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Vidrados nas telas
Juro em queda e incremento da renda encorajam gestores a apostar nos fundos de cinema, apesar do histórico de desempenho ruim

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A sensação de que as filas nos cinemas estão cada vez mais longas nas grandes cidades brasileiras, principalmente nos fins de semana, tem fundamento: em 2011, os ingressos vendidos no País passaram de 140 milhões, o maior volume dos últimos dez anos, praticamente o dobro do verificado em 2001. A cifra, divulgada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), representa uma receita bruta de R$ 1,44 bilhão, também a mais alta da década e 13,5% superior à de 2010. Tradicionalmente, são de Hollywood os campeões de bilheteria, como o desenho animado Rio e o romance juvenil Amanhecer, da série Crepúsculo. Mas a produção brasileira vem galgando seu espaço. O número de ingressos vendidos por 99 filmes nacionais foi de 17,8 milhões em 2011 — abaixo dos 25,6 milhões do ano anterior, e 158% maior, porém, que o registrado em 2001, segundo o site Plano B, especializado no setor. Os 99 títulos lançados nas telas no ano passado somaram R$ 163 milhões de faturamento bruto. Seduzidos pela evolução desse nicho, gestores de fundos de investimento apostam na sétima arte como estratégia de diversificação de recursos.

Esse tipo aplicação é relativamente novo no Brasil. O principal mecanismo de atuação no segmento continua sendo o fundo de financiamento da indústria cinematográfica nacional (Funcine), figura regulamentada em 2003 e provedora de benefícios fiscais. Investir nesses fundos, que exigem aportes mínimos entre R$ 1 mil e R$ 50 mil, pode abater até 6% do imposto de renda (IR) de pessoas físicas e, no caso de pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real — ou seja, grandes empresas —, até 3%. O método é parecido com os da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual, que embutem o conceito de renúncia fiscal. Fatores como vendas de ingressos e de direitos para exibição em TV, licenciamento de produtos ligados aos filmes e distribuição internacional afetam a valorização das cotas.

Apesar dos atrativos, não se pode dizer que os Funcines tenham caído no gosto popular. Em julho, havia dez fundos da categoria registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que reuniam um patrimônio líquido total de R$ 61,1 milhões. “O produto é pouco conhecido pelas empresas e, entre as pessoas físicas, menos ainda”, diz Daniela Romero, sócia da Lacan Finanças.

O histórico de desempenho desses fundos tampouco é dos mais alentadores. Um dos primeiros Funcines a sair do papel, em 2004, veio pelas mãos da BB DTVM, a gestora de recursos do Banco do Brasil. O fundo registrou desvalorização nominal de 18% ao longo de 20 meses, de dezembro de 2004 a agosto de 2006, depois de captar R$ 2 milhões para investir em filmes como O Mistério de Irma Vap, O Coronel e o Lobisomem e Cabra-Cega. “Esse tipo de investimento é muito incerto, pois depende do sucesso da bilheteria. Não vislumbramos novos produtos para essa área”, informou a assessoria de imprensa da BB DTVM. No entanto, isso não desanima gestores a testarem outras formas de alocação de recursos em cinema. É esperado o lançamento de fundos de investimento em participações (FIPs) e de fundos voltados para o varejo. Hoje, a grande maioria dos cotistas ainda é formada por empresas. Esse novo cenário poderá elevar os recursos investidos no setor para mais de R$ 100 milhões em dois anos, segundo estimativas de um gestor de banco.

A Bawm Investments, consultoria de gestão patrimonial, estruturou um FIP para investimento em 8 a 12 projetos de obras cinematográficas. Com parceria técnica do produtor Rodrigo Teixeira — da RT Features, produtora responsável pelos longas O Cheiro do Ralo e Heleno, que selecionará os longas —, o fundo tentará captar entre R$ 12 milhões e R$ 20 milhões. O objetivo é fisgar investidores qualificados, dispostos a pagar um tíquete médio de R$ 1 milhão. “Com o juro (real) em 2% ao ano, precisamos procurar coisas novas; vimos que o investimento em cinema pode aliar glamour a retorno financeiro”, comenta Luis Müssnich, gestor da Bawm.

Com o FIP, o executivo espera contar com uma estrutura mais ágil e eficiente que a dos Funcines para adquirir participação acionária em uma empresa da área que desenvolve projetos audiovisuais. O instrumento também permite ao gestor uma influência mais direta na execução dos produtos. Na avaliação de Müssnich, o Funcine é mais burocrático, já que aporta em projetos necessariamente aprovados pela Ancine e tem de passar pelos trâmites tributários para conceder os benefícios fiscais.

O que entusiasma a Bawm, além da procura de investidores por aplicações diferenciadas, é a ascensão da renda da população brasileira, um dos principais motores do crescimento das bilheterias nacionais. No período de 2003 a 2011, cerca de 40 milhões de pessoas entraram para a classe média no País, que subiu de 65,9 milhões para 105,5 milhões de indivíduos, um salto de 60%. Nos próximos dois anos, mais 12 milhões deverão migrar para a classe C, e 7,7 milhões, para as classes A e B, segundo previsão do economista Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Quem também confia nessa tendência é a Investimage, que, nesse momento, está em plena fase de captação de um Funcine. A expectativa é de que o patrimônio líquido do fundo alcance R$ 13 milhões até 2013. Embora o aporte mínimo para ingresso no produto não seja alto — R$ 1 mil —, a gestora presume que a clientela seja formada, primeiramente, por pessoas jurídicas. “Queremos chegar às pessoas físicas, mas esse produto é voltado para as empresas, que ainda são as que mais entendem esse tipo de fundo”, pondera Thierry Perrone, sócio da Investimage. O Funcine foi estruturado para investir no capital de agentes que atuam na área audiovisual, como produtoras ou distribuidoras, em vez de depender exclusivamente dos filmes. Essa é uma das quatro modalidades possíveis de investimento pelos Funcines. As outras são: desenvolvimento de projetos, produção, comercialização, distribuição e exibição de obras audiovisuais brasileiras de produção independente; construção, reforma e recuperação das salas de exibição; e projetos de infraestrutura.

REINVENTANDO MODELOS — Perrone planeja alguns passos mais arrojados na área audiovisual. Um deles é a criação de um FIP, que deve ser comunicado em breve ao mercado. A expectativa é que o FIP ultrapasse o patrimônio do Funcine mais recente da casa. No foco estão os investidores externos, que desejam maior exposição ao mercado brasileiro, atualmente mais dinâmico que o dos países europeus, por exemplo. A outra aposta do executivo está no projeto de um fundo dirigido a aplicadores individuais. “Primeiramente, iríamos ao público da classe AAA, o investidor qualificado. Depois, poderíamos buscar o varejo mais pulverizado”, observa Perrone, que pretende se reunir com bancos de varejo para colher impressões sobre sua proposta. “Para alcançarmos as pessoas físicas, será preciso que os bancos de varejo entrem com investimentos nessa área”, destaca.

A Lacan também está trabalhando na divulgação de um fundo, o Downtown II, lançado no fim de 2009. A captação do Funcine, que deveria se encerrar neste ano, deve ser estendida até abril de 2013, em uma terceira prorrogação. A gestora só captou, até agora, R$ 2 milhões da faixa de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões almejada. “A crise internacional tem tido impacto, porque as empresas não sabem seus efeitos e como ficará o caixa”, afirma Daniela. “No entanto, algumas enxergam os benefícios de marketing que esses recursos de renúncia fiscal podem gerar.” Os dois fundos Downtown mantêm uma estrutura de governança similar. Há um comitê de investimento que reúne um membro da gestora, um membro de uma produtora e um representante dos cotistas. Juntos, buscam avaliar os projetos cinematográficos e a expectativa de arrecadação de bilheteria de cada um deles.

Apesar das dificuldades de captação com o Downtown II, a Lacan continua avaliando negócios na área de entretenimento. “Essa área ainda vai crescer muito no Brasil. Estamos estudando um FIP de audiovisual, que poderia ser ofertado para pessoas físicas e jurídicas, e um fundo voltado para a arte, com foco em shows e teatros, por exemplo”, destaca Daniela. Para que os investidores se empolguem verdadeiramente com o segmento, porém, ainda é preciso que os sucessos de público se transformem em retorno financeiro robusto.


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