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União civilizada
Principais instituições do mercado estudam criar órgão com poderes para abençoar ou barrar incorporações e aquisições de companhias

, União civilizada, Capital Aberto

Nos últimos anos, um dos principais focos de confusão e insegurança do mercado de capitais brasileiro foram as operações de incorporação. Com suas fórmulas engenhosas, elas deixaram investidores melindrados com laudos de avaliação obscuros e relações de troca desiguais para acionistas controladores e minoritários. Mas, num futuro próximo, as controvérsias que envolvem os processos de fusões e aquisições podem se tornar muito menos frequentes. Estão sendo dados os primeiros passos para a criação de um órgão que discipline o casamento entre companhias abertas.

, União civilizada, Capital AbertoA Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) pretende realizar, até o fim deste ano, uma reunião técnica com representantes das principais entidades do mercado para debaterem a implantação de uma instituição nos moldes do Panel on Takeover and Mergers, do Reino Unido. Há mais de quarenta anos a instituição britânica fiscaliza fusões e aquisições (M&A, na sigla em inglês), para assegurar o tratamento equitativo a todos os acionistas. A palavra “panel”, presente no nome desse e de outros órgãos similares mundo afora, remete ao grupo de pessoas escolhidas para avaliar as operações, como numa espécie de júri.

Segundo Edison Garcia, superintendente da Amec, a entidade está convidando para participar da discussão a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a BM&FBovespa, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), a Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), e o Instituto Nacional de Investidores (INI). Esses são, basicamente, os setores também representados no congênere inglês.

A iniciativa da Amec é uma resposta ao trabalho de “catequização” feito por Maria Helena Santana, presidente da CVM. Em conversas de bastidor ou mesmo em eventos públicos, Maria Helena buscou incutir no mercado a necessidade de um mecanismo de análise mais ágil para resolver os conflitos existentes em M&As. Seu objetivo foi chamar a atenção do maior número possível de participantes, para que a nova entidade tivesse a autoridade e a credibilidade necessárias.

A presidente da autarquia era cética quanto às iniciativas da Bolsa e da Abrasca de implantarem seus Takeover Panels. A BM&FBovespa sugeriu, no âmbito da reforma do regulamento do Novo Mercado, a instalação dessa instância no segmento de listagem mais avançado em termos de governança. A Abrasca, por sua vez, considerou inserir um projeto em um código de autorregulação, válido para suas afiliadas, mas depois desistiu. “Iniciativas assim não seriam fortes o suficiente. Um Takeover Panel deve se originar de uma aceitação ampla do mercado”, diz Maria Helena. “Percebemos que a adoção de uma estrutura dessas pela Abrasca teria abrangência limitada”, admite Antonio Castro, presidente da associação.

A própria Bolsa reconhece que a implementação de um Takeover Panel no contexto da mudança do Novo Mercado não seria adequada. “O conselho entendeu que o tema era muito complexo para ser avaliado no tempo disponível”, conta Cristiana Pereira, diretora de relações com empresas da Bolsa. O que não significa que a ideia foi esquecida. Muito pelo contrário. Interessada especificamente na experiência de Londres, a praça paulista encomendou estudos ao advogado Nelson Eizirik para avaliar a viabilidade do projeto no Brasil.

Ainda não dá para saber como será o Takeover Panel brasileiro, mas já se pode detectar a preferência por um modelo de autorregulação. Uma instituição de bases legais implicaria mudanças na Lei 6.385 — a que trata do mercado de valores mobiliários e da CVM —, principalmente por transferir poderes da autarquia a um novo órgão. Como mexer na legislação requer a burocrática tramitação no Congresso, grande parte dos entrevistados defende a iniciativa voluntária de mercado. “Não vale a pena mudar a lei. Além da morosidade do processo, corremos o risco de ver o projeto inicial ser radicalmente modificado”, diz Marcelo Barbosa, sócio do Vieira, Rezende, Barbosa e Guerreiro Advogados.

Decisões que levavam meses no regulador australiano passaram a ser tomadas em duas semanas pelo Takeover Panel

Deixar nas mãos da autorregulação não faz, necessariamente, com que a CVM atue com menos rigor em seu papel de vigia. A exemplo do que ocorreu no convênio com a Associação Nacional de Bancos de Investimento (Anbid, antes de se transformar na Anbima) para o registro simplificado de ofertas públicas de valores mobiliários, a CVM passaria a contar com o auxílio de um órgão tecnicamente qualificado para exercer sua função de reguladora.

PREVENINDO ABUSOS – Para Maria Helena Santana, um Takeover Panel no Brasil pode resgatar a segurança do mercado de fusões e aquisições, abalada com as recentes operações de incorporação. “Ao analisar as operações antes de elas se concretizarem, o Takeover Panel pode prevenir eventuais abusos contra os minoritários”, diz a presidente da CVM. É bem provável que os termos estabelecidos na incorporação da Sadia pela Perdigão — que previu relações de troca distintas para as ações ordinárias de controladores e minoritários — não fossem aprovados no Takeover Panel britânico, por exemplo. “Isso feriria um dos princípios fundamentais do código de fusões e aquisições”, diz Anthony Pullinger, diretor da entidade. Ele se refere ao primeiro dos seis princípios gerais do The City Code of Takeovers and Mergers, que estabelece que todos os detentores de valores mobiliários de mesma classe tenham tratamento equânime. O código é a base de todas as decisões do Takeover Panel.

Além de promover equilíbrio nas operações, outra vantagem de um Takeover Panel é sua agilidade. No Reino Unido, as decisões costumam ser tomadas de um a cinco dias. Na Austrália, a atuação do Takeovers Panel, criado em 2000, tornou os processos de fusões e aquisições muito mais rápidos. “Era comum, antes do estabelecimento do júri, que o regulador australiano levasse alguns meses para dar um veredito sobre operações de M&A”, conta Alan Shaw, diretor do júri australiano que, juntamente com Pullinger, participará no dia 9 de dezembro do seminário internacional Takeover Panel e as Incorporações no Brasil, organizado pela Amec. Já no primeiro ano de atividade da instituição australiana, julgamentos passaram a ser concluídos, em média, em 14,2 dias. “O processo por parte do regulador era mais burocrático, e muitos casos eram levados aos tribunais”, diz Shaw.

No Brasil, como se pode imaginar, processos que envolvem conflitos em fusões e aquisições são muito mais arrastados. Dados do estudo The Case for a Takeover Panel in Brazil?, da advogada Danielli Pugliese, mostram que, em 2007, a autarquia levou, em média, 162 dias para formular suas decisões a respeito de questões de fusão ou aquisição. No ano seguinte, a média foi de 105 dias. Em 2009, o número saltou para 153 dias (até agosto). “A CVM segue processos legais, que eventualmente demoram muito. Por seu caráter informal e especializado, o Takeover Panel pode se posicionar mais rapidamente”, diz Aloysio Miranda, sócio do Ulhôa Canto, Rezende e Guerra Advogados.

A composição diversificada é característica comum dos Takeover Panels. Por trás disso, existe o conceito de que, elaboradas por representantes de praticamente todos os setores do mercado de capitais, as decisões serão mais justas, sem a prevalência da vontade de um segmento sobre outro.

ANTILITÍGIO – De nada valem essas vantagens se o júri não for respeitado pelas companhias. O enforcement é um dos grandes desafios de um Takeover Panel de cunho autorregulador. “Por isso, um debate com todos os segmentos do mercado será fundamental para conferir legitimidade às decisões desse órgão”, diz Antonio Castro, da Abrasca. Castro sugere que as empresas sejam enquadradas nesse mecanismo por meio de um contrato que reconheça a autoridade do Takeover Panel nas questões de M&A.

Além do comprometimento formal, o novo órgão precisaria ter o poder de castigar quem desobedece a suas regras. Os britânicos podem dar uma luz. Além de barrar operações em discordância com o City Code of Takeovers and Mergers, o Takeover Panel pune os transgressores com censura pública, divulgando a contravenção na mídia, ou proibindo-os temporariamente de fazer outras ofertas de aquisição, por exemplo, dependendo da gravidade da irregularidade. Anthony Pullinger lembra que a primeira opção sempre foi a punição mais temida. “Para uma companhia britânica, não há nada pior do que ter seu nome estampado em um jornal”, diz.

Outro cuidado que o comitê deveria ter é com o risco de revisão judicial. “Muitas contestações na Justiça podem minar a confiança do mercado na instituição”, diz Pullinger. Por isso, é fundamental que uma entidade com tamanhas pretensões seja fortemente apoiada pela CVM, pelo governo federal e pelo Poder Judiciário.

Foi o que aconteceu na Inglaterra, quando houve o primeiro caso de questionamento em juízo de uma decisão do Takeover Panel, em 1987. A Datafin, empresa formada por ex-executivos da gráfica McCorquodale, recorreu aos tribunais para contestar um diagnóstico do “panel”. O corpo de árbitros não concordara com a queixa da Datafin de que seu concorrente na aquisição da McCorquodale havia agido de forma orquestrada com outra parte na oferta, algo proibido pelo código de fusões e aquisições. O caso foi emblemático, pois os tribunais referendaram a posição do Takeover Panel. Esse episódio originou uma lei, segundo a qual só pode haver revisão judicial depois que a operação sob discussão tiver sido concluída.

A legislação determinou também que um posicionamento da Justiça contrário ao Takeover Panel só vale para as operações seguintes. Foi um duro golpe nos litígios táticos, usados para atrasar o andamento das investigações. “As empresas perderam a motivação de levar sua insatisfação à Justiça. Quem vai querer arcar com os altos custos de um processo, para que, mesmo que obtenha sucesso, a decisão não valha para seu caso?”, diz Danielli Pugliese. Segundo ela, uma das formas de minimizar os riscos de apelações na Justiça é a criação de um Takeover Panel que funcione como um sistema arbitral, que sirva de blindagem contra esse tipo de recurso. A Lei 9.307/96, também conhecida como Lei de Arbitragem, impossibilita recursos judiciais contra uma decisão arbitral, com raras exceções.


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