Títulos aditivados
Entidades criam o Novo Mercado de Renda Fixa, a mais recente cartada a favor da dívida privada. Será que agora vai?

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Quem tem algum tempo de cadeira no mercado de capitais brasileiro está acostumado a assistir às idas e vindas da discussão sobre a apatia do segmento de dívida privada. Pois o tema voltou à tona no mês passado, quando mais um grande projeto para resolver o problema foi anunciado, dessa vez pelos porta-vozes da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). A boa surpresa é que, em vez de ser recebida com o ceticismo que seria de se esperar, a iniciativa do Novo Mercado de Renda Fixa, apoiada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pelo Banco Central e pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), foi considerada viável. Há até quem acredite estar vendo o último capítulo dessa novela.

Diferentemente do que sugere o nome, o Novo Mercado de Renda Fixa não é um ambiente de negociação como seu xará da Bolsa. Mais se parece uma mistura de código (para os emissores) com um contrato de intenções (entre as instituições envolvidas). O objetivo é conceder uma espécie de selo de qualidade às ofertas que seguirem determinados critérios. A inspiração no segmento de listagem fica clara na busca por padrões mínimos de transparência e melhores práticas, como prospecto padronizado para facilitar o entendimento pelo investidor, rating com atualização anual e cobertura de analistas durante o primeiro ano de emissão.

O pano de fundo da mobilização é o reconhecimento da incapacidade do governo de prover o BNDES com os recursos necessários para financiar a expansão da infraestrutura do País. A diferença entre a capacidade dos cofres públicos e os custos de obras do setor poderia, portanto, ser bancada por emissões de debêntures. O maior desafio do projeto, no entanto, é atacar de frente o principal problema do mercado de dívida privada: a falta de liquidez dos títulos. A Anbima estima que, do estoque de R$ 115 bilhões de debêntures no fim de 2010, apenas R$ 82,4 bilhões foram negociados no secundário (excluindo-se as emissões de empresas de leasing).

ATRÁS DE PÚBLICO — O antídoto encontrado pela Anbima inclui a pulverização das emissões. A ideia é que as ofertas do novo mercado de renda fixa registrem, ao menos, dez subscritores. Hoje, poucos investidores encarteiram os papéis, o que resulta na liquidez restrita. Haverá também um esforço de injeção direta de liquidez. Uma das propostas é a criação de fundos de apoio à liquidez (FALs), que se comportarão como formadores de mercado. Parte de seus recursos poderá vir do BNDES e de uma pequena parcela (3%) do que os bancos destinam ao depósito compulsório. Já o fundo garantidor de liquidez (FGL) servirá para comprar papéis que enfrentem restrições mais sérias para sua negociação. Ainda não se sabe como será a regulamentação desses fundos.

A intenção da Anbima é que pessoas físicas e investidores estrangeiros sintam-se seguros para aplicar em debêntures do novo mercado, incrementando mais ainda os volumes de negociação. Atualmente, esses aplicadores se afastam dos títulos de dívida privada, não só pela falta de liquidez dos papéis. Os pequenos investidores não têm conhecimento sobre esse tipo de produto e são desprezados nas distribuições públicas — os fundos de pensão e de investimento acabam adquirindo todos os ativos. Já os estrangeiros não compram debêntures porque a concorrência com os títulos públicos tem sido amplamente favorável ao segundo grupo, cujos ganhos são isentos de pagamento de imposto de renda (IR).

“A entrada dos investidores estrangeiros é uma questão de tempo e de taxa. Depois virão as pessoas físicas”, garante Marcelo Ribeiro, diretor da Pentágono DTVM, que atua como agente fiduciário nas emissões de debêntures. Ele está bastante otimista: “Os estrangeiros chegarão mais rapidamente para a renda fixa brasileira do que quando ingressaram na renda variável”, prevê. “Há hoje um encantamento com o Brasil que não havia no início da década.”

O investidor só vai aceitar prazos mais longos se perceber que poderá vender o papel antes do vencimento

Em dezembro de 2010, o governo isentou os estrangeiros de pagarem o IR por ganhos obtidos com debêntures de Sociedades de Propósitos Específicos (SPEs) voltadas a projetos de infraestrutura, como já ocorre com os títulos públicos. Para receberem esse tratamento, os papéis devem ter duração superior a quatro anos. Embora o universo de debêntures que oferecem a isenção ainda seja restrito, a medida animou os participantes do mercado. “Pela primeira vez, temos uma conjuntura de regulamentação e tributação que cria espaço para o avanço do mercado de dívida privada”, afirma Carlos Antonio Rocca, diretor técnico do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec), que assessorou a Anbima.

A Pentágono está se preparando para atender à demanda do investidor estrangeiro, que geralmente apresenta níveis de controle mais severos. Contratou a consultoria KPMG para o monitoramento das garantias reais dos papéis, está traduzindo o site para o inglês e investiu no preparo dos funcionários para lidarem com as exigências dos clientes internacionais. Ignacio Lorenzo, responsável pela área de distribuição de crédito do Santander, esteve recentemente com investidores em Nova York e sentiu uma predisposição para investimentos em projetos de longo prazo no Brasil. Ele escolheu como alvo os estrangeiros que possam realocar recursos já aplicados no País, evitando, assim, a incidência do imposto sobre operações financeiras (IOF), cobrado na entrada no mercado brasileiro.

FOCO NA INFORMAÇÃO — Para atrair pessoas físicas e investidores de family offices, só liquidez não basta. Também será necessário um trabalho das corretoras para tornar esses investimentos mais conhecidos e compreensíveis. A exemplo do que ocorre com a renda variável, os analistas terão de lançar relatórios sobre os papéis. Alguns participantes do mercado estão pensando nisso. A Fator Corretora montou uma área de análise voltada à renda fixa. “Estamos investindo na análise dos títulos antes de oferecê-los aos nossos clientes”, diz Roger Ono, da área de renda fixa da corretora.

Um mercado mais líquido também pode tornar as debêntures mais palatáveis para os fundos de investimento. Sujeitos a saques diários de cotistas, esses gestores poderiam investir mais nesses títulos se tivessem certeza da venda dos papéis, sem grandes descontos, em momentos de pressão. “Temos espaço para uma posição maior em debêntures”, observa Renato Ramos, diretor de renda fixa da HSBC Global Asset Managament.

Os fundos de renda fixa, ao lado dos fundos de pensão, já estão dentre os principais compradores de debêntures e vêm aumentando a parcela destinada a elas. Espera-se que essa tendência se mantenha: “Aos poucos, estamos aumentando a participação desses papéis em nossas carteiras”, declara Humberto Vignatti, responsável pelos fundos de renda fixa do BNP Paribas Asset Management. A gestora vem investindo no segmento e conta com analistas de renda fixa. Agora, estuda a contratação de mais pessoal especializado na área.

Vignatti considera, aliás, que a gestão dos fundos de renda fixa se tornará mais ativa. Hoje, como a liquidez no mercado secundário é baixa, a maioria dos gestores leva os títulos até o vencimento. Se o mercado secundário realmente se desenvolver, as carteiras desse segmento poderão se comportar como muitos fundos de ações: o gestor compra e vende os títulos com frequência, conforme as perspectivas de rendimento do papel e de seus pares. A gestão mais ativa alimentaria a liquidez, criando um círculo virtuoso.

De um ano para cá, graças à atuação do BNDES, com a realização de leilões semanais, e de cinco ou seis bancos, a liquidez desses títulos vem melhorando, mas ainda é irrelevante. Há cerca de um ano e meio, o Santander passou a contar com uma analista de renda fixa e definiu um limite diário de recursos da tesouraria do banco disponíveis para operações com debêntures. “Isso tem dado conforto e ânimo aos investidores de private banking interessados em entrar no segmento”, comenta Lorenzo.

O BES Investimento do Brasil, que tem uma carteira própria para esses títulos, vem fazendo algo parecido desde 2010. “Queremos ser um dos líderes do mercado primário de renda fixa e entendemos que a atuação no mercado secundário é algo complementar”, assegura Jorge Simão, superintendente de tesouraria do banco. Por meio da compra e venda diária de debêntures da tesouraria, ele afirma que é possível identificar com mais precisão a demanda dos investidores e formar os preços das emissões mais adequadamente.

PONTOS DE INTERROGAÇÃO — Nem todas as propostas da Anbima são encaradas como tacadas certeiras. Há dúvidas, por exemplo, quanto ao sucesso do desatrelamento do rendimento dos títulos a uma taxa diária, a DI. Algumas emissões de debêntures são mistas, com tranches diferenciadas: há as corrigidas pelo CDI e outras por índice de inflação, como o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA). Os papéis ofertados no âmbito do novo mercado devem ser corrigidos por um dos três indicadores: índice de preços, taxa prefixada ou a chamada “Libor brasileira” de seis meses (taxa de juros de referência, calculada diariamante pela BM&FBovespa, a partir de contratos futuros de DI).

“Temos de ver como o mercado digere isso”, avalia Lorenzo, do Santander. “As empresas terão interesse em emitir esses papéis se os investidores sinalizarem a demanda”, pondera Arturo Profili, sócio da Capitânia Asset Management. A taxa DI é atraente para quem aplica porque acompanha a Selic. Mas, do ponto de vista do emissor, não é interessante ficar exposto à elevação da taxa básica de juros, explica Rocca.

Para Roberto Luis Troster, economista e um dos autores da seção Antítese desta edição (leia na página 15), o plano aventado pela Anbima terá benefícios limitados justamente por ter como uma de suas premissas a indexação da remuneração das debêntures, ainda que com índices diferentes do CDI. Na sua avaliação, porém, o problema é mais amplo, visto que a indexação reflete as condições macroeconômicas do País: riscos políticos, tributários e jurídicos.

Outro ponto de implementação difícil é o prazo médio dos títulos (“duration”), que terá de ser superior a quatro anos. “O investidor só vai aceitar prazos mais longos como esse se perceber que poderá vender o papel antes do vencimento”, considera Vignatti, do BNP Paribas. Ele acredita que o prazo padrão possa ser revisto depois dos primeiros testes.

O projeto da Anbima ainda é preliminar e deve ser discutido ao longo do ano. A esperança é que seja implementado e dê as condições institucionais para promover eficiência, liquidez, transparência e segurança ao investidor. Se ele vai ser suficiente para desenvolver o mercado brasileiro de dívida privada é uma resposta que depende de variáveis que estão fora da alçada do mercado. No final, lembram os especialistas, o sucesso da iniciativa ainda estará sujeito aos rumos da política econômica e à concorrência com os títulos públicos indexados à Selic.

CVM ajusta regras para debêntures

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) está analisando a regulamentação de novas normas para promover ajustes no mercado de debêntures, na esteira da Medida Provisória (MP) 517/10, baixada pelo governo em dezembro do ano passado. A discussão diz respeito a dois pontos da MP: a flexibilização da recompra pelo emissor de debêntures; e a permissão de um só agente fiduciário representar debenturistas de ofertas diferentes, mas de uma mesma empresa.

No primeiro caso, o que a MP fez foi tornar menos rígida a possibilidade de o emissor recomprar os papéis. A Lei das S.As. previa que ele só poderia recomprá-los por um valor igual ou inferior ao nominal. No entanto, isso limitava muito as opções das companhias, que não podiam aproveitar janelas de oportunidade para recomprar a dívida, às vezes cara, e se endividar a custos mais baixos. Agora, cabe à CVM a criação de regras que ofereçam transparência a essas situações.

Com a MP, uma empresa também poderá contratar um mesmo agente fiduciário para emissões diferentes. A lei não permitia isso, com o objetivo de evitar o conflito de interesse do agente, que é o encarregado de defender os direitos dos debenturistas. Como ainda são poucos os agentes fiduciários no Brasil, essa regra acabava limitando a emissão de debêntures pelas companhias mais ativas no mercado. A CVM estipulará normas que darão salvaguardas aos investidores, explica o diretor Otávio Yazbek.

Como vai mexer com o mercado de debêntures, é possível que a autarquia aproveite a ocasião para alterar a Instrução 404, que trata de debêntures padronizadas. O instrumento é pouco utilizado por ser considerado “engessado”. No entanto, esse tópico ainda não entrou na agenda da comissão. Há apenas conversas informais sobre o assunto. O projeto do Novo Mercado de Renda Fixa da Anbima, por enquanto, não gerou nenhuma demanda concreta de regulamentação. (L.D.C.)


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