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Sob pressão
Os entraves — e as possíveis soluções — para uma atuação mais eficaz dos gestores de recursos e dos conselhos de administração na América Latina

, Sob pressão, Capital Aberto

Quando o assunto é governança corporativa, há tempos o desafio não é mais saber o que fazer ou em que se inspirar. A profusão de cartilhas e códigos e a significativa ampliação da literatura acadêmica sobre o tema asseguraram que os fundamentos para o bom governo de uma companhia estivessem claros e acessíveis a quem pudessem interessar. O que permanece sem respostas claras é quais os incentivos certos para que cada parte atue da maneira esperada. Como aumentar as chances de que as práticas de governança funcionem na vida real?

Nessa delicada engrenagem que visa a proteger os interesses das companhias e de seus acionistas, um agente em particular tem sido ostensivamente criticado por sua atuação: os gestores de fundos mútuos e de pensão, dentre outros investidores institucionais que em ampla escala representam os interesses dos acionistas. Pelo segundo ano consecutivo, eles foram destaque nas discussões da mesa-redonda organizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a International Finance Corporation (IFC) e o Global Corporate Governance Forum sobre governança corporativa na América Latina. Realizada entre os dias 21 e 22 de outubro deste ano, no Rio de Janeiro, a 11ª edição do evento reuniu representantes de 19 países para discutir os avanços e as carências dos sistemas de governança locais.

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Após três anos de pesquisa conduzida pelos organizadores, foi lançado durante o evento um “white paper” dedicado a fortalecer a atuação dos investidores institucionais nos países da América Latina. Ainda sujeito a revisões até o fim do ano, o documento de 43 páginas descreve as formas de atuação desses investidores nos principais países da região, elenca as barreiras a serem superadas para que eles tenham mais influência nas companhias em que investem e apresenta uma lista de recomendações aos reguladores. Segundo o estudo, são seis os principais desafios a serem transpostos: flexibilizar os limites estabelecidos em lei para a aplicação em ações dos fundos de pensão; criar regras para reforçar a atuação desses fundos como acionistas; reduzir a burocracia e fomentar a tecnologia para estimular a participação dos investidores nas assembleias-gerais; haver mais coordenação entre eles para aglutinarem participações acionárias e batalharem por seus direitos; criar referências de governança (índices ou segmentos de listagem como o Novo Mercado); e acumular histórias de sucesso que promovam posturas mais proativas.

A cadeia de intermediação que se formou na indústria de fundos afasta ainda mais os acionistas dos administradores

A América Latina tem limitações próprias para o maior ativismo dos investidores — como os ainda proporcionalmente elevados volumes de recursos dirigidos à renda fixa e o absenteísmo nas assembleias-gerais. Mas a preocupação sobre como aumentar a pressão dos acionistas sobre as empresas está presente em todo o mundo. Baseado nas experiências de Estados Unidos e Europa, o professor de direito da Northwestern University e sócio da gestora Governance for Owners, Simon Wong, presente na mesa-redonda, avaliou por que os investidores institucionais dormiram no ponto durante as últimas crises internacionais. Segundo o professor, os esforços dos reguladores para deixá-los mais alertas não têm dado certo porque esse tipo de postura simplesmente não está na gênese do modelo moderno de gestão de recursos.

Além dos sistemas de avaliação de desempenho e remuneração desses profissionais, que em muitos casos são aplicados em bases trimestrais, favorecendo um horizonte de curtíssimo prazo, Wong elenca outras razões menos óbvias para a apatia dos investidores. Uma delas é a excessiva diversificação de carteiras, que pode levar a centenas ou até milhares de ações diferentes na carteira de um grande fundo. A fragmentação da alocação é uma forma de mitigar riscos, mas seu efeito colateral é enfraquecer a supervisão sobre o comportamento dos administradores e, principalmente, a consciência de propriedade que deveria guiar as mentes dos gestores de recursos. Além do mais, a estratégia não é eficiente, segundo o professor. “Estudos mostram que a principal vantagem dessa medida, a redução da volatilidade, diminui rapidamente quando superado o patamar de 20 a 50 papéis em carteira”, diz.

Outro problema citado por Wong é a extensa cadeia de intermediação que se formou na indústria de fundos. As consultorias de investimentos, os fundos de fundos e os gestores de recursos externos estão cada vez mais presentes, afastando o acionista final da companhia investida. “Os investidores têm de avaliar se esses intermediários são mesmo necessários. Além do conflito de agência que existe aí, essas contratações podem reduzir os retornos das carteiras, uma vez que esse pessoal sai caro”, declarou o acadêmico à CAPITAL ABERTO.

Estudo diagnosticou empenho insuficiente dos conselheiros para monitorar os conflitos de interesse

O crescimento dos produtos de gestão passiva em todo o mundo, que ganharam atratividade nos últimos anos graças a suas baixas taxas de administração, também é um entrave nas relações entre companhias e investidores, afirma o professor. Os exchange traded funds (ETFs) são um dos mais evidentes exemplos desse movimento. Alguns deles não cobram pela administração e ainda por cima gostam de emprestar ações para alavancar as receitas do fundo, abrindo mão do exercício do voto. Entre atuar como um proprietário das ações e um astuto negociador delas, esses investidores não pensam duas vezes antes de ficar com a segunda opção. Por que gastar dinheiro e neurônios supervisionando as empresas se há formas mais tranquilas de se dar bem gerindo recursos de terceiros?

O white paper recém-finalizado apresenta sugestões para os reguladores dos mercados latino-americanos reforçarem a atuação dos seus investidores institucionais (veja quadro). A proposta é que cada país discuta a melhor forma de fazer isso — se por meio de leis, regras ou autorregulação — e que as medidas a serem tomadas não signifiquem apenas obrigações extras para os investidores, mas, principalmente, incentivos capazes de estimular mudanças efetivas de comportamento.

CONSELHOS DESATENTOS — Os investidores não foram os únicos agentes escrutinados durante o evento da OCDE. Uma pesquisa realizada pelo eStandards Forum a partir de informações fornecidas pelos institutos de governança de sete países — Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Panamá e Peru — mostrou as principais falhas dos conselhos de administração das companhias abertas na região. Foi diagnosticado empenho insuficiente dos conselheiros para exercer a sua responsabilidade de monitorar e supervisionar os conflitos de interesse, bem como pouca discussão sobre conflitos em potencial nas reuniões do board. Na Argentina, foi constatada forte presença de acionistas, executivos e ex-executivos nos conselhos. No Brasil, concentração de poder do acionista controlador nesses órgãos. No México, mandatos excessivamente longos dos conselheiros.

Os pesquisadores observaram também que a presença de membros independentes nos boards da região se restringe ao mínimo previsto em lei ou regulação. O disclosure de informações sobre a carreira dos conselheiros é escasso (a exceção é felizmente o Brasil, que a partir deste ano passou a dar mais transparência a esses dados graças à Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A adoção de comitês de auditoria é reduzida em países como Brasil, Chile, Colômbia e México. O papel dos conselhos no gerenciamento de riscos é pouco endereçado pelas leis e egulamentações locais, e a divulgação de uma política de gestão de riscos não é prática comum. Também são raras as avaliações de desempenho do conselho de administração e, mais ainda, as avaliações individuais de conselheiros.

Outro assunto na mesa-redonda deste ano foi a atuação dos reguladores para punir o uso indevido de informação privilegiada por agentes do mercado. Em um esforço conjunto com o conselho de reguladores de valores mobiliários das Américas (o Cosra), os organizadores do evento fizeram uma pesquisa com o intuito de identificar práticas que auxiliem no combate a esse tipo de infração. Os resultados do levantamento serão divulgados nos próximos meses. Em 2011, o encontro pretende abordar a atuação dos reguladores para reprimir os abusos nas transações com partes relacionadas.

As iniciativas das bolsas de valores de criar índices e ratings de governança corporativa — como fez a bolsa peruana em 2008, por exemplo, ao lançar o Indice de Buen Gobierno Corporativo, que reúne as melhores referências em boas práticas — estarão dentre os temas do encontro de 2011. Segundo Daniel Blume, analista sênior da OCDE e coordenador da meda-redonda, é preciso verificar se tais iniciativas não estariam, ironicamente, estimulando a postura acomodada dos investidores que se pretende combater. Além disso, há dúvidas sobre a representatividade desses índices, uma vez que vários deles são compostos com base apenas em informações divulgadas pelas companhias, sem a supervisão de um regulador. “Claramente os índices têm efeitos positivos, como o de ampliar a consciência sobre governança, mas há também riscos que pretendemos examinar”, observa Blume. A edição de 2011 da mesa-redonda será realizada em Lima, no Peru.


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