Durante um longo período (2002 a julho de 2010), o parágrafo 1º do art. 115 da Lei das S.As. sofreu enorme agravo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Em síntese, o órgão só reconhecia o impedimento formal do acionista de votar nas seguintes matérias: avaliação dos bens entregues para a formação do capital social; e aprovação de contas como administrador e de negócios que lhe trouxessem benefício particular. Era admitido, porém, o voto do acionista em assembleias-gerais que deliberassem sobre contratos de partes relacionadas firmados com a sociedade. O entendimento, nesse caso, era de que a lisura da transação deveria ser verificada a posteriori.
Essa longa noite de trevas jurídicas foi dissipada por força do processo sancionador CVM RJ2009/13179, julgado em 9 de setembro de 2010, quando o órgão respondeu a “consulta sobre o impedimento de voto do acionista controlador na assembleia que deliberar sobre transação com parte relacionada à companhia”. Na ocasião, o colegiado da autarquia concluiu que o acionista majoritário da Tractebel Energia não poderia participar da decisão que aprovaria um contrato entre a companhia e outra empresa do grupo controlador. Nem a criação de um comitê especial independente bastaria para eliminar o conflito de interesses presente na negociação.
A decisão redime a CVM de um errático entendimento sobre a matéria. Afinal, ao se exigir a ocorrência de prejuízo à companhia para a configuração de “interesse conflitante”, usa-se um conceito jurídico ocioso, dispensável ante a proibição geral ao abuso de direito de voto, prevista no art. 115 da Lei das S.As. Com efeito, se o voto com o fim de causar dano já é vetado pela lei em razão do seu caráter abusivo, seria totalmente supérflua a previsão, no parágrafo 1º desse dispositivo, de um conflito de interesses que, do mesmo modo, só se configuraria quando identificado o prejuízo ao interesse social. Se assim fosse, a lei teria consagrado unicamente a proibição do abuso de direito de voto. Por essa razão, essa interpretação me parece pouco coerente.
Outra fragilidade de tal visão, agora suprimida pela CVM, está em uma interpretação incongruente do parágrafo 1º do art. 115. Para se adotar a posição do chamado conflito substancial (ou material), seria necessário admitir a heterogeneidade do comando contido nesse preceito legal. Isto é, depois de enunciar sucessivamente três hipóteses de proibição de voto, a lei teria introduzido regra de natureza totalmente diversa: estabelecendo a sanção posterior ao voto, se exercido em contradição ao interesse da companhia.
É flagrante que o fato de o acionista ser a contraparte da companhia legitima o questionamento a priori sobre seu impedimento para avaliar, à luz do interesse social, se devem ser aprovados a transação, o preço e os demais termos submetidos à assembleia. Desse modo, se a lei proibiu, de maneira inquestionável, o acionista de deliberar, por exemplo, sobre o laudo de avaliação de seus bens, é necessário concluir que da mesma maneira ele não pode votar na deliberação que aprovar contrato celebrado entre ele e a companhia.
A propósito, tal raciocínio não se aplica exclusivamente ao acionista, mas, igualmente, ao administrador que tiver interesses conflitantes com o da companhia (art. 156). Esse agente é a corporificação da própria companhia, e tal identidade o torna formalmente impedido de votar nessa situação. Seria incoerente admitir que membros do conselho de administração, por exemplo, não estivessem impedidos a priori de votar em condições de flagrante incompatibilidade entre seus interesses e os da companhia.
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