Tolerância zero
Com muito dinheiro no bolso e pouca compreensão do mercado, imobiliárias vêem suas ações despencar e lutam para reconquistar o interesse dos investidores

, Tolerância zero, Capital AbertoAs empresas do setor de construção responderam por uma parcela significativa das aberturas de capital na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) nos últimos anos. Entre julho de 2005 e outubro de 2007, nada menos que 25 construtoras e incorporadoras se tornaram companhias de capital aberto no Brasil — 18 apenas neste ano. O número é superior ao do total de empresas do segmento financeiro que trilharam o mesmo caminho. Somando os bancos, as seguradoras, a BM&F e a própria Bovespa, as aberturas de capital deste setor totalizam 16 desde o fim de 2004, sendo 14 em 2007.

A avalanche de IPOs na área de construção garantiu a este grupo de empresas uma capitalização conjunta estimada entre R$ 19 bilhões e R$ 20 bilhões. Com dinheiro em caixa, elas trataram de ampliar seus bancos de terreno e acelerar os lançamentos. Este movimento foi também fortemente estimulado por uma bem-vinda mudança no mercado imobiliário, mais especificamente nas linhas de crédito. Com uma oferta de recursos maior, os bancos passaram a oferecer financiamentos imobiliários com prazos mais longos e taxas reduzidas. A conjugação desses fatores foi um aumento significativo no número de novos empreendimentos imobiliários em todo o País, acompanhado de perto por igualmente expressivo crescimento das vendas.

O resultado lógico desta equação seria a valorização das 25 ações de construtoras e incorporadoras listadas na Bovespa. Mas não é bem isso que vem acontecendo. Um levantamento da Economática, feito a pedido da CAPITAL ABERTO, mostra que metade dessas companhias apresentava retornos negativos da data do IPO até 17 de dezembro (veja gráfico). Analistas de bancos de investimentos e corretoras observam que, no geral, as empresas mais antigas e com histórico conhecido tendem a ser beneficiadas, em detrimento daquelas que ainda estão sendo “digeridas” pelo mercado. Mas essa também não é uma lógica exata. A Klabin Segall e a Brascan, por exemplo, que ingressaram na Bovespa em outubro de 2006, apresentam variação negativa, enquanto empresas como Abyara e Lopes, lançadas no mesmo ano, registram alta. Agra, MRV e Tenda, que estrearam no mercado de capitais ao longo de 2007, apresentam rentabilidade positiva. Outras companhias que fizeram IPO na mesma época registram desvalorização — caso da JHSF, Eztec e Trisul. Na verdade, o mau desempenho se deve, principalmente, aos arrojados planos anunciados pelas incorporadoras e construtoras em torno do volume projetado de lançamentos. “O mercado não dá o benefício da dúvida”, diz Felipe Cruz, gestor de renda variável da Argúcia Capital Management.

, Tolerância zero, Capital AbertoDiferenças entre as projeções de desempenho (chamadas pelo mercado de “guidance”) e a efetiva “entrega” de resultados ocorreram com a Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI), que fez seu IPO em janeiro de 2007. Até 17 de dezembro, a companhia acumulava variação nominal negativa de 31,35% e uma queda em relação ao Ibovespa de 49,46%. A CCDI anunciou uma perspectiva de R$ 1,2 bilhão em Valor Geral de Vendas (potencial a ser obtido com a venda de todas as unidades de um empreendimento lançado — VGV) para 2007 e, até o final da primeira quinzena de dezembro, o indicador não superava R$ 850 milhões. “De fato, fomos bastante agressivos”, avalia Paulo Mazzali, diretor de finanças e de Relações com Investidores da CCDI. O tamanho da agressividade pode ser medido pela comparação com os números dos anos anteriores. Em 2006, os lançamentos somaram R$ 450 milhões, pouco mais de um terço do número estimado para 2007. Em 2005, foram modestos R$ 213 milhões.

Mazzali afirmou, no entanto, que a CCDI ainda planejava cumprir o projetado para 2007. “Não é 100% garantido este ano, talvez avancemos alguns dias em janeiro de 2008”, afirmou em entrevista concedida no início de dezembro. Mazzali credita a dificuldade em cumprir a meta a imprevistos provocados por trâmites como as aprovações em prefeituras e cartórios. “Podem ocorrer atrasos de uma ou duas semanas.” Para 2008, seus planos são ainda mais agressivos: R$ 2 bilhões em lançamentos. O diretor conta que a companhia tem a seu favor o fato de se beneficiar da infra-estrutura do grupo Camargo Corrêa, que mantém em seus quadros aproximadamente 50 mil funcionários e conta com um centro de serviços compartilhados como tesouraria, contabilidade, tecnologia etc. “Temos 200 pessoas na CCDI focadas em incorporação.”

VIDA DURA PARA AS PEQUENAS — Outro aspecto observado pelos analistas que empurra o preço da ação para baixo é a liquidez. Com 25 empresas de um mesmo setor entrando na bolsa quase simultaneamente, é praticamente impossível que todos os papéis apresentem volumes expressivos de negociação. Desta forma, os menos líquidos são os que sofrem mais. “Este é, com certeza, o nosso caso”, relata Orlando Viscardi, diretor de RI da Rodobens Negócios Imobiliários, papel que movimenta aproximadamente R$ 2,5 milhões por dia na Bovespa. “Muitos investidores procuram ações que negociam a partir de R$ 10 milhões por dia”, comenta. A empresa comunicou ao mercado que em, 30 de novembro, atingiu o VGV mínimo de R$ 380 milhões previsto para este ano, também bastante agressivo em relação ao do ano anterior, que foi de R$ 90 milhões. “Para 2008 vamos ser mais conservadores. Nossa meta está entre R$ 500 milhões e R$ 550 milhões.”

Espera-se que alguns papéis se recuperem quando o mercado tiver separado as empresas que cumpriram as projeções das que não as entregaram

Quem também está projetando metas mais conservadoras é a Brascan Residential. Com uma rentabilidade nominal acumulada do IPO até 17 de dezembro negativa em 35,65%, e uma queda em relação ao Ibovespa de 58,44%, a companhia projetou para 2007 entre R$ 900 milhões e R$ 1 bilhão em lançamentos. Até meados de novembro (última informação disponível), tinha atingido 85%. “Estamos no caminho correto para entregar o que prometemos”, afirma Cristiano Gaspar Machado, diretor de RI da Brascan. Para 2008, a meta da empresa é lançar de R$ 1 bilhão a R$ 1,2 bilhão. Ele prevê que, a partir de 2008, quando o mercado tiver separado as organizações que cumpriram as projeções das que não as entregaram, a tendência é de que muitos papéis se recuperem.

Relatório assinado por André Segadilha, da Prosper Corretora, divulgado em dezembro, mostra que essa expectativa faz sentido. A instituição analisa o fato relevante informado pela Construtora Tenda em 13 de dezembro, que comunicou o lançamento de 20.495 unidades em 2007, superando o guidance de 20 mil para o ano. A corretora avaliou a notícia como positiva, reforçando a tendência de que o setor está aquecido e de que as perspectivas de crescimento para os próximos anos permanecem positivas.

Os analistas não escondem certa dificuldade no momento de avaliar os números das empresas. “A forma de contabilização é bem mais complicada que a de companhias de outros setores”, conta um profissional que prefere não ser identificado. Ele se refere ao fato de a receita com vendas do setor ser apurada à medida que a obra é realizada, o que pode levar de dois a três anos. “A cobertura contábil é, de fato, complexa”, reconhece Carlos Ernane Abrahão, diretor de RI da Klabin Segall, companhia que revisou duas vezes, para cima, suas projeções ao longo de 2007.

Inicialmente, o objetivo era lançar R$ 600 milhões. Em abril, o número foi revisado para R$ 800 milhões e, em novembro, para R$ 1,1 bilhão. Até o dia 16 de dezembro, 82% desse valor havia sido atingido. Em bolsa, porém, a resposta não foi das melhores. O papel da Klabin Segall contabiliza variação nominal negativa de 11,54% desde o seu lançamento. Em relação ao Ibovespa, a perda soma 43,9%. Ernane Abrahão acredita que este comportamento decorre da concentração de lançamentos no último trimestre de 2007. “Isto certamente provocou um desconforto para o investidor.” Para 2008, a Klabin anunciou um guidance entre R$ 1,4 bilhão e R$ 1,5 bilhão.

O crescimento nas projeções é acompanhado por um ganho considerável de musculatura — reflexo da compra da Setin, em outubro, e da criação de uma marca própria, a Olá, para atuar no segmento de imóveis mais populares. Basta lembrar que, no início de 2007, a Klabin Segall reunia 80 funcionários e atuava em duas cidades. Em dezembro, contava com 600 funcionários (a maior parte da Construtora Setin) e atuação em 16 cidades.

FALTA COMUNICAÇÃO — Uma profissional de um banco de investimentos (que também pediu para não ser identificada) faz uma crítica contundente a algumas construtoras e incorporadoras. “Muitas fizeram o IPO, e não voltaram mais ao mercado para dar qualquer tipo de informação. Em muitos casos, falta transparência.” Já as companhias ouvidas para esta matéria informam que promovem reuniões e conference calls com os analistas. Algumas, inclusive, reclamaram da dificuldade de atrair a atenção de investidores em meio ao excesso de companhias no segmento para serem avaliadas.

É nítida a preocupação dos RIs em estreitar o relacionamento com analistas. O diretor financeiro e de RI da Tecnisa, Leonardo Paranaguá, conta que, nas últimas semanas de 2007, iniciou um contato mais intenso com investidores para “mostrar” a empresa, com a realização de um road show na Europa e outro nos Estados Unidos. Nesses encontros, além de Paranaguá, esteve presente o empresário Meyer Nigri, fundador da Tecnisa. O diretor de RI adianta que eventos desse tipo serão intensificados em 2008, bem como as reuniões com analistas.

Na opinião de Paranaguá, em algumas situações, “o dono da empresa tem de mostrar do que sua companhia é capaz”. Neste sentido, Nigri tem atuado mais intensamente para que a Tecnisa entre no radar do mercado. Mesmo assim, ela ainda não conseguiu fazer a alegria dos investidores. Lançada no fim de janeiro, a companhia registra uma variação nominal acumulada (até 17 de dezembro) negativa em 22,96% para suas ações. Em relação ao Ibovespa, a queda é de 42,52%. Com 97% do guidance de R$ 1 bilhão cumprido até 13 de dezembro, Paranaguá espera reverter essa queda quando “o mercado começar a diferenciar as empresas que prometem e entregam daquelas que não fazem isso”. Para o diretor, 2008 será o ano da correção de preços no setor. Não há dúvida de que muitos investidores estão fazendo votos para que ele esteja certo.


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