse da companhia. No campo adversário, os que consideram que o artigo é essencial pela segurança jurídica que proporciona e, além disso, que não viola a independência do conselheiro. O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) nunca escondeu que sempre esteve no primeiro grupo. Mas agora movimenta-se para vencer pelo menos um round. Em março, o 118 foi o tema da “carta diretriz” número um da instituição.

Cartas diretrizes são pareceres técnicos produzidos pelo IBGC com o intuito de difundir o posicionamento da organização sobre as melhores práticas de governança e influenciar a sociedade — o Estado, inclusive. No documento de estréia, o IBGC deixou claro que uma forma simples de acabar com a polêmica ao redor do 118 é simplesmente limando os conselheiros de administração do artigo. O instituto propôs uma reforma na lei, que consiste na mera retirada das menções aos órgãos de administração e seus membros dos parágrafos oitavo e novo. Isso porque, na visão do IBGC, os conselheiros devem atuar no interesse da companhia e de todos os seus acionistas e assumir a responsabilidade de seus atos. Com a nova redação da lei, somente os acionistas estariam sujeitos à observância dos acordos, por ele assinados, nas deliberações em assembléia. Ficaria, assim, livre o conselheiro para votar sem amarras, conforme sua própria consciência.

A origem dos dois parágrafos do artigo 118 está ligada às privatizações, no final da década de 90. Entendia-se na época que era preciso criar garantias de que os compradores das empresas vendidas pelo Estado teriam mecanismos para exercer, de fato, o poder de controle pelo qual pagaram um prêmio. A proteção a esse direito veio com a edição da Lei 10.303, de 2001, que introduziu os parágrafos oitavo e novo no artigo 118. Esses dispositivos reforçaram a importância do cumprimento dos acordos de acionistas — ferramentas cruciais para o exercício do poder de controle — ao vincular os conselheiros de administração à orientação de voto dos signatários desses contratos.

Os membros do conselho ficaram obrigados a seguir a decisão dos pactuantes do acordo, sob a pena de terem seus votos desconsiderados (artigo oitavo) ou, caso se abstenham, de terem seus votos proferidos por outra pessoa (artigo nono). O objetivo da mudança na legislação foi evitar que, influenciados pela parte vencida, conselheiros pudessem desobedecer às disposições dos controladores que os elegeram e, desta forma, diminuir a eficácia dos acordos de acionistas. Esse risco, avaliaram os legisladores, criaria um cenário pouco atraente para investidores estrangeiros. Mas eis que a solução de uma insegurança jurídica propiciou o surgimento de outra: até que ponto fica preservada a independência do conselheiro que tem o seu voto “preso”?

Mudar a legislação é um caminho extenso e tortuoso, como lembram bem os sete anos de tramitação no Congresso do projeto que culminou na alteração da parte contábil da Lei das S.As. Por isso, enquanto seus próximos retoques parecem sonho distante de ser concretizado, o IBGC vislumbra mudanças na auto-regulação. Se a exclusão dos conselheiros de administração do artigo 118 não pode ser feita à força, que pelo menos sua desvinculação dos acordos de acionistas seja valorizada pelo mercado. A carta diretriz sugere à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) que os regulamentos dos segmentos diferenciados de governança — Novo Mercado e Níveis 1 e 2 — proíbam a listagem de companhias que permitam acordos com a vinculação do voto de conselheiros.

À espera de iniciativas como essas, o IBGC tenta fazer valer sua interpretação a respeito do arcabouço jurídico corrente. Uma das propostas da carta diretriz é de que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) emita normas ou um parecer de orientação em linha com o entendimento do IBGC sobre o alcance dos parágrafos oitavo e nono do 118. “O artigo 118 não deve ser interpretado de forma a subordinar as manifestações de voto dos conselheiros de administração à orientação do acionista controlador, retirando-se deles o juízo de valor sobre aquilo que entendam ser o melhor para a sociedade”, disse João Laudo de Camargo, coordenador da carta diretriz, no lançamento do documento, em 13 de março. Para o instituto, a orientação de voto deve ser encarada como uma recomendação de conduta e não como uma obrigatoriedade. Caso contrário, violaria dois princípios da Lei das S.As — o de autonomia entre os órgãos da companhia, expresso no artigo 139, e o de independência funcional do conselheiro, presente no 154.

O IBGC admite a vinculação somente nas matérias que não sejam de deliberação exclusiva do conselho de administração, como manifestações prévias sobre atos ou contratos, ofertas de ações e prestação de garantia a obrigações de terceiros. Em casos como aprovação de relatórios da administração e fiscalização da gestão de diretores, não poderia haver vinculação. A carta sugere que mesmo as vinculações previstas nos acordos de acionistas já existentes sejam entendidas dessa maneira. “Na visão do IBGC, esta é a única interpretação cabível deste dispositivo legal, ainda que resulte na invalidação do voto”, ratifica.

Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM e sócio do escritório Trindade Advogados, discorda da necessidade de alteração da lei. “Se o conselheiro considerar que a deliberação dos acionistas vai contra os interesses da companhia, deve votar de forma diferente e dar publicidade a esse conflito. A pior conseqüência disso será a sua demissão. Mas, se votar de acordo com os acionistas, poderá ser punido pela CVM.” Outro que não vê essa necessidade é Renato Chaves, diretor de participações da Previ. Ainda assim, Chaves concorda com o que prega o IBGC. Para ele, os dois parágrafos controversos do 118 devem ser vistos mais como uma recomendação do que uma imposição.


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