Primeiros reparos
Recém-saído do forno, novo código de autorregulação ABVCap/Anbima poderá sofrer alterações em breve

, Primeiros reparos, Capital AbertoEspecialistas gostam de afirmar que a boa governança não representa um fim em si mesma, mas um processo contínuo de evolução. Essa talvez seja uma das melhores frases para descrever o que acontecerá com o novo código de autorregulação do setor de private equity e venture capital, lançado em março. Apesar de ter acabado de nascer, o código de regulação e melhores práticas para a indústria de fundos de investimento em participações (FIPs) e fundos de investimento em empresas emergentes (FIEEs), elaborado pela Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCap) e pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), já tem em estudo algumas alterações em suas regras. Segundo Luiz Eugenio Figueiredo, sócio da Rio Bravo Investimentos e vice-presidente da ABVCap, cinco aspectos do código estão sendo revisitados.

“Se fôssemos debater todos os pontos para criar um código, não iríamos lançá-lo nunca. O importante é tirar do papel e depois fazer o documento crescer”, afirma. O principal ponto a ser discutido — e o único que Figueiredo concordou em revelar —, é o que se refere aos conflitos de interesses. O tópico foi um dos mais criticados no novo código, por ter sido abordado de forma genérica. No inciso V do art. 7º, em que constam os princípios gerais do documento, o código estabelece simplesmente que as instituições participantes devem “adotar política de prevenção e gestão de conflito de interesses, com previsão de full disclosure aos cotistas sobre situações que possam afetar a independência e a imparcialidade de atuação do gestor”. Para o profissional de uma gestora carioca de private equity, que preferiu não se identificar, é inadmissível que um código de melhores práticas não considere os conflitos de interesses de forma mais detalhada. “Lá fora, todos os códigos tratam o tema com profundidade. Por que aqui não?”, questiona.

O código da Associação Europeia de Private Equity e Venture Capital (EVCA), por exemplo, especifica a situação do potencial conflito de interesses quando o gestor de um fundo está diretamente envolvido em empréstimos ou investimentos em uma companhia do portfólio. “O fundo deve divulgar tudo o que for do seu conhecimento sobre sua relação com a companhia, seus acionistas, diretores e funcionários”, diz o documento europeu. Já nos Estados Unidos, o código da Associação Nacional de Venture Capital (NVCA) estabelece que a instituição gestora que oferecer outros tipos de serviços a empresas investidas não deve se aproveitar de forma inadequada de sua posição.

Para o vice-presidente da ABVCap, é justamente nesse ponto — a prestação de serviços a companhias investidas — que os estudos de reformulação do código brasileiro devem aprofundar o tratamento dos conflitos de interesse. “Quando uma instituição que administra um fundo vier a prestar serviços de consultoria de M&A a uma empresa da carteira desse fundo, deverá dar full disclosure a isso”, exemplifica.

Outra reclamação de um gestor que pediu para não ser identificado é quanto à falta de uma orientação no código sobre o cálculo da taxa de performance. No tempo de maturação, há gestores que mensuram o rendimento em bases anuais, enquanto outros, em termos mensais. Essa discrepância, observa o gestor, dificulta uma comparação objetiva dos retornos. “O código deveria estabelecer um parâmetro comum para todos os fundos. Isso aumentaria a comparabilidade entre os produtos e proporcionaria mais segurança aos investidores”, comenta. Na opinião de Figueiredo, a ABVCap vem abordando o tema por vias mais adequadas. “Este ano, a associação deve emitir um parecer técnico sobre isso. É um assunto que rende melhores resultados em discussões amplas do que em um código”.

BANCO DE DADOS — Se em alguns tópicos o código sofreu questionamentos, em outros foi muito bem avaliado. A começar pelo estabelecimento dos níveis de governança dos fundos. Conforme o regramento, os fundos são classificados em três categorias: aqueles em que o comitê de investimentos é formado, em sua maioria, por representantes dos cotistas estão no Nível 1. Nesse tipo de fundo, a adoção de um conselho de supervisão é facultativa, uma vez que não há necessidade de ratificação das decisões tomadas por cotistas. No Nível 2, classificam-se aqueles em que a maioria do comitê de investimentos é formada por representantes da gestão ou da administração do fundo. Nesse caso, a existência do conselho de supervisão é obrigatória. Os fundos do Nível 3 não possuem comitê de investimentos, enquanto a instalação do conselho de supervisão é facultativa.

O tópico sobre conflito de interesses foi um dos mais criticados, por ter sido abordado de forma genérica

Na visão de Marco Pisani, advogado do Pátria Investimentos, a classificação dos fundos gera uma base de dados importantíssima. “Ficará clara para o mercado a distribuição de nossos fundos em termos de governança. Com o passar do tempo, veremos como o mercado evoluirá, sendo possível traçar tendências para o futuro”, pondera. Os padrões estabelecidos pelo código também tendem a facilitar a vida dos investidores, em especial daqueles com menos recursos. Há, no País, mais de 300 fundos de pensão, dos quais apenas 20, aproximadamente, aplicam no setor de private equity e venture capital. “Queremos que o restante também invista. Os fundos de pensão pequenos não têm estrutura para estudar a fundo o mercado, nem para acompanhar os diferentes ativos em que investem. O selo ABVCap/Anbima dará muito mais segurança a eles”, garante Figueiredo.

PARTICULARIDADES À MOSTRA — Em 2009, quando discutia o conteúdo do documento, a ABVCap colocou, na exposição de motivos, que o Nível 2 viabilizaria a entrada de novos investidores no Brasil. De acordo com a associação, a realidade do mercado brasileiro é vista por muitos como uma anomalia, porque, diferentemente do que ocorre no resto do mundo (onde o comitê de investimentos é constituído somente por gestores), aqui é comum a presença de cotistas nos comitês. “Muitos investidores estrangeiros se incomodam em investir em private equity no Brasil, pois não querem que a decisão seja do cotista”, alerta Pisani, do Pátria. Figueiredo esclarece, no entanto, que a intenção com o código não foi mudar a prática do mercado, mas sim dar transparência sobre ela.

A questão está longe de uma solução. Estimativa da consultoria RiskOffice aponta que os principais fundos de pensão, que possuem mais de R$ 7 bilhões alocados no setor, não pretendem abrir mão dos assentos nos comitês de investimento.

A Previ, fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, sinaliza a possibilidade de abdicar da presença nos comitês apenas em algumas situações. “É possível que isso aconteça se o gestor apresentar um track record positivo de retorno dos investimentos e quando o fundo já tiver comprometido a maior parte dos recursos”, declarou Renê Sanda, diretor de investimentos da Previ, no Congresso da ABVCap realizado nos dias 11 e 12 de abril. “Mas essa é uma decisão que deve ser tomada em conjunto por todos os fundos de pensão”, ressaltou.

Do lado dos gestores, a rejeição à presença dos cotistas não é tão grande quanto se possa imaginar. O sócio de uma firma de private equity que preferiu se manter no anonimato conta que, apesar de preferir comitês formados apenas por gestores, vê o caso brasileiro como uma curva de aprendizado. “A indústria de private equity no Brasil é muito nova, e esse relacionamento de gestores com cotistas no comitê ajudou demais na evolução das duas partes”, opina. Embora essa aproximação nem sempre ocorra sem dor, os benefícios, muitas vezes, superam os aspectos negativos. “É verdade que, às vezes, eles nos pedem relatórios desnecessariamente detalhados, mas sempre nos ajudam em apresentações e negociações”, acrescenta. A curva de aprendizado, sem dúvida, é uma característica dessa indústria em crescimento no Brasil. O código de autorregulação é um dos melhores exemplos disso.


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