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Mediadores entram no radar das corporações na resolução de conflitos entre sócios

, Terapeuta para sócios, Capital Aberto

Duas sócias viviam em pé de guerra. A empresa, uma instituição de ensino, atolava-se em dívidas, sem geração de caixa suficiente para pagá-las. A retirada mensal da sócia majoritária, que não estava na administração, era considerada exorbitante pela minoritária. Conflito deflagrado, a presença de uma delas na escola foi proibida por um mandado judicial. Nenhuma queria vender a parte para a outra. Pensavam que, mesmo saindo da sociedade, permaneceriam corresponsáveis pelo passivo e estariam sujeitas à má gestão da outra parte. A essa altura, sem solução para o impasse, elas recorreram a um processo de mediação.

Ainda pouco conhecida no Brasil, a técnica começa a atrair a atenção de empresários, executivos e acionistas. “A primeira coisa que as pessoas fazem quando não conseguem resolver um conflito é procurar um advogado. Essa situação está mudando”, afirma Adriana Adler, sócia da Coerentia, consultoria que atua com mediação. O método consiste em trazer uma terceira pessoa, alguém neutro, para facilitar a comunicação entre os envolvidos. Pode ser usado em vários tipos de conflitos: familiares, empresariais, societários e qualquer outro que a belicosidade humana engendrar.

“Estudos internacionais indicam que 80% dos conflitos em empresas podem ser resolvidos por mediação”, assegura Marc Burbridge, sócio da consultoria CNRC. Os custos envolvidos em disputas já deflagradas ou implícitas são enormes, e isso deve ser uma preocupação para melhorar a governança das companhias, diz ele. Países anglo-saxões — Inglaterra, Austrália e Estados Unidos, por exemplo — são os que mais procuram essa via para solucionar impasses. Na África do Sul, a mediação é o primeiro recurso a que as companhias com ações listadas em bolsa têm de recorrer para resolver os seus conflitos.

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) incluiu a mediação como um módulo no curso de formação de conselheiros. E estuda ainda oferecer dois cursos sobre o tema: um com duração de um dia inteiro e outro de uma semana, para formar mediadores especializados em governança. A resolução de conflitos entre sócios e administradores, e entre estes e a empresa, via mediação, é uma das práticas recomendadas pelo código de governança do instituto. Se for impossível chegar a um acordo, o código preconiza que então se opte pela arbitragem. Outra recomendação é incluir esses mecanismos no estatuto ou no contrato social da companhia.

Mais eficiência

Uma das principais vantagens da mediação é a rapidez. Dependendo da complexidade, a questão pode ser resolvida em menos de dez encontros. No caminho do Judiciário, pesam os altos custos, a imprevisibilidade, o tempo gasto e a publicidade. A mediação, ao contrário, é um processo sigiloso e voluntário, que, quando bem-sucedido, pode resultar numa decisão pacífica. Diferentemente da Justiça e da arbitragem, nas quais um terceiro toma a decisão que terá de ser acatada, na mediação as rédeas continuam nas mãos dos envolvidos. O mediador não oferece a solução pronta. Ela tem de ser encontrada pelos mediados.

São inúmeras as possibilidades de mediação com foco em governança: em situações de redação de acordo de acionistas, alinhamento de interesses opostos, disputas entre conselheiros de administração e executivos, determinação da distribuição de dividendos, remuneração de executivos e conselheiros, regras para a saída de sócios, disputas entre familiares no controle de companhias e entre gerações. “A mediação é indicada nos casos em que as pessoas envolvidas querem continuar a se relacionar após resolverem o conflito”, reconhece Josenice Blumenthal, sócia da consultoria Mesa Corporate Governance. Quando a briga parte para os tribunais, já não há mais diálogo, e o relacionamento é rompido — algo especialmente devastador nas companhias familiares.


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A mediação é indicada também durante os processos de implantação de melhorias da governança, uma fase que envolve mudança de cultura e, por essa razão, costuma gerar disputas, principalmente nas empresas familiares. A separação entre família e negócio e o aumento da prestação de contas e da transparência mexem não só com o dia a dia da empresa, mas também com o relacionamento entre os familiares. A definição de sucessores aflora conflitos. Nesses casos, a técnica é útil para a construção de um acordo de acionistas em que todos os interesses sejam contemplados. “A chance de um acordo mal construído ser colocado na gaveta é enorme”, admite Josenice.

A presença de um mediador pode ainda facilitar a convivência entre conselho de administração e executivos. O ideal, segundo especialistas, seria que, além de contratar profissionais especializados, as companhias capacitassem alguns integrantes de comitês, secretários e presidentes do conselho de administração para que atuassem como mediadores internos. “Os conselheiros não podem prescindir do conhecimento das técnicas de mediação”, garante Leonardo Viegas, conselheiro do IBGC. Viegas vê esses conselheiros como peças-chave para a resolução de conflitos e disputas. Afinal, eles ocupam um posto ímpar: conhecem bem tanto a organização (e seu negócio) quanto os envolvidos no conflito. Quando se opta pela arbitragem, diz ele, o foco é no conhecimento jurídico e empresarial. A dimensão humana, portanto, fica de lado. Na Justiça, a mesma coisa. Já a mediação permite que se leve em consideração esses três aspectos.

O caminho é a conciliação

Que as disputas e tensões fazem parte do cotidiano das pessoas, todos sabem. Mas em que momento elas se tornam nocivas a ponto de justificar a procura pela mediação? Segundo Lia Sampaio, presidente da associação Interação-Rede Social e vice-presidente do Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil (Imab), isso deve ocorrer quando as pessoas não exercem bem suas funções. “Quando as dinâmicas não acontecem”, resume.

Em fases mais avançadas, os problemas nas relações pessoais começam a paralisar a tomada de decisões. Vindo a público, eles podem causar estragos na imagem da companhia e afastar potenciais investidores e credores. Nos casos recentes protagonizados por Aracruz e Sadia, envolvendo troca de acusações entre conselheiros de administração e diretores financeiros devido a perdas em operações com derivativos, a mediação poderia ter sido usada para minimizar os prejuízos causados pela excessiva exposição na mídia. Outra oportunidade para os profissionais dessa área, aponta Alexis Novellino, sócio da consultoria Mediadores, é quando o processo já está na Justiça, mas ambas as partes percebem que os custos financeiros e emocionais envolvidos são muito altos. Nesse momento, buscar um acordo por meio da conciliação pode ser um recuo difícil, porém inteligente.

O trabalho de mediação transcorre em etapas. Por meio de entrevistas individuais ou reuniões com os envolvidos, o mediador identifica motivações, desejos e interesses comuns. “Ele é uma espécie de guardião, para que as partes envolvidas possam manifestar seus interesses”, constata Adriana Adler. O mediador deve levar em conta o que está por trás do discurso de cada um, as chamadas agendas ocultas que dificultam o diálogo. “Quando as pessoas nos procuram, elas têm conflitos objetivos. Ao longo do processo, percebem que os verdadeiros conflitos são subjetivos, causados por emoções, percepções e sentimentos encobertos”, considera Lia Sampaio.

Sempre que o indivíduo identifica os pontos de contato e de interesse com o grupo do qual faz parte — seja a continuidade da família, a perenidade do negócio ou a geração de valor para o acionista —, pode ceder em alguns e avançar em outros. Os acordos, muitas vezes, envolvem pedidos de desculpas e compensações financeiras. Já quando o endurecimento prevalece, o caminho é mesmo a Justiça, com toda a dor e os custos envolvidos. No caso das duas sócias que ilustraram o começo desta reportagem, a mediação teve um final feliz. Elas resolveram a divergência, e a sócia majoritária vendeu sua participação para a outra. A escola, no entanto, ainda luta para recuperar a rentabilidade.


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