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Traders versus robôs
Fundos quantitativos levam a batalha entre homens e máquinas para o mercado de capitais

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A vista do cemitério com lápides cinzentas cravadas num gramado verde e o silêncio das salas do tipo aquário fazem esquecer a ebulição do mercado de capitais. Mas é esse prédio em Oxford, na Inglaterra, que o Man Group escolheu para traçar estatísticas e formular os algoritmos que executam as ordens de seus fundos quantitativos. Nele, fica o Man Research Laboratory (MRL), dirigido pela AHL, uma subsidiária da gestora de investimentos alternativos de origem suíça que tem um patrimônio total de US$ 68,6 bilhões. A escolha do endereço se deve a uma parceria firmada com a célebre universidade que, desde 2007, mantém o Oxford-Man Institute of Quantitative Finance (OMI), instalado no mesmo edifício. Enquanto o laboratório da AHL tem fins comerciais, o instituto produz para o domínio público estudos de estatística aplicada às finanças. “A troca de experiências e informações entre os dois ambientes é a tônica da parceria”, explica Anthony Ledford, cientista-chefe da AHL e responsável pelo laboratório de Oxford.

O entusiasmo dos profissionais da AHL ao falarem do projeto remete a uma questão presente desde a Revolução Industrial: serão as máquinas capazes de substituir totalmente o trabalho dos homens? Decisões de investimento, convenhamos, são bem mais complexas que o movimento de braços em uma linha de montagem. Mas o avanço dos fundos quantitativos, montados a partir de fórmulas matemáticas e comandados por algoritmos eletrônicos, sugere que comparar o que se passou nas antigas fábricas com o momento atual do mercado de capitais não é disparate.

A lógica por trás desses fundos é a crença de que computadores podem vencer cérebros humanos em Wall Street, assim como já o fizeram em outros desafios intelectuais. Nos anos 1990, a suposta superioridade do Homo sapiens sucumbiu diante do lendário Deep Blue, da IBM, que derrotou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov. Mais recentemente, em fevereiro, foi a vez de o supersistema Watson, também da IBM, arrasar dois vencedores do quiz Jeopardy!, na TV norte-americana.

REAÇÃO A SHARPE — Embora o Man Group descreva sua base em Oxford como “única” no segmento de finanças quantitativas, ela resgata o espírito dos pioneiros do segmento. A análise quantitativa de fundos de investimento surgiu na academia dos Estados Unidos nos anos 1970. Ganhou força depois que William Sharpe, em 1963, divulgou seu clássico modelo de precificação de ativos (CAPM, na sigla em inglês). O Nobel da economia consolidou a tese de que somente alfas positivos, ou seja, retornos acima do esperado, justificam as salgadas taxas de performance. A partir daí, desempenhos medíocres de fundos com gestão ativa se tornaram assunto sério, relata o estudo Challenges in Quantitative Equity Management. “Gestores baseados em fundamentos tinham uma longa história de subperformance, cobrando taxas elevadas por isso”, acusam os autores da pesquisa publicada em 2008 pelo CFA Institute, que reúne profissionais de investimento do mundo todo.

Focada na redução de custos, na superação de benchmarks e na observação de dados estatísticos e históricos, a análise quantitativa era a mais nova promessa de melhora do processo de investimento. Os fundos de ações adeptos dessa metodologia pareciam mesmo uma ótima opção na primeira metade dos anos 2000, quando se multiplicaram nos Estados Unidos e na Europa e entregaram resultados acima da média. O cenário virou com os primeiros sinais da crise do subprime em 2006 e 2007, anos em que o grupo dos quantitativos perdeu para o dos fundamentalistas, exceto na categoria de ações de companhias de grande capitalização de mercado, segundo a pesquisa do CFA. Uma explicação possível para o desempenho satisfatório nesta última categoria são o maior grau de transparência e de exposição ao mercado das large caps e, consequentemente, a maior quantidade de informações por elas produzidas — o componente vital dos fundos quantitativos. As small caps, por sofrerem menor escrutínio do mercado, acabam fornecendo pouco material público para a formulação de algoritmos. Nessas condições, contato com a administração da empresa e inteligência emocional são ingredientes mais efetivos — coisas que os robôs ainda não podem oferecer. Mas o instituto não foi conclusivo quanto às razões para as perdas. As hipóteses levantadas foram as mais variadas: desde a mudança de humor dos investidores até a ampla disseminação de estratégias quantitativas inapropriadas a um mercado que se transformou rapidamente.

A negociação 100% eletrônica é eficiente para operações pequenas. Uma transação volumosa exige jogo de cintura

No ano passado, outro estudo deu mais munição ao embate homem versus máquina na indústria dos fundos de investimento. Ludwig Chincarini, professor do departamento de economia da Pomona College, de Claremont, Califórina, publicou em janeiro de 2010 uma comparação entre fundos multimercados (“hedge funds”) quantitativos e fundos “qualitativos” (com gestão ativa). Analisando dados de janeiro de 1994 a março de 2009, o pesquisador descobriu que ambos apresentam mais semelhanças do que diferenças entre si. Mas apontou uma leve vantagem dos quantitativos no que diz respeito a liquidez e performance. A velocidade com que os primeiros capturam tendências de alta ou baixa — habilidade que o MRL e o OMI buscam aprimorar, incansavelmente — é uma das explicações para isso.

Ninguém contesta a destreza dos computadores em processar dados. Um bom exemplo é o Watson, da IBM, capaz de analisar qualquer tipo de informação em até três segundos. Temos aí um sinal de que os robôs estão destinados a vencer o páreo? Nem Chincarini é taxativo nesse sentido. Ele também indica desvantagens nos fundos quantitativos, como a confiança, por vezes cega, em dados históricos e a maior dificuldade em apreender uma mudança de paradigma econômico.

AUTOMAÇÃO TEM LIMITE — Mesmo o Man Group, com toda sua sofisticação tecnológica, não abriu mão dos talentos humanos. Cerca de 20% das operações de compra ou venda de ativos (como futuros de índices de bolsas de valores e moedas) na AHL são “híbridas”: executadas por 17 operadores de carne e osso, orientados pelo “raciocínio” dos computadores. A companhia de investimentos tem feito experimentos para identificar em quais circunstâncias a automação total é mais eficiente do que o modelo híbrido, em que a ordem é elaborada a partir dos computadores, e a execução é feita por operadores. Sabe-se que a negociação 100% eletrônica é eficiente para operações pequenas, que ocorrem em frações de segundo. Uma transação volumosa exige jogo de cintura. “Você precisa combinar com a contraparte a melhor forma de estruturá-la”, diz Philippe Celis, especialista de produto da empresa.

Ao remover dos profissionais as operações menores e repassá-las para as máquinas, muito mais velozes, a AHL ganha escala. No entanto, os traders também têm se mostrado indispensáveis para operações com ativos mais complexos, como certos tipos de derivativos. “Eles são os olhos e os ouvidos dos fundos no mercado”, define Murray Steel, chefe global de execução de ordens da AHL. Ele enumera alguns benefícios insubstituíveis das intervenções humanas: “Os traders podem detectar mudanças de liquidez apenas falando com corretoras e formadores de mercado e observando algumas atividades nos pregões, por exemplo”.

Segundo Steel, na AHL há uma “competição amigável” entre desenvolvedores de algoritmos e traders para ver quem tem mais relevância nos resultados da empresa. A batalha, porém, está longe de ser definida. Apesar de a negociação eletrônica vir conquistando mais espaço, Ledford enxerga limites para a “desumanização” das operações. Para ele, os fundos quantitativos só têm sucesso enquanto nicho e como reprodutores de tendências iniciadas por investidores comuns. Sem o elemento humano, movido a emoções e julgamentos, o mercado não teria nenhum sentido. (O jornalista viajou a convite do Man Group).


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