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Venda sob medida
Com suitability, bancos descobrem nova clientela para investimentos sofisticados

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Um correntista do Unibanco quis investir, pelo serviço de internet banking, em um fundo de ações gerido pela instituição. Ao clicar o botão “aplicar”, foi levado a uma página com cinco perguntas, do tipo “você acompanha notícias do mercado financeiro?” e “qual o objetivo para o desempenho de seus investimentos?”. No fim do teste de múltipla escolha, descobriu que seu perfil era “agressivo”. Para esse correntista, o banco sugeriu redução nas aplicações em poupança e um aumento de exposição a ações e fundos multimercados. Está aí um exemplo de como a análise de perfil do investidor (API), questionário aplicado por todos os bancos de varejo desde 1º de janeiro, virou uma ótima ferramenta de relacionamento com clientes. Mais do que alertar sobre os riscos de investimentos, a API permite que os bancos apresentem aos correntistas produtos nos quais eles nem imaginavam investir.

O interesse dos bancos em conhecer seu público é tanto que até quem não está procurando investimentos pode ser apresentado à API por meio de mala direta. Os testes também podem ser respondidos por telefone, site ou nas agências. A API faz parte da “suitability” (conformidade ou adequação, na tradução para o português). Empregado inicialmente nos Estados Unidos e na Europa, esse conceito refere-se à prática das instituições financeiras de identificar a tolerância a risco de seus clientes para oferecer produtos sob medida. No Brasil, a expectativa é de que os questionários revelem um maior apetite por risco dos investidores pessoas físicas do que se supunha. Com isso, ganham os bancos, que, de posse dessas informações, vão poder dirigir de forma mais eficaz sua força de vendas na área de investimentos. O potencial é elevado. Do total de investidores individuais brasileiros, apenas 13% aplicam em “fundos sofisticados”, diz Marcos Villanova, coordenador da comissão de distribuição de produtos de varejo da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), idealizadora da API. “No resto do mundo, o investidor procura produtos que ofereçam melhor rentabilidade, com classificação de risco alta ou média”, compara Villanova, também diretor de investimentos do Bradesco. “Daqui a alguns anos, poderemos ter o mesmo índice mundial, de 40% a 45%”, acrescenta. Precisa ser submetida à API a venda de fundos multimercados, de ações e de renda fixa com crédito privado.

O crescimento da indústria de fundos no Brasil evidencia o apetite dos investidores por aplicações financeiras que propiciem maior retorno. O segmento fechou 2009 com um patrimônio líquido (PL) de R$ 1,366 trilhão, uma evolução de 24,5% sobre 2008, e captação líquida (diferença entre aplicações e resgates) de R$ 87,6 bilhões, informa a Anbima. Os fundos multimercados foram a categoria que teve maior captação líquida, de R$ 35,6 bilhões, o que representa 13,4% do PL da indústria.

Do total de investidores individuais, apenas 13% aplicam em fundos de maior risco

O Itaú Unibanco é um dos que viram na API uma oportunidade de explorar essa demanda. No Itaú Personnalité, segmento voltado aos correntistas de alta renda, a API começou a ser aplicada em setembro de 2009. Até o fechamento desta edição, 18% da clientela já havia sido contemplada. Com base nessa amostra, o banco apurou que 35% investem conforme o indicado na API, 25% aplicam em ativos com mais risco do que o seu perfil e 40% ficam com produtos abaixo do que sua tolerância ao risco permitiria.

Enquanto competidores como Santander, Banco do Brasil e Bradesco limitam o questionário aos correntistas, o grupo financeiro dos Setubal e dos Moreira Salles estendeu a rotina para todos. O objetivo da ampla adoção da API é fornecer informações que subsidiem o trabalho de vendas.
O Itaú Unibanco faz avaliação de perfil até para aplicações em produtos como poupança — que está fora da lista da API — e pretende incluir, no primeiro trimestre, o questionário para previdência privada. Segundo Osvaldo Nascimento, diretor executivo de seguros, previdência e capitalização, a API está sendo usada na mudança de treinamento da equipe de vendas iniciada há mais de um ano.

MENOS ASSIMETRIA — A despeito dos benefícios colaterais para os bancos, o objetivo nobre do questionário é proteger o investidor. A chegada do processo de conformidade ao varejo é benéfica, segundo Alexandre Chaia, professor de finanças do Insper. Todos os bancos e a maioria das assets independentes implantaram a API — só faltavam as instituições de varejo. “O objetivo é acabar com os desentendimentos nos bancos que têm mais público de massa”, afirma. Uma das queixas antigas era a de que os gerentes e consultores tinham muito poder de decisão nos bancos de varejo e nem sempre ofereciam os produtos mais apropriados ao aplicador. Com a API, o foco do atendimento sai dos produtos financeiros e é direcionado ao cliente, diz o professor de finanças da Fundação Dom Cabral (FDC), Haroldo Vale Mota. “Quem mais ganha, sem dúvida, é o investidor, pois a transparência na recomendação de produtos é muito maior”, assinala.

O cliente não é obrigado a responder ao questionário. Se ele se recusar ou não concordar com o perfil identificado, assina um termo de compromisso dando ciência de que o teste foi oferecido e dispensado. O investidor que alegar que não sabia quais os riscos do investimento porque não aceitou a API não terá um argumento válido. “Para aplicar em um fundo, o cliente terá de assinar o termo de adesão, que contém informações sobre o prospecto, o regulamento e os riscos da aplicação”, diz Marina Procknor, sócia do escritório Mattos Filho Veiga Filho Marrey Jr. e Quiroga Advogados.

A Anbima encabeçou as discussões sobre a implantação do processo no Brasil e é responsável pela autorregulação dos seus bancos, assets e corretoras associadas. E isso é só o começo. Os próximos passos do processo de conformidade são avaliar a receptividade do novo instrumento entre investidores e bancos e avançar, ainda este ano, nas discussões sobre a API para todos os fundos de investimento e ofertas públicas iniciais de ações.

Pelo prazo da Anbima, as corretoras têm até o início de 2011 para aplicar a API em suas estruturas. Mas as que atuam na BM&FBovespa terão de adotar regras de suitability até 30 de junho, conforme o prazo definido pelo programa de qualificação operacional (PQO) da Bolsa. De acordo com o roteiro básico do programa, as corretoras têm de instituir processos constantes de conhecimento de perfil dos clientes e oferecer recomendações adequadas de investimento. Do contrário, não serão mais autorizadas a intermediar negócios no pregão. O processo de implantação da API está adiantado em algumas casas. A XP Investimentos deve ter o seu sistema pronto em fevereiro, segundo Juliana Sanfins, gerente de compliance. “Já temos o nosso questionário montado com a avaliação das respostas, com identificação de pontuação e perfil”, afirma.

SEM DEMORA — Não existe um modelo ideal de questionário, mas ele deve seguir alguns critérios. A API consiste em uma série de perguntas que devem obrigatoriamente conter tópicos relacionados a idade do investidor, montante, objetivo e finalidade da aplicação, tolerância a risco e experiência com investimentos. Aplicada na internet ou na agência, ela deve ser breve e objetiva para não burocratizar o atendimento, diz Mota, da Fundação Dom Cabral. “O cliente não quer ficar uma hora respondendo a perguntas sobre investimento”, comenta Paulo Veiga, diretor de compliance e controle de risco da Mercatto Gestão de Recursos.

A regulação e a supervisão das práticas de conformidade estão a cargo da Anbima e submetidas ao Código dos Processos de Regulação e Melhores Práticas da associação. Em caso de descumprimento, o acusado é chamado a apresentar suas explicações. Após avaliação do departamento jurídico da Anbima, a pena pode variar de uma notificação para adequação de conduta em incidentes considerados de pouco potencial de dano ou, em casos mais graves, instauração de processo judicial. Chaia, do Insper, afirma que a principal penalidade para a instituição que não oferecer a API será o prejuízo à sua imagem. “Um novo padrão de mercado está sendo criado. O banco que não o adotar pode ser visto como aquele que não se importa com o cliente.”

A iniciativa de autorregulação da Anbima está sendo acompanhada de perto pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A superintendente de desenvolvimento de mercados da autarquia, Luciana Dias, disse que a conformidade é um dos assuntos a serem discutidos este ano na audiência pública da norma que substituirá a Instrução 387, de 2003, que trata das operações realizadas com valores mobiliários, em pregão e em sistemas eletrônicos de negociação e de registro em bolsas. No entanto, como a suitability já é objeto de autorregulação, é mais provável que ela permaneça nesse âmbito, antecipa Luciana.


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