Veneno em extinção?
Nutriplant, Hypermarcas, Le Lis Blanc e OGX surpreendem ao trazer estatutos sociais livres de cláusulas de poison pills

, Veneno em extinção?, Capital AbertoQuando a fabricante de cosméticos Natura abriu o capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), em 2004, e deu início à fabulosa fase do mercado de capitais brasileiro, também fez escola ao adotar uma poison pill — termo genérico dado a cláusulas estatutárias que, ao encarecer a transação, desestimulam a aquisição de fatias relevantes da companhia. Até o fim de 2007, boa parte das empresas que distribuíram ações tomou a pílula e se protegeu contra aquisições. Contudo, em 2008, uma surpresa: as três companhias que realizaram ofertas iniciais de ações (IPOs) até 31 de maio — Nutriplant, Hypermarcas e Le Lis Blanc — contrariaram essa onda e deixaram os mecanismos anti-tomada de controle fora de seus estatutos sociais. Soma-se a esse grupo a OGX, que deu início a sua oferta de ações no fim do mês.

As quatro redigiram seus estatutos sociais sem incluir nenhuma gota de veneno para investidores. Elas não comentam o porquê da ausência do dispositivo. E pode ser cedo para se estabelecer algum tipo de tendência. Mas o fato é que esses IPOs refletem outro momento do mercado, por sinal, muito menos líquido e mais seletivo do que o período pré-subprime. Nesse contexto, os riscos das poison pills ficaram evidentes.

Reportagem da CAPITAL ABERTO de fevereiro mostrava que as pílulas vinham ganhando formulações mais suaves desde o segundo semestre de 2007. Para Carlos Motta, sócio do escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice, bancos e acionistas controladores perceberam que o mecanismo poderia engessar a companhia, ao limitar aquisições de participações que seriam interessantes. Geralmente, as cláusulas obrigam o comprador de um determinado percentual do capital da companhia a realizar uma oferta pública de aquisição (OPA) dirigida a todos os acionistas. Em vários casos, exigem que essa oferta inclua um generoso prêmio por ação. Segundo fontes do mercado, uma companhia do segmento de saúde perdeu a chance de receber aportes de um grande investidor devido ao alto preço embutido na oferta. “Tenho certeza de que o controlador está arrependidíssimo por ter colocado a poison pill”, afirma um advogado que acompanhou as negociações. Outra fonte conta que as pílulas travaram aquisições no setor imobiliário, um dos mais fervilhantes da Bovespa.

Com o esfriamento do número de emissões de papéis, esperava-se para este ano uma bolsa mais agitada em fusões e aquisições. “Notamos que vários movimentos de consolidação foram dificultados pelas poison pills. Elas passaram a representar uma variável importante”, diz Marcos Flesch, sócio do Souza, Cescon Avedissian, Barrieu e Flesch Advogados. O escritório assessorou a Nutriplant em seu IPO e os bancos coordenadores das ofertas de Le Lis Blanc e Hypermarcas. Para Flesch, o fato de essas empresas não terem inserido os dispositivos em seus estatutos sinaliza o amadurecimento do mercado. “Os agentes perceberam que nem sempre a poison pill valoriza a companhia. Essa ficha caiu só recentemente.”

, Veneno em extinção?, Capital AbertoFORA DA REALIDADE — Nas atuais circunstâncias do mercado, um agravante é o retorno negativo de boa parte das novatas listadas. Imagine uma empresa cuja ação saiu precificada a R$ 25,00 no momento do IPO e hoje esteja valendo R$ 20,00 — uma desvalorização de 20%. Se a companhia em questão tem uma poison pill que embute, para a realização da OPA, um prêmio de 30% sobre o preço da última emissão pública, o adquirente terá de pagar pelos papéis, na prática, 50% a mais que o valor de mercado. Quem estaria disposto a aceitar um preço totalmente distante da realidade? José Diaz, sócio do escritório Demarest & Almeida Advogados, vai além. Ele acredita que o maior impedimento esteja no gatilho para a oferta. Dependendo do percentual estabelecido, nenhum investidor estaria disposto a pagar o pedágio de fazer uma oferta a todos os acionistas, argumenta. Muitos menos a pagar um prêmio elevado nessa compra. Na avaliação de Diaz, até o começo do ano passado, era comum os escritórios recomendarem a utilização da cláusula. Ao longo do tempo, essa disposição parece ter se invertido. A adoção desses mecanismos passou a ser vista com mais cautela.

“Não sei se é uma tendência, mas para mim é ótimo que as poison pills não estejam aparecendo mais”, confessa o diretor do UBS Pactual Rodolfo Riechert. Ele ressalta que 2008 não deve servir de “parâmetro para nada”, em função do baixíssimo volume de ofertas, mas diz que os investidores estão começando a olhar as pílulas e a não gostar delas. “Sou radicalmente contra as poison pills. Na hora da precificação, elas podem pesar contra.” Segundo o executivo, num cenário de grande liquidez, como o de 2007, era possível adicionar praticamente tudo nos estatutos das novatas. “O pessoal não ligava, não estava preocupado”. Desde a virada trazida pela crise de crédito, porém, o mercado tende a precificar mais as particularidades de cada companhia. Por causa disso, o UBS costuma aconselhar as candidatas ao pregão a não adotarem poison pills, revela Riechert, apesar de a decisão final caber ao cliente.

Para Carlos Mello, sócio do Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. & Quiroga Advogados, não há dúvidas de que o mercado, de modo geral, faz cara feia para esses mecanismos. Ele concorda com Riechert: em épocas de liquidez reduzida, como agora, diminui o espaço para as poison pills serem incluídas nos estatutos. O escritório Mattos Filho prestou consultoria legal para a Hypermarcas e para a Le Lis Blanc em seus IPOs. Mello diz que um dos motivos que levaram as companhias a não aderirem à moda das poison pills foi uma ponderação sobre dois pontos. A poison pill deve ser colocada quando o objetivo dos acionistas majoritários é continuar no mercado de capitais e manter o controle da companhia com menos de 50% das ações, de acordo com o advogado. Ao mesmo tempo, a cláusula atrapalha uma eventual venda do controle ou de uma parcela significativa do capital. “Muitas vezes, o empresário prefere abrir mão do poder de controle a perder uma boa negociação”, diz Mello. Segundo ele, apesar da adesão maciça, o mecanismo sempre foi apresentado para as companhias com os seus prós e contras.

ESCUDO CONTRA CONCORRENTE — No caso do IPO da Natura, a adoção da poison pill, com gatilho de 15% para a OPA e prêmio de 50%, foi estudada dessa forma. A empresa também foi assessorada pelo Mattos Filho. Mello lembra que a fabricante de cosméticos tem uma concorrente direta mais capitalizada, a norte-americana Avon, que poderia abocanhar em bolsa uma fatia relevante das ações ordinárias da brasileira e influenciar na sua gestão, caso não houvesse a barreira da poison pill.

Na opinião de especialistas, a poison pill pode até fazer sentido quando o objetivo for proteger a companhia de um concorrente, por exemplo. Sem maiores prejuízos, pode ser utilizada quando a empresa pertence a um setor estratégico e está vulnerável a aquisições hostis. É também conveniente quando se trata de um negócio em que a expertise do controlador é fator crítico de sucesso. Para Luiz Octavio Duarte Lopes, sócio do Mattos Filho, os dispositivos estão longe de ser uma necessidade, mas podem ser uma boa alternativa, dependendo do caso.

O grande problema está nas poison pills que servem de trincheira para grupos específicos. Numa companhia de capital pulverizado, por exemplo, é mais penoso para os acionistas minoritários expurgar uma administração incompetente quando existem as pílulas de veneno. Da mesma forma, numa companhia com dono, a troca de controle pode ser a única saída para uma guinada. Luiz Antonio Campos, sócio do Barbosa, Müssnich & Aragão, critica essa barreira criada pelas poison pills. “O mercado ajusta os preços de forma mais eficiente do que esses dispositivos artificiais”, diz ele. “Talvez esteja sendo otimista”, reconhece, mas Campos acredita que as poison pills possam estar, realmente, com os dias contados no mercado brasileiro. “A pílula não é uma panacéia, que resolve todos os problemas.” Após os tropeços iniciais, uma mudança parece clara: agora as companhias estudam com mais cuidado se a pílula vai mesmo fazer bem a sua saúde.


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