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Quase perfeito
As debêntures de infraestrutura têm tudo para prosperar, mas alguns bloqueios ainda as afastam de seu principal público: os investidores pessoas físicas

A conjuntura é promissora. O Brasil precisa de infraestrutura e investe muito menos nela do que deveria: calcula-se que os aportes atuais somam 2% do Produto Interno Bruto (PIB), ante o mínimo de 4% necessário para garantir a competitividade do País. Em valores, isso significa que precisamos, segundo estimativas, da injeção de R$ 100 bilhões em projetos de rodovias, ferrovias, portos, mobilidade urbana, aeroportos e outras alavancas de crescimento ao longo dos próximos 25 anos. Ao mesmo tempo, as taxas de juros Selic estão historicamente baixas. Investidores buscam oportunidades para sair dos títulos públicos e migrar para ativos como, por exemplo, os de crédito privado. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por sua vez, convencido de que não dará conta de solucionar sozinho a carência de investimentos, vem se mostrando um aliado das emissões públicas. Juntos, esses fatores levam a crer que o cenário está pronto para o avanço das chamadas debêntures de infraestrutura, incentivadas com isenções fiscais pelo governo federal por meio da Lei 12.431. Mas, na prática, ele ainda não está. Algumas características da arquitetura do mercado de capitais atual limitam os caminhos para esses títulos prosperarem.

“O sucesso desse mercado dependerá dos investimentos da ‘dona Maricota’”, resume Joaquim Levy, diretor superintendente da Bradesco Asset Management (Bram), palestrante do workshop “Debêntures Incentivadas”, promovido pela CAPITAL ABERTO em 29 de novembro. Ele se refere aos investidores pessoas físicas locais, que são, em sua visão, os principais beneficiados pelos incentivos fiscais e, dessa forma, os mais fortes candidatos a comprar as debêntures de infraestrutura. A explicação para esse raciocínio é a seguinte: no artigo 2º, a lei concede a isenção plena de imposto sobre os rendimentos das debêntures a pessoas físicas brasileiras e a estrangeiros; e uma alíquota reduzida, de 15%, para os investidores pessoas jurídicas, inclusive bancos e seguradoras. Os estrangeiros, argumenta o executivo, já não pagam Imposto de Renda (IR) quando aplicam em títulos públicos — ativos mais fáceis de serem analisados, com risco menor e taxas nominais ainda atrativas em relação ao resto do mundo. Assim, teriam poucos incentivos para investir nas debêntures. Os investidores institucionais, apesar do direito à alíquota reduzida, tendem a se interessar menos ainda, observa Levy. Seguradoras e fundos de pensão, por serem aplicadores de longo prazo, não pagam IR na fonte em seus investimentos. Os fundos tradicionais, por sua vez, também estão isentos da alíquota.

Sendo as pessoas físicas as compradoras com maior potencial, os fundos de investimento assumem um papel relevante no processo. “Não podemos esperar que a dona Maricota saiba avaliar qual debênture, se da estrada A ou B, é a mais bem precificada”, provoca Levy. Atento a essa necessidade, o governo autorizou no parágrafo 3º da lei a criação dos chamados “fundos de debêntures”, que garantem aos cotistas pessoas físicas e estrangeiros as mesmas isenções fiscais aplicáveis ao investimento direto. Essas carteiras, no entanto, têm exigências que não são tão simples de atender.

Consta na lei que, nos dois primeiros anos de funcionamento, o fundo deve alocar pelo menos 67% do seu patrimônio nas debêntures incentivadas. Passado esse período, é obrigatório atingir 85%. O desafio, para Levy, é conciliar essas exigências com os limites de concentração impostos pela Instrução 409 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). De acordo com a norma, o fundo deve ter, sem prejuízo de sua classe, no máximo, 10% de seu patrimônio líquido investido em um único emissor, caso ele seja uma companhia aberta. Considerando a aplicação mínima de 67% dos recursos, isso significaria que a carteira precisaria possuir, pelo menos, sete debêntures de emissões distintas. “Diante da baixa quantidade de debêntures incentivadas no mercado, seria importante permitir que o fundo nascesse com um ou dois ativos, podendo se enquadrar em até dois anos”, acrescenta Mauro Cavalcante de Albuquerque, superintendente executivo de project finance do Santander. Essa proposta, segundo o executivo, foi levada à CVM pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Questionada se teria alguma posição sobre o pleito, a CVM respondeu à reportagem, por e-mail, que a questão está em análise e ainda não há um posicionamento final.

As regras de composição dos fundos não são as únicas a complicar o acesso das pessoas físicas às debêntures de infraestrutura. As normas da autarquia para as ofertas públicas também limitam o acesso a esse público. A distribuição ampla de qualquer tipo de debênture só é permitida por meio da Instrução 400. A norma requer do emissor o registro de companhia aberta na CVM, mas, em contrapartida, confere a ele a possibilidade de alcançar um número ilimitado de investidores. Companhias fechadas estão aptas a emitir debêntures somente por meio da Instrução 476, que restringe a oferta a 50 investidores qualificados — possuidores de investimentos financeiros em valor superior a R$ 300 mil—; e a compra dos títulos, a 20. No universo de companhias brasileiras com potencial para lançar debêntures de infraestrutura a pessoas físicas, porém, há inúmeras de capital fechado. “Das 20 empresas que a CCR possui, somente quatro são abertas”, exemplifica Priscilla Huttenlocher, analista da diretoria financeira da concessionária. Uma das controladas da CCR, a Concessionária do Sistema Anhanguera-Bandeirantes (Autoban), obteve a mais bem-sucedida oferta de debêntures incentivadas de 2012.

No universo de companhias com potencial para lançar debêntures a pessoas físicas, há inúmeras de capital fechado

ISENÇÃO ATRATIVA — A Autoban captou R$ 135 milhões e evidenciou, com uma experiência concreta, o apelo das debêntures de infraestrutura para o segmento de varejo — a emissão arrematou nada menos que 1.500 investidores pessoas físicas. A agilidade do processo de captação também é digna de nota. A Autoban iniciou os trabalhos para a oferta em 31 de julho e, pouco mais de 45 dias depois, já havia disparado o processo de distribuição. “A aprovação ministerial levou apenas 20 dias”, elogia Priscilla. A operação foi coordenada por um consórcio composto de HSBC, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e XP Investimentos.

Para estimular a participação do varejo, a Autoban concedeu a esse público prioridade na subscrição de 60% da emissão. “Também garantimos uma alocação mínima, de até R$ 15 mil, para a pessoa física, e depois fizemos o rateio proporcional”, conta a executiva. Segundo Priscilla, a demanda atingiu o dobro do registrado durante a coleta de intenções (bookbuilding), fazendo com que a taxa paga pelos títulos caísse de IPCA 2,97% para IPCA 2,71%. A remuneração equivale ao juro atual das Notas do Tesouro Nacional série B com vencimento em 2016. Nas NTN, porém, o investidor pessoa física paga imposto — daí a vantagem que ele obtém ao comprar as debêntures de infraestrutura, que são isentas.

MERCADO SECUNDÁRIO — Os investidores de varejo são os mais propensos às debêntures de infraestrutura nesse primeiro momento, mas, no médio prazo, os bancos esperam trazer os estrangeiros também. “Eles buscam algo que não temos como oferecer agora, que é volume e liquidez. Acredito, no entanto, que ainda poderão ter uma participação relevante”, afirma Albuquerque, do Santander. Para isso acontecer, o executivo observa ser fundamental o fomento de um mercado secundário desses títulos.

No fim de 2010, o governo autorizou as instituições financeiras a destinarem até três pontos percentuais do compulsório sobre depósitos a prazo para criação de um fundo de liquidez voltado a estimular a negociação de títulos privados no mercado secundário. Até agora, contudo, o Ministério da Fazenda não recebeu nenhuma proposta do mercado para a criação desse instrumento. “Continuamos aguardando. O fundo pode ser de grande importância para a evolução do mercado secundário”, diz Esteves Pedro Colnago Jr., diretor de programa da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda

Na opinião de Levy, a principal razão para o Brasil não ter um mercado secundário de papéis de crédito é o fato de muitos deles ainda oferecerem a Selic como remuneração. “Ninguém faz mercado secundário de Selic”, ressalta o executivo. Em sua opinião, essas negociações só vão crescer quando existirem mais papéis remunerando conforme o risco do emissor, a taxas prefixadas. Outro aspecto essencial para o mercado secundário se desenvolver, acredita Levy, é uma maior padronização das debêntures. “Precisamos fazer com elas o mesmo que fizeram com a dívida pública há dez anos. Temos de organizar as características desses títulos para que eles sejam bem semelhantes, de modo que o investidor precifique o título pelo risco do crédito, e não por detalhes das debêntures”, analisa. O executivo observa, por fim, que as debêntures ainda funcionam hoje muito mais como instrumento de empréstimo do que como valor mobiliário propriamente dito. Do estoque total de debêntures, uma parcela de apenas 24,86% está com investidores locais; os outros 75,14% estão, majoritariamente, nas tesourarias dos bancos e do BNDES.

, Quase perfeito, Capital Aberto

DE OLHO — Até o fim de novembro, o Ministério da Fazenda computava cinco ofertas de debêntures emitidas de acordo com a Lei 12.431 — Minerva, Rio Canoas, OGX, Monte Claros e Autoban —, no total de R$ 2,780 bilhões. As previsões do Santander apontam que as oportunidades para emissões de debêntures de infraestrutura somarão R$ 44,3 bilhões entre 2013 e 2015, das quais R$ 5,3 bilhões podem ocorrer somente em 2013.

Duas das emissões realizadas — Minerva e OGX —, porém, foram utilizadas para internalizar recursos já captados por uma subsidiária no exterior com o intuito de usufruir o desconto no IR. “A lei não veda esse uso, mas também não foi criada com essa finalidade. O Ministério da Fazenda está olhando essas operações e pode vir a proibi-las se começarem a ocorrer constantemente”, adverte Colnago Jr.

Tanto a OGX como a Minerva fizeram suas ofertas de debêntures com base no artigo 1º da Lei 12.431. Mais flexível, o dispositivo permite a captação por meio de qualquer tipo de valor mobiliário de longo prazo e a sua utilização em todo tipo de projeto de investimento, explica José Barreto, sócio de Vaz, Barreto, Shingaki e Oioli Advogados — a única restrição é os títulos terem de ser adquiridos por estrangeiros. Já o artigo 2º especifica que o emissor seja uma sociedade de propósito específico (SPE) e que as debêntures tenham a finalidade de financiar projetos na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

Diferentemente do 1º, o artigo 2º requer aprovação prévia do ministério responsável pelo setor. “Achávamos que, por essa razão, o mercado se interessaria mais pelas emissões do artigo 1º. Mas o que estamos vendo é justamente o contrário; o pessoal quer o carimbo do ministério”, surpreende-se Colnago Jr. Não é difícil deduzir a razão. A chancela do governo é, afinal, a mais sólida garantia para obter o almejado benefício fiscal — vantagem que, com os juros oficiais em queda, torna-se cada vez mais valiosa.


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