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Prova de obstáculos
Consultores de voto sofrem com a falta de transparência e de tempo para orientar clientes antes de uma assembleia no Brasil

, Prova de obstáculos, Capital Aberto

 

As empresas de “proxy advisory”, especializadas na recomendação de votos em assembleias de acionistas, são consideradas verdadeiros oráculos nos Estados Unidos. Muitos investidores só decidem seus votos depois de ouvirem o parecer desses conselheiros. Essa influência pode ser constatada em The role of advisory services in proxy voting, estudo publicado em julho pelo National Bureau of Economic Research, de Cambridge (EUA). O trabalho mostra que as recomendações de voto feitas pela RiskMetrics — maior consultoria de voto do mundo, com mais de 3 mil clientes — em eleições do conselho de administração chegam a influenciar as cotações dos papéis da companhia envolvida. No Brasil, contudo, esse tipo de consultoria ainda está longe de ter o mesmo poder.

É verdade que a cobertura da pauta de assembleias está crescendo. Em 1999, ano em que começou a atuar no mercado brasileiro, a RiskMetrics cobria 30 reuniões. No ano passado, foram 551 encontros. Mas o número de clientes ainda é pequeno em relação à fatia que o investidor estrangeiro representa no Brasil. A RiskMetrics analisou 230 empresas na última temporada. A Glass Lewis, que acompanha o Brasil desde 2005, analisou, em 2009, 175 companhias, para cerca de 30 clientes. “São poucos os estrangeiros que votam no País, pois a maioria não se anima em participar das assembleias”, diz Dwight Clancy, analista internacional da Glass Lewis.

Um dos empecilhos que esfria o ânimo do investidor de fora é a falta de transparência na divulgação de informações. Em 2009, a RiskMetrics pôs em prática uma política de protesto contra a falta de informações nas eleições para o conselho de administração. Boa parte das empresas ainda não fornece antecipadamente dados básicos dos candidatos como idade, formação, experiência e atuação em outros conselhos de administração. Muitas vezes, os investidores só conseguem acessar essas informações no dia da assembleia.

Na última temporada, a RiskMetrics recomendou voto contra os candidatos indicados de 27 companhias que compõem o Índice Bovespa (Ibovespa). “A eleição de conselheiros é um dos principais direitos dos acionistas. É inadmissível que uma empresa do Ibovespa não dê o mínimo de informação antecipada sobre os candidatos”, observa Patrícia Kanashiro, analista para os mercados latino-americano e ibérico da RiskMetrics. A Glass Lewis concorda. “Devido à falta de informação, não pudemos formular recomendações de voto em 80% dos casos estudados este ano”, conta Clancy.

Não bastasse a escassez de informações, os proxy advisors precisam lidar com o curto período de tempo para analisar as propostas. A Lei das S.As. determina que as companhias abertas convoquem suas assembleias com, no mínimo, 15 dias de antecedência. Na prática, esse período é muito curto, principalmente se levada em conta a burocracia do processo para o voto por procuração. Uma vez publicado o edital de convocação, as propostas são enviadas pelo investidor ao proxy advisor para análise. Ao mesmo tempo, o investidor contrata o serviço de um custodiante global, geralmente um banco, responsável pela custódia e o repasse da orientação de voto. Essa instituição também se incumbe de encaminhar toda a papelada para o custodiante local, que tem o papel de representar o investidor na assembleia. Este, por sua vez, contrata um procurador presencial, geralmente um advogado, que recebe a procuração e as instruções de voto. “Em uma convocação com duas semanas de antecedência, temos, na prática, cinco dias para analisar todo o material e formular as recomendações”, diz Clancy.

Para os analistas, um encontro emblemático de 2009 que uniu a falta de transparência com a escassez de tempo foi a assembleia geral especial da Aracruz, realizada em 30 de maio. A reunião convocou os detentores de ações preferenciais para votarem a proposta de conversão de PNs em ONs, no contexto da incorporação da companhia capixaba pela VCP. A falta de detalhes e explicações sobre a operação motivou a RiskMetrics e a Glass Lewis a se posicionarem contra a proposta. O problema começou na convocação, que ocorreu no dia 15 de maio. “As duas semanas de antecedência não ferem a lei, mas ficam bem abaixo dos 40 dias que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) recomenda para empresas que possuem programas de ADRs”, critica Patrícia, da RiskMetrics.

A RiskMetrics recomendou voto contra os planos de opções de ações de nove empresas brasileiras

A ausência de explicações para a mudança de curso do processo foi outro ponto criticado. A proposta original, de setembro de 2008, previa que a VCP tornasse a Aracruz sua subsidiária, antes da migração para o Novo Mercado (NM), o mais exigente nível de governança da bolsa brasileira. Mas, na assembleia de maio, os planos já eram outros. Os administradores propunham que ambas as empresas migrassem primeiro para o NM, para depois efetivarem a incorporação. “Contatamos as duas companhias, por telefone e e-mail, para questionar por que avaliavam essa mudança mais favorável que a proposta inicial, mas não obtivemos resposta”, lembra Patrícia (veja também matéria na página 66).

VOTO NO ESCURO — Os planos de opções de ações criados por companhias brasileiras para remunerar administradores também suscitam críticas. Este ano, a RiskMetrics recomendou voto contra as propostas de nove empresas, dentre as 13 que colocaram planos de opções para votação. As propostas não informavam quantas ações faziam parte do plano, se este podia representar excessiva diluição para os acionistas, ou se estava relacionado a um critério de performance.

Os consultores reclamam da escassez generalizada de informações sobre remuneração no Brasil. A Glass Lewis prefere nem formular recomendações aos seus clientes nesse tema. Apresentou, este ano, indicações de voto em apenas 3% das propostas. Já a RiskMetrics costuma votar a favor, mas também critica a falta de informação. A consultoria analisa o montante global a ser oferecido e compara a evolução nos dois anos anteriores em relação aos pares da companhia. “Só recomendamos o voto contra se essa diferença for muito gritante”, explica Patrícia.

Esse é um ponto que os consultores esperam que a “nova 202” — alcunha da instrução da CVM sobre registro de emissores, que está em reforma na autarquia — possa resolver. De acordo com a proposta inicial da minuta, a remuneração da administração passaria a ser divulgada de forma individual — e não mais como um montante global —, com detalhamento das parcelas fixa e variável. Também previsto na nova regra, o manual de assembleia é esperado com igual ansiedade pelos consultores de voto. O documento deverá apresentar todas as propostas para a reunião e as justificativas da administração para cada item. Nos Estados Unidos, esse manual, chamado de proxy statement, é obrigatório desde 1934. A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil e detentora de participação em várias empresas, recomenda, desde 2007, que suas investidas forneçam o material.
A adoção voluntária no País, entretanto, ainda é tímida: menos de duas dezenas de companhias possuem o manual, segundo levantamento da seção Pratique ou Explique, da capital aberto. Realizada em maio, a pesquisa considerou como amostra as 80 companhias mais líquidas da Bolsa.

EMPECILHOS VOLUNTÁRIOS — Se algumas barreiras ainda carecem de mudanças regulatórias para serem transpostas, outras persistem, a despeito de o regulador ter permitido sua remoção. A exigência da notarização e da consularização dos documentos entregues por acionistas estrangeiros é uma delas. A notarização é semelhante ao reconhecimento de firma, mas exige que o investidor assine a procuração na frente de um escrivão público (notário), para conferir sua autenticidade. A consularização é outro processo de legitimação, conferido pelo consulado brasileiro.

Em junho do ano passado, a CVM foi consultada a respeito do tema. No voto do diretor Sergio Weguelin, concluiu que, à luz do Código Civil e da Lei das S.As., a consularização dos documentos não é prevista em nenhum momento. “Assim, a companhia poderá, a seu critério, dispensar o reconhecimento de firma e a consularização…”, diz o parecer.

Algumas empresas, como Itaú e Paranapanema, já dispensaram a notarização e a consularização. Mas muitas ainda as requerem, como é o caso da Lojas Renner. O apego ao procedimento soa estranho, principalmente quando lembramos que a Renner é a primeira companhia brasileira a ter o capital disperso na bolsa, o que deveria fazê-la estimular ao máximo a participação do acionista em suas assembleias. Além do mais, a companhia possui 80% de sua base acionária composta de estrangeiros.

A resposta para a contradição tem a ver justamente com a pulverização de capital da rede gaúcha de varejo. “Nessa realidade, em que as decisões são tomadas por muitos investidores, precisamos nos certificar de que o voto está sendo exercido por quem detém esse direito”, diz Paula Piccinini, gerente de relações com investidores (RI). A Cremer, que também exige os dois processos de validação no exterior, apresenta justificativa semelhante. Em nota de sua assessoria de imprensa, diz que “(com a notarização e a consularização) diminui-se o risco de que a validade da decisão de uma assembleia seja posta em causa por um acionista dissidente”.

Apesar de todas as dificuldades, os proxy advisors preveem melhoras para a temporada de assembleias de 2010, quando a “nova 202” estará em vigor. A expectativa é que, com mais exigências de divulgação de informações, os estrangeiros se animem a participar dos encontros de acionistas. “O ano que vem deverá ser de trabalho dobrado”, prevê Patrícia.


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