Segundo plano
Até que ponto a redução de verbas para projetos socioambientais fere os princípios de sustentabilidade tão apregoados nos últimos anos?

, Segundo plano, Capital AbertoO dilema entre sustentabilidade e lucros parecia fazer parte do passado. Com as ações socioambientais trazendo divisas às companhias, os defensores do modelo de gestão voltado aos acionistas (shareholders), de um lado, e aqueles que preferem atender aos interesses dos públicos relacionados (stakeholders), de outro, conseguiam finalmente se entender. Mas o estouro da crise econômica, que resultou na falta de dinheiro no mercado, começa a ameaçar a sutil harmonia dessa relação. Com o poço seco e a necessidade urgente de cortar custos, empresas parecem ter rebaixado a importância dos seus investimentos sustentáveis. Pesquisa realizada pela Booz & Company, em dezembro de 2008, revela que, em uma amostra de 828 altos executivos de corporações de todo o mundo, 40% acreditam que iniciativas verdes e de responsabilidade social irão cair significativamente em 2009 devido à crise. Os setores de transporte e energia são os mais pessimistas, com 51% e 47% de respostas prevendo cortes na agenda de sustentabilidade.

Por aqui, os números precisos só vão aparecer nos balanços sociais, mas já é fácil tirar as primeiras conclusões. Os efeitos da crise sobre as práticas sustentáveis são sentidos nas ações mais prosaicas. Centenas de edifícios na cidade de São Paulo não contam mais com coleta seletiva de lixo, porque as cooperativas que se encarregam dessa tarefa diminuíram a frequência das visitas. A queda no preço dos materiais recicláveis é a raiz do problema. O quilo de jornais e revistas, por exemplo, passou de R$ 0,22 em outubro para R$ 0,02 em fevereiro.

A Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) Amigos da Terra cita outro exemplo: constatou, no segundo semestre de 2008, queda de 25% no volume de doações empresariais ao projeto Compradoras de Produtos Florestais Certificados, em comparação com o mesmo período do ano anterior. “Quando procuramos as empresas que pararam de doar, todas explicaram que passam por cortes de custos”, conta Mario Menezes, diretor adjunto da entidade.

No limite, o executivo precisa decidir se dispensa funcionários ou corta recursos sociais e ambientais

A diretora de uma Oscip de educação ambiental, que preferiu não se identificar, conta que, em 2009, a Petrobras cortou todo o dinheiro que destinava à entidade. A petrolífera também é mencionada pelo presidente de uma organização paulista que presta serviços de consultoria em sustentabilidade empresarial. “Recentemente, fomos notificados de que a parceria com a empresa não seria renovada.” Procurada pela CAPITAL ABERTO, a Petrobras não respondeu à solicitação da reportagem até o fechamento desta edição. Para Márcia Hirota, diretora da SOS Mata Atlântica, o momento é de incerteza. Ela afirma que a entidade não tem sofrido enxugamento em suas parcerias com empresas, mas está mais cautelosa nas previsões de captações de recursos nos próximos meses.

VIÉS ECONÔMICO — Clarissa Lins, diretora executiva da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), conta que várias companhias têm lhe confidenciado informalmente a intenção de diminuir os investimentos socioambientais. Muitos dos cortes se justificam, conta Clarissa. “Um dos alicerces da sustentabilidade é o aspecto econômico. Nesse momento mais agudo, em que algumas empresas lutam para garantir sua sobrevivência, é natural que se pare para reavaliar algumas posturas, dentre elas a questão da sustentabilidade”, diz. Nessa hora, prevalece a ideia do cobertor curto — uma das partes vai ficar ao relento. “No limite, o diretor precisa decidir se demite funcionários ou corta recursos sociais e ambientais”, diz o presidente da comissão técnica do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (Ibef), Luiz Calado, que estuda finanças e sustentabilidade na Universidade de Bonn, na Alemanha.

, Segundo plano, Capital AbertoMas há um aspecto a ser considerado: a diretora da FBDS conta que a maior parte dos projetos abortados são pré-operacionais. Isso, para ela, é sinal de amadurecimento do mercado. “Seria muito ruim para a imagem de uma companhia dar fim a uma ação com o bonde andando”, opina. A partir de agora, o orçamento enxuto vai tornar a análise mais criteriosa e privilegiar as melhores propostas de desenvolvimento sustentável. Sendo assim, alguns afirmam que não há motivos para pânico. “Se essa crise tivesse ocorrido dez anos atrás, estaríamos vendo empresas simplesmente cortando todos os gastos nessa área”, opina Fernando Rossetti, secretário geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (Gife). “O que antes era gordura, agora faz parte da cultura das companhias.”
Se algumas atitudes “defensivas” são justificáveis, outras causam estranhamento. A demissão do diretor de sustentabilidade da Sadia, em janeiro, foi bastante criticada pelo mercado. Depois dos prejuízos com as desastrosas operações com derivativos tóxicos, a empresa exonerou Ernest Sícoli Petty da função, além de outros quatro diretores. O mais complicado, no caso da área de sustentabilidade, é que a diretoria foi extinta e virou um subdepartamento das diretorias de relações institucionais e garantia da qualidade. “É um passo atrás no processo. Ao dissolver a diretoria, a empresa acena ao mercado o valor que dá ao assunto”, diz Mauro Ambrosio, sócio diretor da BDO Trevisan.

Ao tomar decisões como essa, a companhia precisa estar preparada para ser questionada pelo mercado. “Nessa hora, a luz de alerta é acesa”, opina Pedro Villani, superintendente de gestão de fundos do Santander Asset Management. Antes de fazer qualquer julgamento, é preciso analisar friamente se tal atitude é temporária ou duradoura. “Mas é inegável que todos se indagam se a empresa não está jogando a sustentabilidade para o segundo plano”, acrescenta.

REPENSANDO PARADIGMAS — A crise pode ter seu lado positivo. Na hora do aperto, ficará mais fácil para o mercado distinguir as empresas que levam a sustentabilidade a sério e aquelas que a usam como mero instrumento de marketing. “Antes, bastava ter qualidade de produtos e serviços para a companhia se destacar. Hoje, essas duas características estão mais niveladas, e o diferencial competitivo passou a ser as práticas sustentáveis”, diz Fernando Rossetti, do Gife.

Por isso, para algumas empresas, a crise traz mais do que um desafio para lidar com as questões ambientais e sociais; ela abre uma janela de oportunidades. O Banco Real não pretende cortar nem um centavo da sustentabilidade. A justificativa está na crença de que uma instituição inovadora e consistente nessa seara está sempre um passo à frente no mercado. “Agora, diante da necessidade de realizar gastos, muitos estão promovendo práticas de ecoeficiência (uso racional de papel, água, eletricidade, etc.), algo que fazemos há anos”, conta Linda Murasawa, superintendente de desenvolvimento sustentável do banco. “O que os outros estão aprendendo na dor já é, para nós, uma cultura arraigada.”

O valor dessa cultura pode ser calculado. Em 2004, a instituição consumiu 177,5 mil metros cúbicos de água. Em 2007, o número havia caído para 139 mil metros cúbicos. A redução no consumo anual de energia elétrica de 2004 para 2007 foi de 3,4 milhões de kWh — de 42 milhões de kWh para 38,6. O uso racional desses dois itens permitiu ao Real uma economia de mais de R$ 3 milhões no período de três anos.

A turbulência também pode ser um momento para refletir sobre o modelo de negócios. Para Giovanni Barontini, da Fábrica Ethica, toda sociedade precisa buscar o caminho do desenvolvimento sustentável, em contraposição ao do crescimento linear. Isso significaria, por parte dos consumidores, abandonar práticas consumistas, e, do lado dos empresários, oferecer produtos mais duráveis e descartar metas muito ousadas de expansão. “Hoje, estamos contaminados pelo vírus do crescimento alucinante. Esquece-se que o planeta é um só e que seus recursos são finitos”, diz.

Por enquanto, fica a questão: qual será a fatia do terceiro setor nas contas das corporações nos próximos meses? “Quando o mercado de capitais destravar e a situação do crédito melhorar, teremos um quadro mais claro do rearranjo da sustentabilidade no orçamento das empresas”, opina Barontini. Para ele, os cortes observados são pontuais e temporários. “O importante é que a causa sustentável não seja esquecida.”


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