Vêm aí os Cepacs
Em operação inédita, Prefeitura de São Paulo recorre ao mercado de capitais para financiar obras públicas sem aumentar seu endividamento. Para os tomadores de risco, mais uma oportunidade de investimento na área imobiliária

, Vêm aí os Cepacs, Capital AbertoAtenção investidores: um novo título regulamentado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) terá sua primeira oferta pública realizada em algumas semanas no mercado de balcão organizado da Bovespa, a Soma. No papel de emissor, não haverá nenhuma companhia aberta, fundo de investimento ou securitizadora. Lá estará a Prefeitura Municipal de São Paulo, ávida para captar os recursos de que necessita para viabilizar as obras que darão o tom da campanha de reeleição da prefeita Marta Suplicy.

Trata-se do chamado Cepac – Certificado de Potencial Adicional de Construção –, título que não se diferencia dos demais valores mobiliários apenas pelo tipo de emissor, mas também por suas características. É lastreado no que o poder público costuma chamar de outorga onerosa, uma modalidade de arrecadação de recursos praticada há anos pela prefeitura de São Paulo.

Para quem não conhece, cabe relatar um breve histórico da outorga onerosa. Ela foi utilizada pela primeira vez na operação de revitalização do Vale do Anhangabaú, em 1991, sob o aval do artigo 3º da Lei Municipal 11.090. O texto previa que o município poderia abrir uma exceção para os proprietários de terrenos que quisessem construir acima do limite de ocupação e uso do solo previsto na lei de zoneamento para aquela região, desde que fosse cobrada uma taxa por isso. Assim, onde a lei previa um sobrado, por exemplo, passaria a ser permitida a construção de um edifício (até determinada altura), mediante contrapartida financeira. Os recursos arrecadados teriam que ser utilizados em obras públicas que beneficiassem os moradores da região.

Mas a prática da outorga onerosa ganhou mesmo importância em 1995, na gestão de Paulo Maluf em São Paulo, quando foram iniciadas as obras de ampliação da avenida Faria Lima. Terrenos desapropriados e casas antigas seriam adquiridas por incorporadores que vislumbravam o potencial imobiliário da região, principalmente para construção de edifícios comerciais. A outorga onerosa passaria a ser uma importante fonte arrecadadora para o município, uma vez que os projetos de novas edificações na avenida Faria Lima invariavelmente ultrapassavam os limites fixados pela lei de zoneamento. Foi aí que a criatividade da administração pública aflorou e surgiu pela primeira vez a idéia do Cepac.

Primeiro leilão de Cepacs está previsto para abril e poderá ultrapassar R$ 1 bilhão

DE OUTORGA ONEROSA A INVESTIMENTO – O conceito parecia simples. Ao invés de esperar o interessado recorrer ao município para adquirir o direito de construir além do permitido, a prefeitura preferiu criar um estoque desses direitos e vendê-los de uma só vez, antecipando os recursos para o seu caixa e agilizando o processo para o proprietário do terreno. Desta forma, sempre que houvesse um grande projeto de reestruturação urbana, o poder municipal lançaria os direitos de construção excedente antes mesmo de iniciá-lo e utilizaria os recursos obtidos para financiar as obras., Vêm aí os Cepacs, Capital Aberto

Diante do novo modelo, a prefeitura se deu conta de que os direitos a serem distribuídos na forma de Cepacs poderiam interessar a qualquer um e não apenas a quem pleiteasse uma área adicional em sua propriedade. Investidores que apostassem no potencial de valorização imobiliária da região poderiam vendê-los com lucro a outro investidor ou ao interessado em construir. Assim, a antipática outorga onerosa se transformava em uma promissora oportunidade de investimento.

Contudo, na época da ampliação da avenida Faria Lima, a idéia do Cepac não foi adiante porque sua emissão foi considerada irregular. Conforme a Constituição Federal de 1998, novas iniciativas para o desenvolvimento urbano só poderiam ser implementadas por meio de lei federal, e os Cepacs haviam sido regulamentados por lei municipal.

Mas o tema voltou à pauta em 2001 e os certificados foram incorporados ao Estatuto da Cidade, este sim estabelecido por lei federal. O estatuto não tratava, contudo, da natureza do título, o que levou a prefeitura a encomendar um estudo a respeito.

Segundo o advogado Julian Fonseca Peña Chediak, responsável pelo parecer entregue à prefeitura, os Cepacs são títulos liberados à livre negociação com preço formado a partir das regras de mercado, o que os configura como um valor mobiliário e, portanto, os sujeita às regras de transparência impostas pela CVM. Desde 2001, quando promulgada a nova Lei das S.As, a CVM passou a ter a competência para regular toda espécie de título e valor mobiliário voltado a investimento coletivo, categoria em que se incluem os Cepacs. Aprovados pela comissão em dezembro, os certificados de potencial construtivo serão agora utilizados para financiar a primeira grande operação urbana da prefeita Marta em São Paulo, na região da avenida Água Espraiada.

EMISSÃO VAI ULTRAPASSAR R$ 1 BILHÃO – O primeiro leilão de Cepacs está previsto para meados de abril. Os títulos serão utilizados para financiar as obras da região que se estende do Real Parque, perto do bairro do Morumbi, à saída para a Rodovia dos Imigrantes, no bairro do Jabaquara. De acordo com o secretário municipal de Finanças, Luis Carlos Fernandes Afonso, ainda não está definida a quantidade de Cepacs a ser lançada, mas apenas o seu valor de face, de R$ 300. “A operação total ultrapassará R$ 1 bilhão”, afirma Afonso, dando a idéia de que pelo menos 3 milhões de Cepacs serão emitidos.

Previsto em lei federal, o Cepac poderá ser utilizado por qualquer município que decida criar a sua própria legislação para tal. Mas as características do título, assim como previstas na lei federal e depois na instrução CVM, deverão ser preservadas.

São Paulo se orgulha por ser a pioneira na iniciativa de utilizar a moderna fórmula financeira para financiar obras públicas se utilizando de recursos também públicos e sem endividar o caixa do município. “Ao invés de aumentar a cobrança de impostos podemos usar a própria valorização imobiliária para financiar as obras e destinar as verbas orçamentárias para construir mais CEUs (Centros de Educação Unificada), por exemplo”, afirma o secretário. “Juntamente com a população, nós seremos os maiores beneficiados, uma vez que a prefeitura terá recursos para contratar nossos serviços”, comemora o empreiteiro Antonio Marcos Doria, representante da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop).

Para o superintendente de registros da CVM, Carlos Alberto Rebello Sobrinho, é oportuno que a prefeitura de São Paulo sirva de modelo para os demais municípios. “Acreditamos que mesmo os fundos de pensão com sede no Rio de Janeiro e em Brasília tenham interesse pelos Cepacs de São Paulo, o que deve favorecer a valorização do título”, avalia.

Sem chances de serem muito inovadores neste aspecto, os Cepacs também correrão atrás da disputada poupança dos fundos de pensão. Mas também vão buscar a tesouraria dos bancos, os investidores de private banking, os administradores de recursos independentes e ligados a bancos e os próprios interessados em usufruir do direito de construir além dos limites fixados pela lei de zoneamento. “Temos conversado com vários empreendedores, bancos e fundos de pensão e a receptividade tem sido boa”, afirma Afonso.

PRODUTO PARA INVESTIDOR QUALIFICADO – Embora não seja o foco do título, a compra estará aberta ao investidor individual que acredite no potencial de valorização do Cepac de determinada região – a única forma de ganho com o título já que ele não embute uma rentabilidade pré-fixada. Romeu Pasquantonio, diretor da Soma, ambiente de negociação em que serão transacionados os Cepacs da prefeita Marta, acredita, contudo, que este será um produto para investidores qualificados, ainda que não haja restrição da CVM neste sentido.

Segundo Elaine Weigand, diretora da WT Consultoria, empresa de investimentos especializada na área imobiliária, grandes investidores estão de olho nos Cepacs. “Um dos meus clientes já está ‘reservando’ um terço do montante que uma empreiteira deverá receber em Cepacs, o que equivale a uns R$ 50 milhões”, conta.

Elaine se refere aos casos em que os Cepacs serão transferidos pela prefeitura às empreiteiras como parte do pagamento pelo serviço prestado nas obras – uma alternativa, também prevista em lei, para utilização dos Cepacs pelo poder municipal. Nesta situação, os títulos seriam objeto de uma colocação privada, hipótese também prevista na instrução CVM.

Títulos serão oferecidos a investidores individuais e institucionais e terão negociação na Soma

O processo de emissão de Cepacs começa com uma lei municipal que define a área de abrangência da operação urbana, detalha o zoneamento das ruas e determina quantos títulos de potencial construtivo serão emitidos. Depois são definidos os lotes de Cepacs e a que obras eles estarão vinculados.

No primeiro lote da prefeitura de São Paulo, a principal obra será a ponte sobre o Rio Pinheiros, ligando o Real Parque à avenida Roberto Marinho (antiga Água Espraiada). Pede-se então o registro na CVM. Pelas regras da autarquia, um novo lote de Cepacs só pode ser emitido quando as realizações da prefeitura previstas para a etapa anterior estiverem concluídas e o município tiver prestado as devidas contas do empreendimento.

REGRAS DE TRANSPARÊNCIA – As informações sobre as obras da operação urbana deverão ser atualizadas trimestralmente pela prefeitura. No relatório será obrigatório informar o andamento da operação, a situação atual das áreas em que os Cepacs ainda poderão ser utilizados, os custos incorridos e a forma de aplicação dos recursos. Também será obrigatório informar ao mercado quaisquer estudos ou projetos que possam modificar as características da operação urbana e fatos relevantes que possam influenciar o valor de mercado dos Cepacs.

O direito de construção conferido pelo título poderá ser executado a qualquer momento, sem prazo de validade. Quando isso acontece, o Cepac é cancelado e deixa de circular. Enquanto o direito não é exercido, os papéis circulam no mercado secundário e são transacionados na Soma.

A estratégia da prefeitura paulista é emitir Cepacs sempre em quantidade inferior ao potencial adicional de construção limitado para cada operação. “Assim criamos uma situação de escassez e garantimos a valorização do papel”, diz.

Confirmado o sucesso da primeira colocação, o mercado espera que apareçam novas operações urbanas. Em São Paulo, por exemplo, logo após a emissão do primeiro lote de Água Espraiada deverá vir um lote de mais uma operação urbana na avenida Faria Lima, segundo o secretário de finanças. “Nada impede que, a partir daí, outros títulos sejam criados em linhas semelhantes”, analisa Chediak, o advogado responsável pelo parecer que deu origem à instrução CVM. Vale acompanhar os próximos passos do Cepac.


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