O fornecimento de orientações quantitativas ao mercado – prática conhecida no universo das relações com investidores pelo termo guidance – ainda é generalizado entre empresas norte-americanas. Pesquisa realizada pelo National Investor Relations Institute (NIRI) com 686 empresas dos EUA, divulgada em 10 de dezembro de 2003, revelava que 77% delas oferecem guidance a analistas. De acordo com os resultados dessa pesquisa, 75% o fazem trimestralmente e 82% por ocasião da conferência telefônica de resultados trimestrais ou via press release desses resultados. Ainda de acordo com o trabalho do NIRI, 80% das empresas que dão essas orientações fazem uma revisão durante o trimestre se algum fato material acontecer que ponha em risco a realização de sua previsão.
Mas a prática do guidance passou a ser revista a partir dos escândalos corporativos que abalaram o mercado financeiro norte-americano em 2001 e 2002. Descobriu-se que executivos detentores de opções de compra de ações o utilizavam para fazer subir o preço dos papéis da companhia. Surgiram indicações de que fraudes contábeis estariam associadas a manobras para viabilizar resultados superiores à orientação quantitativa dada a analistas.
Motivadas inicialmente pelo propósito de fortalecer seus padrões de governança corporativa, muitas companhias, a partir do final de 2002, tomaram a decisão de eliminar o guidance. Na mesma pesquisa do NIRI, 19% das empresas adeptas desta prática estão considerando descontinuá-la. Ao mesmo tempo, entre aquelas que afirmaram não dar guidance, 26% tomaram essa decisão de 12 a 18 meses atrás, 19% nos últimos 12 meses e 5% nos últimos seis meses.
No Brasil, não existem pesquisas sobre essa questão. Entretanto, é sabido que muitas empresas revisam modelos de previsão de analistas ou concedem estimativas quantitativas de seu desempenho no trimestre seguinte. Mais recentemente, algumas experimentaram a divulgação de resultados preliminares, numa antecipação do que seriam efetivamente os resultados do trimestre.
Conceitualmente, o guidance é entendido como uma orientação quantitativa sobre os resultados da companhia no curto prazo, tanto sob a forma de número específico quanto em termos de intervalo de variação. O curto prazo é compreendido como sendo o próximo trimestre ou os próximos quatro trimestres. Exemplos típicos de guidance são previsões para crescimento de vendas, lucro por ação ou Ebitda.
Em princípio, sua função seria coordenar as expectativas do mercado de capitais e, desta forma, reduzir a volatilidade do preço das ações. Adicionalmente, o guidance pode permitir a analistas fazer estimativas sobre o desempenho da companhia a cada trimestre sem a necessidade de investir mais profundamente na obtenção de conhecimento, diminuindo os custos de suas atividades.
TURBULÊNCIAS PÓS-GUIDANCE – Com capitalização de mercado de US$ 78 bilhões, a finlandesa Nokia, líder mundial na fabricação de telefones celulares, possui o terceiro maior programa de ADRs do mundo e costuma dar guidance a analistas. Em janeiro de 2004, seu CEO, Jorma Ollila, apresentou numa conferência telefônica previsão de crescimento de vendas no primeiro trimestre de 3% a 7% em relação ao primeiro trimestre de 2003. Entretanto, no início de abril, a Nokia anunciou que as vendas do primeiro trimestre de 2004 haviam diminuído 2% em relação ao mesmo período do ano anterior, com a conseqüente redução de 15% no lucro liquído.
A reação dos investidores se deu de forma abrupta: o preço da ação da Nokia caiu 18,6%. O desempenho das vendas da companhia no primeiro trimestre evidenciou o fato de que ela vem perdendo mercado para a Samsung na Ásia e Europa no segmento de celulares com tecnologia GSM.
O caso da Nokia ilustra bem os riscos do guidance. Com ou sem uma orientação dada pela companhia, o mercado reage desfavoravelmente a surpresas negativas, penalizando o preço da ação. Com guidance, tem-se um problema adicional de credibilidade. Para proteger a integridade de suas previsões, analistas podem atribuir o erro de estimativas à orientação equivocada transmitida pelos executivos da empresa. Provavelmente, seria melhor que o CEO Ollila tivesse falado que sua empresa estava desenvolvendo ações para reforçar a competitividade da companhia no mercado de celulares GSM do que se arriscar a fazer previsões quantitativas. A interpretação do mercado foi de que a administração da Nokia não estaria cuidando de se manter competitiva, o que levou ao considerável declínio no preço das ações.
AS DORES DE CABEÇA DA COSTCO – A Costco Wholesale Corp. é uma das maiores cadeia de varejo dos EUA. Opera 418 grandes armazéns em que as pessoas pagam uma taxa para se tornar associadas e ter o direito de comprar praticamente tudo, desde roupas a aparelhos de DVD. Suas iniciativas na concessão de guidance já renderam algumas dores de cabeça para seus gestores e acionistas.
Em maio de 2000, o preço de suas ações caiu 22%, num único dia, fazendo desaparecer US$ 4,2 bilhões de valor de mercado, em reação ao anúncio de que a projeção de lucro por ação do trimestre não se concretizaria – o lucro por ação foi apenas um centavo de dólar inferior ao previsto – e de que o crescimento de lucros seria menor no futuro. Nesse dia, a ação da Costco foi a mais negociada no mercado americano e a queda de seu preço arrastou os preços das ações de outras empresas do setor. Além disso, como houve atraso na emissão do press release devido a problemas tecnológicos, a Costco viu-se envolvida numa controvérsia. Investidores reclamaram que já haviam negociado suas ações no pregão da Nyse quando tomaram conhecimento da informação, sentindo-se, portanto, prejudicados. Na época, o assunto foi levado a investigação na SEC – Securities and Exchange Commission.
Em agosto de 2003, a Costco enfrentou outro problema relacionado ao guidance. Numa atualização entre trimestres, o CFO Richard Galanti mudou a previsão de lucro para o quarto trimestre de 2003 de US$ 0,54 a US 0,56 por ação para o intervalo de US$ 0,46 a US$ 0,48. Novamente, a reação do mercado foi muito desfavorável: o preço da ação despencou, com queda de 27,9%, apesar de Galanti ter afirmado que as perspectivas para 2004 continuavam boas.
EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS – O trabalho de Amy Hutton, da Tuck School of Business da Universidade de Dartmouth, intitulado The Determinants and Consequences of Managerial Earnings Guidance Prior to Regulation Fair Disclosure, de abril de 2003, revela que as empresas com mais ativos intangíveis são também as que mais fornecem guidance, na medida em que a previsão de seus resultados é dificil.
Já dois pesquisadores europeus, Guido Bolliger e Manuel Kast, em Executive Compensation and Analyst Guidance: the Link between CEO Compensation and Expectations Management, EFA 2003 Annual Conference, forneceram evidência empírica da existência de correlação positiva entre a parcela da remuneração dos executivos dependente de opções de ações e a concessão de “downward guidance”, isto é, da concessão de estimativas pessimistas sobre o desempenho de suas empresas.
Finalmente, Feldman, Lazer e Livnat, em Earnings Guidance after Regulation FD, artigo publicado no Journal of Investing, Winter 2003, mostram que a reação do mercado a surpresas nos chamados “mid-quarter updates” é muito mais negativa do que quando elas ocorrem por ocasião da divulgação do press release de resultados, justamente o que ocorreu no caso da Costco.
Em abril, a Nokia anunciou que as vendas do primeiro trimestre, ao contrário das previsões do seu CEO, haviam diminuído 2%. A reação foi abrupta e as ações despencaram 18,6%
GUIDANCE E TRANSPARÊNCIA – Os dois casos que relatamos e a evidência empírica proporcionada pelo estudo de Feldman, Lazer e Livnat sugerem que o guidance pode produzir efeitos opostos ao que se pretende, contribuindo para magnificar a volatilidade do preços das ações em lugar de mitigá-la. Como não há conhecimento perfeito do futuro, mesmo por parte da gestão da empresa, o risco do fornecimento de previsões quantitativas erradas sempre existirá. Isto, se materializado, implica perda de credibilidade para seus autores e pode produzir danos substanciais, já que a qualidade da gestão é um dos ativos intangíveis mais importantes e que contribui de maneira significativa para a geração de valor.
Investidores de longo prazo não priorizam em seu processo de tomada de decisão de investimento informações como a margem Ebitda do próximo trimestre. Sua atenção está focada em fatores que possam criar valor no longo prazo, tais como estratégia competitiva, retorno dos novos projetos de investimento, etc. Já o guidance tende a atrair investidores que enfatizam o “momentum trading”, mais interessados nos ganhos de curto prazo e autores de movimentos que concorrem para ampliar a volatilidade dos preços das ações.
Guidance não é sinônimo de transparência. Ao contrário, pode ser de turbulência. A empresa deve buscar sempre a maximização de transparência, obrigação dos profissionais de relações com investidores. Porém, deve fazê-la mediante um fluxo de informações de boa qualidade, proporcionando condições para que o mercado tenha compreensão adequada sobre suas operações, grau de competitividade, diretrizes estratégicas e execução. Assim, investidores terão elementos concretos para criar expectativas sobre o futuro.
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