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Uma questão de valores
A propósito das recentes controvérsias sobre as incorporações, perguntamos: ações ordinárias mereceriam condições de troca mais favoráveis que as preferenciais?

ibgcEm tempos profícuos para incorporações como o atual, minoritários titulares de ações preferenciais (PNs) correm o risco de ter de trocá-las em condições piores que os donos de ordinárias (ONs). Isso ficou claro na incorporação da Aracruz pela VCP, em que os detentores de ON da primeira receberam um fator de troca muito mais favorável que os preferencialistas. O risco só não se concretizou graças à ação da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que considerou a vantagem das ONs um benefício particular e exigiu que a operação fosse aprovada em assembleia apenas com o voto dos preferencialistas — motivo que levou a VCP a rever a proposta e encerrar o caso atribuindo às duas espécies de ações o mesmo preço. À parte o fato de a CVM ter ou não razão, gostaríamos de refletir sobre um ponto anterior: a premissa de que a ON, por deter direito a voto, vale mais, faz sentido? Quando olhamos para o principal termômetro do valor de uma ação, a negociação em bolsa, vemos que a resposta não é tão simples assim.

Dados da Economática revelam que, em 8 de setembro, em 16 das 34 companhias mais líquidas com as duas espécies de ações, as ONs valiam mais que as PNs na Bolsa; em 18 delas, o inverso era verdadeiro. Ou seja, empate técnico. As razões para os spreads variam muito. Por exemplo, no caso da Petrobras, o mais lógico seria que as ONs fossem negociadas com desconto, certo? Afinal, a companhia possui um controlador muito bem definido, e as chances de ele ser substituído são remotíssimas. Isso anula o valor do tag along (direito do minoritário de vender sua ação, a um preço justo, quando o controle é alienado) conferido pela Lei das S.As. somente aos ordinaristas. Nem o direito de votar é precificado nesse caso, porque ninguém pode fazer frente ao controle absoluto da União. Pois as cotações mostram, surpreendentemente, um sobrepreço para as ONs da petrolífera. No fechamento do pregão de 8 de setembro, elas atingiram 19,46% de prêmio em relação às preferenciais, mais líquidas. Em março, esse valor chegou a 24,2%.

, Uma questão de valores, Capital AbertoPREFERIDAS PELOS GRINGOS — A explicação para esse aparente paradoxo está no exterior. “Na Bolsa de Valores de Nova York, a procura pelos ADRs de ações ordinárias da Petrobras é cerca de duas vezes maior que o interesse pelos recibos de preferenciais. Isso pressiona o preço do papel no Brasil e faz com que o prêmio aumente”, explica André Lion, gestor de renda variável da BRZ Investimentos. Na sua avaliação, os estrangeiros têm mais simpatia por ações com direito a voto. As PNs são vistas como uma “mistura de ação com título de dívida”, diz Lion.

A diferença de preços entre ordinárias e preferenciais também muda conforme o momento histórico. Hoje, em média, as ONs levam uma vantagem de 1,70% (veja tabela ao lado). Mas, há dez anos, se alguém perguntasse para qualquer investidor qual ação valia mais, a resposta seria, sem titubear, a PN. Naquela época, as ações preferenciais chegaram a custar, segundo pesquisa realizada por Alexandre Póvoa, diretor da gestora de recursos Modal Asset Management, 43% a mais que as ordinárias. Isso porque, para incentivar as privatizações das companhias estatais, o governo revogou, por meio da Lei 9.457, de maio de 1997, o artigo 254 da Lei das S.As., a 6.404. Esse dispositivo dava aos acionistas minoritários o tag along, um dos fatores que tornavam as ações ordinárias atrativas. Em contrapartida, como forma de compensar esse corte, outorgou aos preferencialistas o direito de receber 10% a mais de dividendos.

O direito de tag along voltou parcialmente em 2000, na forma do artigo 254-A, assegurando aos minoritários que recebam, pelo menos, 80% do valor pago pelo bloco de controle (na versão anterior, a proporção era de 100%). Consequentemente, o spread entre PNs e ONs caiu para 7,5%. Em 2004, os papéis com direito a voto abriram vantagem. Alcançaram uma cotação média 8,30% maior que a das preferenciais. O ápice dessa liderança veio em 2007, com 12,20% de prêmio para as ONs. “No boom, o estrangeiro não queria saber de ações preferenciais, somente de ordinárias”, afirma Póvoa. “No entanto, quando o mercado começou a piorar por causa da crise, os estrangeiros venderam suas posições, e a diferença se reduziu novamente.”

Procura por papéis da Petrobras na Nyse faz com que ON da companhia negocie com prêmio no Brasil

O PESO DA LIQUIDEZ — Fora do ambiente do Novo Mercado, que só aceita ações com direito a voto, nem sempre é bom negócio comprar ações ONs. O free float costuma ser muito baixo. Não raramente, em companhias com dois tipos de ação, as ONs têm liquidez ínfima. Na Gerdau, por exemplo, nos 12 meses encerrados em 8 de setembro, o volume médio diário de negociação de ações ordinárias foi de R$ 5,3 milhões. Para as preferenciais, esse número foi quase 20 vezes maior, na casa dos R$ 108,5 milhões. Resultado: as ONs eram compradas com um desconto de cerca de 29%.

“Em situações normais de temperatura e pressão, a ação ordinária deveria valer mais pelos direitos que carrega”, afirma Augusto Korps, sócio da consultoria Stern Stewart. “Mas a liquidez muito maior de uma ação sobre a outra estraga a natureza lógica das coisas”. Embora os benefícios de uma ação ordinária sejam claros, a exposição a elas pode ser inviável. “Como um fundo de médio para grande porte vai se posicionar em uma ação que não movimenta nem um milhão por dia? Simplesmente, não há como”, sentencia Eduardo Roche, gerente de análise da Modal Asset Management.

O perfil do investidor brasileiro favorece a procura por ações preferenciais, segundo Alexandre Assaf Neto, professor de finanças da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi) e diretor do Instituto Assaf. “Diferentemente do norte-americano, que usa o mercado acionário para formar uma poupança para aposentaria, o brasileiro tem perfil de curto prazo.” Nesse sentido, a preferência é por ações que gerem maior fluxo de caixa, como as PNs, que são priorizadas na distribuição de proventos.

Um exemplo claro de como a liquidez pode ser determinante para o spread entre ON e PN é o caso da Usiminas. Em 2 de janeiro de 2004, a ação preferencial era cotada a R$ 10,5 e apresentava um volume de negociação de R$ 8,95 milhões. Já a ação ON estava precificada a R$ 7,90, com um volume de R$ 3 mil — prêmio de 32,91% para as PNs. Essa situação começou a mudar, gradualmente, a partir de 2006, quando a Vale, que detinha 22,99% do capital votante da siderúrgica, mas não fazia parte do grupo controlador, decidiu entrar no bloco de controle com uma participação minoritária. Para isso, teve de reduzir sua fatia para 5,9%. Isso injetou mais liquidez às ONs da Usiminas, e, atualmente, elas são comercializadas com quase o mesmo preço que as PNs — apesar de estas conferirem dividendos 10% maiores. Em 8 de setembro, essa diferença era de 1,85% a favor das PNs. “Às vezes, basta o free float das ordinárias crescer um pouco para chamar a atenção dos investidores, principalmente os de longo prazo”, observa Roche.

A lógica da liquidez só é posta em xeque quando o mercado enxerga a chance de uma alienação do controle da companhia. A expectativa de ver o tag along em ação aumenta, o que eleva o prêmio das ações ONs. Isso ocorre com a telefônica TIM. “Faz quatro ou cinco anos que o mercado trabalha com a possibilidade de venda da companhia”, diz Lion, da BRZ. Por isso, mesmo com um volume médio diário de negociação oito vezes menor nos últimos 12 meses, essas ações apresentavam, no encerramento do pregão de 8 de setembro, um prêmio de 30,5% em relação às preferenciais. O spread também reflete resquícios de uma decisão da área técnica da CVM do início do ano, que exigiu a realização de oferta pública de aquisição (OPA) para os minoritários da TIM, em decorrência de uma suposta venda de controle indireto da operadora de celular. Na época, o preço de suas ONs era mais que o dobro do das PNs. Em julho, os diretores da autarquia anularam a decisão anterior.

“Liquidez muito maior de uma ação em relação à outra estraga a natureza lógica das coisas”

DIVISOR DE ÁGUAS — Não por acaso, em 2004, as ONs abriram uma boa folga. Naquele ano, o mercado assistiu à fusão da belga Interbrew com a AmBev, dando origem à maior cervejaria do mundo. A AmBev, ao oferecer nessa operação tag along somente às ações ordinárias, algo permitido pela Lei das S.As., deixou os minoritários preferencialistas insatisfeitos. “Eles não se conformavam com o fato de a companhia não ter tentado negociar com os belgas uma condição que tratasse igualmente todos os acionistas”, recorda Adriane de Almeida, coordenadora geral do centro de conhecimento do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

Na visão de Adriane, o episódio serviu para que o tag along tornasse as ONs mais valiosas. Mas ela acredita que as recentes incorporações podem contribuir para diminuir o prêmio dado às ordinárias, já que nesse tipo de operação o tag along não existe. Antes de incorporar a Aracruz para formar a Fibria, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) tentou, em dado momento, atribuir um desconto às PNs da incorporada, mas voltou atrás. Na incorporação da Duratex pela Satipel, as ações ordinárias dos controladores valeram 16,67% a mais que as dos minoritários. Para Taiki Hirashima, sócio-fundador da consultoria Hirashima & Associados, o poder de controle embutido nas ONs justifica essa diferença.

De acordo com Alexandre Di Miceli, coordenador executivo do Centro de Estudos em Governança (CEG) e um dos autores do estudo The Importance of Tag Along Rights and Identity of Controlling Shareholders for the Price Spreads Between Dual-Class Shares: The Brazilian Case, o correto seria que tanto PN quanto ON tivessem o mesmo preço, uma vez que ambas, em princípio, conferem ao detentor o fluxo de caixa correspondente ao capital investido. “Mas, no mundo real, sabemos que isso não acontece. Quem possui ações ordinárias pode fazer prevalecer seus interesses e isso vale dinheiro”, afirma. Segundo Richard Saito, professor do departamento de contabilidade, finanças e controle da escola de administração de empresas da Fundação Getulio Vargas, o prêmio pelo voto pode variar entre 5% a 15%, dependendo do país e da legislação vigente.

A tendência é de que o prêmio de controle embutido nas ações ordinárias diminua no futuro, acredita Lucas Barros, coordenador científico do CEG. “Com a melhora dos padrões de governança, será mais difícil para os controladores extraírem benefícios privados.” A conjunção de alta concentração de ações ordinárias e grande circulação de preferenciais é criticada por especialistas, pois aumenta a possibilidade de expropriação da riqueza. A estrutura permite que um acionista exerça o controle da companhia sem precisar alocar nela grande volume de recursos próprios, causando um desequilíbrio entre poder político e econômico.

Barros ressalta que, para acabar com essa discussão, o ideal seria a existência de apenas ações com direito a voto, como propõe o Novo Mercado. No entanto, a probabilidade de perda do controle afasta muitas companhias dessa realidade. Como alternativa, algumas adotam o chamado “Nível 2 turbinado” — situação na qual é oferecido aos preferencialistas o tag along de 100%. “Isso não é o ideal, mas mostra uma mudança na postura dos empresários”, conclui Ricardo Tadeu Martins, analista-chefe da corretora Planner.


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