Vende-se análise
Empiricus é a primeira casa de research independente a surgir após as boas-vindas da CVM

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Depois do burburinho provocado pela informalidade da linguagem de seus relatórios de análise — “a maioria dos agentes de mercado sofre de déficit de atenção”, sobre o fato de a cotação da Ideiasnet não condizer com a realidade da companhia —, a Empiricus anunciou que o texto de 29 de janeiro era o último a ser distribuído gratuitamente.“Um trimestre, certamente apenas o início de uma dura caminhada, foi suficiente para fornecer direções importantes. A primeira delas, talvez a mais importante para uma companhia não filantrópica, é a confirmação da existência de ‘economics’ para uma empresa de research independente no Brasil”, enfatizou a carta. A Empiricus já é lucrativa, garante Rodolfo Amstalden, um dos sócios da firma sediada na rua Iguatemi, a poucos metros do reduto financeiro da avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Aos quatro meses de vida, conquistou 58 clientes e faturamento mensal de R$ 44 mil. A sobrevivência do negócio será um teste providencial para o mercado imberbe que o regulador pretende estimular.

Em 2008, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) colocou em audiência pública o edital de reforma da Instrução 388, que discorre sobre a atividade de analista de valores mobiliários. A regra atualmente em vigor permite o exercício da profissão de três formas: autônoma; com vínculo a instituição do sistema de distribuição; ou com vínculo a pessoa autorizada pela CVM a desempenhar a função de administrador de carteira ou de consultor de valores mobiliários. Uma das novidades propostas é autorizar que os analistas estejam atrelados a um empregador cujo objeto social seja exclusivamente o de análise de valores mobiliários. Não que as casas independentes sejam hoje proibidas — elas simplesmente não existem na regulamentação. No texto da minuta, a intenção é clara: “O objetivo desta inovação é viabilizar a formação de firmas de análise independentes.” De acordo com Alexandre Leite Moraes, da superintendência de relações com investidores institucionais da CVM, a edição da norma está prestes a sair. “É questão de semanas”, diz ele.

A disponibilidade de pesquisa independente é apontada por especialistas como um quesito relevante para o desenvolvimento do mercado de capitais. Afinal, conflitos de interesses são inerentes ao trabalho do analista de investimento desde os primórdios do “sell side” — como é chamado o ofício de quem recomenda a compra ou a venda de ações para investidores, o “buy side”. O analista vinculado a uma empresa cuja fonte de receita vai além da pesquisa pode ter sua opinião influenciada, por exemplo, pelo departamento de gestão de fundos. Esse potencial só aumenta quando não há controles efetivos de segregação de atividades. Outra relação delicada se dá quando o analista atua em linha com a equipe da área de banco de investimento. No mundo ideal, o buy side é separado por uma “Muralha da China” da área de coordenação de ofertas de ações, para que sua análise fique livre do viés comercial dos banqueiros. Não importa se o banco vai embolsar uma polpuda remuneração liderando uma grande emissão pública de papéis. O analista deve agir de forma independente na avaliação desse emissor.

BANCADAS POR BANCOS — Mas nem sempre o “Chinese Wall” funciona como deveria. A história mostra que muitas vezes a barreira é mais frágil que o combalido Muro de Berlim. Em 2003, instituições financeiras de Wall Street — dentre elas, as grifes Goldman Sachs, J.P. Morgan, Merrill Lynch e Morgan Stanley — foram punidas sob a acusação de contaminarem seu trabalho de análise de ações por interesses do negócio de banco de investimento. As penalidades impostas incluíram obrigações financeiras que totalizaram US$ 1,4 bilhão. Dessa cifra, US$ 432,5 milhões tiveram de ser gastos na compra de research independente, o que fomentou a expansão de empresas especializadas nesse serviço. O acordo firmado com as autoridades norte-americanas determinou que cada uma das rés contratasse pelo menos três provedoras de pesquisa por um período de cinco anos. E que distribuísse os relatórios terceirizados em adição aos de fabricação própria.

Atraído pela credibilidade, varejo tem puxado as vendas de análise independente no Brasil

Hoje, casas independentes são comuns e bastante solicitadas nos Estados Unidos. No Brasil, esse tipo de sell side nunca teve estímulo. Investidores se acostumaram a receber relatórios de análise das corretoras sem nenhum custo adicional. A aparente falta de apelo comercial desse produto fez com que a paulista Lopes Filho permanecesse, desde 1977, como uma das poucas empresas brasileiras que, embora não atue como banco nem como corretora, vende research, além de outros serviços de consultoria. É o que tínhamos de mais próximo das casas norte-americanas até a chegada da Empiricus. A Lafis Consultoria, também desvinculada de banco ou corretora, faz trabalhos de pesquisa, mas apenas setoriais, sem a cobertura de empresas.

Na CVM, a Lopes Filho é registrada como consultoria. Mas as casas que surgirem com a finalidade única de análise vão prescindir de registro no órgão regulador a partir da nova instrução. Haverá fiscalização no âmbito da autorregulação, uma vez que a norma prevista pela CVM delega a entidade privada a supervisão da atividade de research, inclusive a de casas ligadas a bancos. Para vestir esse chapéu, a Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec Nacional) fez vários ajustes em sua estrutura, como a mudança para uma sede maior e a reforma de seu código de conduta, conta Lucy Souza, presidente da instituição. A certificação continuará sendo um requisito para os analistas responsáveis pelos relatórios. Hoje, há 1.180 analistas certificados, segundo a Apimec Nacional.

PÚBLICO LEITOR — Ao contrário do ambiente norte-americano, o varejo tem puxado as vendas de análise no Brasil. Sem esconder certa surpresa, a Empiricus informa que 50 de seus 58 clientes são pessoas físicas. A base máxima de clientes desejada é de 200 assinantes individuais e 50 empresas. “Gostamos de manter o diálogo com o cliente”, justifica Rodolfo Amstalden, economista e assistente de análise. A mensalidade custa R$ 600 para pessoas físicas e R$ 1.800 para jurídicas. Para o varejo, esse preço poderia ser proibitivo, comparado ao custo zero das recomendações das corretoras tradicionais. Mas há quem o encare como investimento. “Serve para minimizar meus riscos”, explica o advogado Antonio de Almeida Couto. Aos 43 anos e operador de home broker há dois, Couto diz que não perdeu dinheiro, mas chegou a deixar de ganhar por seguir uma análise equivocada de um banco. Escaldado, agora prefere a diversificação de fontes de consulta.

Outra assinante da Empiricus, a administradora Katia Moço da Costa, de 57 anos, considera essencial contar com uma “opinião sem amarras”. “Nem sei dizer o quanto melhor seria se a Empiricus estivesse no mercado há mais tempo. Mas antes tarde do que nunca”, brinca. Kátia costumava acompanhar Marcos Elias, um dos sócios-fundadores da Empiricus e conhecido pela gestão dos fundos Galleas, por meio de webcasts dos quais ele participava. Na nova casa, Elias não faz análise, compondo apenas o chamado “conselho editorial”, ao lado de João Carlos Prandini e Paulo Gala. O trabalho de research é assinado por Felipe Miranda (ex-Deutsche Bank), auxiliado por três assistentes de análise. O diretor comercial e CEO é Caio Mesquita, que atuou nos bancos Brascan e Paribas.

Na Lopes Filho, embora os clientes diretos sejam corporativos (fundos de pensão, corretoras, distribuidoras, gestores de recursos e bancos de investimento), a consultoria consegue medir seu sucesso entre as pessoas físicas pela quantidade de acessos ao portal Onde Investir (www.ondeinvestir.com.br). Entre 2006 e 2009, as visitas ao site registraram aumento médio anual de 29%. É nele que a Lopes Filho hospeda os relatórios de análise oferecidos a usuários de home broker de diversas corretoras que pagam pelo produto. A consultoria não informou à reportagem dados sobre faturamento, número de clientes e preços de tabela do serviço.

O fundador Luiz Fernando Lopes Filho detectou o potencial desse nicho ainda na década de 1960, quando os primeiros analistas norte-americanos chegaram ao País. Ele não tem dúvida de que há espaço no mercado para concorrentes. Contudo, não acredita que muitos venham a se aventurar na atividade exclusiva de research, por este se tratar de um negócio de margens baixas. “A área de administração de recursos certamente dá maiores possibilidades de ganho”, admite o empresário. Além da alta parcela do faturamento destinada a tributos (no mínimo 35%), outros importantes custos de uma empresa como a Lopes Filho são mão de obra especializada e tecnologia da informação. Já Rodolfo Amstalden, da Empiricus, crê na demanda reprimida por análises independentes e diferenciadas. “Não temos a ilusão de que continuaremos sozinhos”, diz. Ninguém sabe quanto tempo vai levar para a concorrência tomar corpo. Mas só a possibilidade de uma análise independente deixa o mercado muito mais interessante.


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