Quem assina embaixo?
CVM põe em discussão a responsabilidade sobre os números usados na preparação de laudos de avaliação

, Quem assina embaixo?, Capital Aberto

Bancos de investimento e avaliadores de empresas estão prestes a sair da zona de conforto. Na minuta de reforma da Instrução 361, que trata das ofertas públicas de ações (OPAs), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) propôs aumentar a responsabilidade das instituições que fazem laudos de avaliação de companhias. A proposta está polarizando as opiniões. Enquanto alguns consideram que nosso mercado de capitais precisa contar com laudos mais confiáveis e embasados, outros temem que a regulação gere um efeito deletério: o afastamento dos avaliadores sérios e sua substituição por profissionais menos gabaritados ou, ainda pior, pouco confiáveis.

, Quem assina embaixo?, Capital AbertoA mudança fica em audiência pública até 9 de julho. Se a minuta passar como está, a atuação dos avaliadores de empresas deverá ser mais ativa: eles terão de declarar que analisaram a consistência, a coerência e a razoabilidade das informações e projeções fornecidas pela companhia e por terceiros. O receio é de que esse atestado aumente o risco de quem o assinou ser processado por investidores que venham a questionar o valor oferecido por suas ações nas OPAs, por exemplo.

Para calcular o valor de uma companhia e o preço de suas ações, os avaliadores usam informações repassadas pelo próprio cliente: demonstrações financeiras auditadas, relatórios gerenciais, orçamentos, projeções de venda, etc. Outra parte das informações, como as estimativas de crescimento econômico, é levantada pelo avaliador. Atualmente, a Instrução 361 diz que o avaliador não é responsável por verificar as informações recebidas da companhia e que pode utilizá-las, a não ser que as julgue inconsistentes.

Da maneira como está redigida, a minuta de instrução sugere que o avaliador se tornará responsável pelas informações prestadas pelo cliente, quando o mais adequado seria dizer que ele é responsável por ser diligente na análise dos dados, observa o advogado Thiago Giantomassi, do escritório Demarest & Almeida. O regulador tem uma opinião diferente. Para Flavia Mouta, inspetora da gerência de aperfeiçoamento de normas da CVM, o que a minuta fez foi apenas consolidar e explicitar entendimentos do colegiado da autarquia sobre as OPAs e os laudos. Em sua opinião, a regulamentação não muda a responsabilidade dos avaliadores. Eles apenas terão de atestar algo que já fazem: a checagem da consistência dos dados. Alguns acreditam que essa declaração deixará os avaliadores mais vulneráveis a ações de responsabilização civil na Justiça. Justamente por isso, entende a CVM, eles passariam a verificar as informações com maior diligência e profundidade.

Os laudos são peças fundamentais para embasar o processo de tomada de decisão dos investidores além de serem item obrigatório em todas as OPAs feitas por controladores ou por uma companhia. Sua confecção, no entanto, segue praticamente em linha de produção. Sendo assim, o trabalho de algumas instituições se limita a colocar os dados fornecidos pelas empresas em modelos de avaliação. De imediato, o que se espera é que a mudança tire os bancos dessa passividade: “Os avaliadores vão gastar mais tempo para fazer seus estudos”, assegura o advogado João Felipe Figueira de Mello, do escritório Leoni Siqueira Advogados.

Michael Montgomery, da butique de investimentos Singular Partners, acredita que os avaliadores experientes conseguem detectar quase todas as inconsistências nas informações, mas que a verificação da consistência os coloca numa zona cinzenta, de difícil comprovação. Até que ponto se considerará que as informações foram suficientemente checadas pelo avaliador?

Essa preocupação reside no fato de que uma boa dose de subjetividade entra na receita para se fazerem os laudos. Para que o valor de uma empresa seja determinado, é necessário utilizar-se de projeções de crescimento e de taxas de desconto. Como se sabe, estimativas como essas estão sempre sujeitas a um certo grau de interpretação. Se isso não bastasse, há outro ingrediente: a falta de diligência e de respeito aos minoritários pelos administradores das companhias, que a nova instrução da CVM pretende banir.

A insatisfação com os laudos é uma questão antiga no Brasil. Investidores minoritários acusam alguns autores de fazê-los de trás para a frente. Nesses casos, afirmam, quem está realizando a oferta de compra das ações determina o preço que quer pagar por elas, e depois a instituição contratada faz malabarismos para chegar a esse valor.

“Todos os problemas recentes com operações de fusões e aquisições têm o laudo como pano de fundo”, reconhece Edison Garcia, superintendente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec), que ainda está analisando a minuta da CVM. Ele observa que, de acordo com a regulamentação atual, ninguém tem responsabilidade pelo laudo de avaliação: nem a empresa que contratou o avaliador, já que não foi ela que fez o trabalho; nem o avaliador, que tira o corpo fora ao declarar que se baseia nas informações dadas pela companhia. Os laudos costumam ser pródigos em ressalvas (disclaimers) que tiram força e credibilidade da avaliação.

MARGEM DE MANOBRA — Na prática, questionar laudos é uma tarefa bastante complicada e de difícil sucesso, justamente porque o avaliador e a empresa têm grande margem de manobra e modos diferentes, aceitos pela legislação, de chegar ao valor justo das ações. Mesmo que a instrução aumente a responsabilidade dos avaliadores, essa situação não mudaria radicalmente.

Um gestor de fundos queixa-se de que o avaliador geralmente não discute os números do laudo. E, frequentemente, os investidores não conseguem ter acesso às premissas utilizadas para a sua elaboração. Na opinião desse gestor, o avaliador deveria ser obrigado a fazer pelo menos uma apresentação pública para os acionistas, que teriam então a oportunidade de conhecer o trabalho com mais detalhes. Isso aumentaria a exposição dos avaliadores, que pensariam duas vezes antes de mostrar aos olhos do mercado uma peça malfeita: “Essa solução não agregaria nenhum custo. Seria um meio do caminho”, acredita.

Procurados pela reportagem para avaliar as mudanças propostas pela CVM, a Associação Brasileira das Endidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) e o banco BTG Pactual preferiram não se manifestar pelo fato de a minuta ainda estar em audiência pública. Também contatados, os bancos Credit Suisse, Itaú BBA e Morgan Stanley não quiseram comentar os impactos da mudança em suas atividades.

Outro ponto introduzido pela minuta, e considerado delicado, é a necessidade de o laudo levar em conta os ganhos e as sinergias advindos de operações de fusões e aquisições, e seu impacto no valor da companhia. Isso se tornaria obrigatório quando, antes da OPA, houvesse a aquisição do controle da empresa avaliada. “Muitas vezes, nem a companhia sabe quanto ganhará com a operação”, diz Montgomery. “Às vezes, é difícil obter as informações da empresa adquirida. Só quando o novo dono está lá dentro é que consegue ver se os dados estão corretos”, afirma Giantomassi. Flavia Mouta, da CVM, explica que esses cálculos de sinergia são apenas uma espécie de comentário adicional no laudo. Não seriam, segundo ela, incluídos no valor da empresa.

Os impactos das mudanças propostas pela nova regulamentação ainda são uma incógnita. Paira uma certa insegurança no mercado. “É muito importante atribuir mais responsabilidades aos avaliadores, mas é necessário tomar cuidado para que isso não seja excessivo. Tenho medo de que os avaliadores mais competentes saiam do mercado, e que os menos competentes ocupem o espaço”, diz o profissional de uma gestora independente de recursos que costuma questionar laudos e brigar pelos interesses dos minoritários. Sua preocupação é que os melhores bancos julguem que o risco jurídico de elaborar os laudos não compensa o valor cobrado para prestar esse serviço.

Já outros esperam por um efeito menos drástico e pernicioso: “Acredito que os preços cobrados pelos bancos subirão, de forma a cobrir o risco de serem responsabilizados na Justiça por minoritários”, prevê Montgomery. Nos países desenvolvidos, esse mercado é disputado por poucos participantes, que cobram bem caro.

“Um aumento nos preços cobrados pelos bancos para fazer os laudos seria positivo para o mercado, se esses laudos fizessem sentido. Da forma como eles são feitos hoje, acabam confundindo os investidores”, afirma Mauro Cunha, sócio da Mauá Sekular Investimentos. Para ele, o fato de os laudos virem com a chancela de bancos de primeira linha dá uma falsa sensação de segurança aos investidores.

Buffett ironiza independência de banqueiros

Na sua última carta anual dirigida aos acionistas da companhia de investimentos Berkshire Hathaway, publicada no fim de fevereiro, o CEO e chairman Warren Buffett usou um de seus aforismos para explicar os conflitos de interesse de bancos que avaliam aquisições: “Não pergunte ao barbeiro se precisa de um corte de cabelo”. Nas dezenas de reuniões de conselhos de administração sobre fusões e aquisições de que participou, o lendário investidor notou que, “invariavelmente, os banqueiros de investimento dão ao board uma estimativa detalhada do valor da empresa que está sendo comprada, com ênfase no porquê de ela valer mais do que seu preço de mercado”.

Paradoxalmente, em mais de 50 anos, Buffett nunca ouviu os avaliadores discutirem o valor real do que é oferecido como pagamento em uma aquisição. “Quando um negócio envolve a emissão de ações do adquirente, eles simplesmente usam o valor de mercado para medir o custo”, contou o terceiro homem mais rico do planeta. Já quando se trata do ativo a ser adquirido, os bancos gostam de dizer que os papéis estão subavaliados. Em outras palavras: na hora da compra, costuma-se ressaltar que o preço de mercado da empresa-alvo está barato em relação ao valor intrínseco; quando a aquisição embute pagamento em ações, quase sempre o valor de mercado dos papéis do comprador é considerado justo pelos avaliadores.

Isso ocorre porque o interesse dos bancos, no fim das contas, é fechar o negócio. O presidente da Berkshire ainda provocou, dizendo que o adquirente deveria contratar um segundo avaliador, cuja remuneração seria atrelada à não ocorrência da aquisição. Embora “drástica”, a medida é vista por Buffett como a única forma de se conseguir uma “discussão racional e equilibrada”. (Danilo Gregório)


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