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Ordem no ringue
Compra da GVT pelo grupo Vivendi mostra que regras precisam evoluir para dar conta de disputas por aquisição de controle

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A Vivendi surpreendeu o mercado no dia 13 de novembro, ao anunciar que se tornara dona de ações e direitos de compra que, se exercidos, lhe dariam uma participação total de 57,5% no capital da GVT, empresa de telecomunicações listada na BM&FBovespa. Conforme prevê a lei para casos de alienação de controle, a companhia francesa do setor de telecomunicações e entretenimento se obrigou a fazer uma oferta pública de aquisição (OPA) aos acionistas minoritários da GVT pagando os mesmos R$ 56 por papel entregues aos controladores Global Village Telecom, Swarth Investments e Swarth Investments Holdings. O preço foi melhor que o apresentado pela espanhola Telefonica, que esperava um leilão no dia 19 novembro para tentar adquirir o controle da GVT, desembolsando R$ 50,50 por ação. O leilão acabou não reunindo a quantidade de ações necessária para a sua realização (51% do capital total), pois a proposta da Vivendi era, sem dúvida, mais interessante. A vitória da Vivendi pode ter sido boa para os acionistas. Mas há dúvidas se o modo como a francesa agiu é o melhor para o desenvolvimento do mercado como um todo.

, Ordem no ringue, Capital AbertoProcurada pela CAPITAL ABERTO, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não concedeu entrevista, em razão das investigações ainda em andamento sobre a operação. É certo, porém, que o regulador vai debater neste ano a reforma da Instrução 361, que trata das OPAs. Algumas táticas permitidas por aqui são enfrentadas de maneira distinta em jurisdições com mais experiência em OPAs. “Se estivesse comprando uma empresa na França, em seu próprio país, jamais a Vivendi teria se comportado assim”, dispara o advogado Modesto Carvalhosa, sócio do escritório Carvalhosa e Eizirik Advogados, sem esconder a revolta com a operação.

LIVRE NEGOCIAÇÃO — Para o jurista, por mais que a Vivendi aparentemente tenha respeitado as regras vigentes, ela se aproveitou de pontos em que a regulamentação é pouco clara, para não dizer omissa. Um deles é a negociação das ações alvejadas por uma OPA. O artigo 263 da Lei 6.404 diz que a CVM poderia expedir normas que disciplinem a compra e venda desses papéis durante a oferta anunciada. Como o regulador nunca emitiu regras sobre esse ponto, uma interpretação liberal da lei leva a crer, portanto, que qualquer um pode comprar, em negociações privadas ou em bolsa, o controle de uma companhia que está sendo alvo de uma OPA e assim frustrar os planos do ofertante.

Numa leitura mais restritiva do arcabouço regulatório, tal manobra poderia ser contestada. Luiz Leonardo Cantidiano, ex-presidente da CVM e sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados, argumenta que, por princípio, um segundo interessado nas ações-objeto de uma OPA deve manifestar seu intento por meio de uma OPA concorrente, um mecanismo previsto pelo artigo 262 da Lei das S.As. e regulamentado pela Instrução 361. “Quando um investidor faz uma OPA por ações que estão pulverizadas no mercado sai de uma ‘sala’ e vai para outra”, compara. “Quem quiser competir com ele tem de seguir as mesmas regras do jogo.”

Mas, enquanto não houver uma regulamentação mais assertiva sobre isso, há riscos de que a brecha seja explorada, como o fez a Vivendi. A companhia tinha manifestado, em 8 de setembro, a intenção de comprar o controle da GVT, antes da proposta aberta pela Telefonica. O valor indicado naquele primeiro momento era de R$ 42 por ação. Quando a Telefonica entrou na disputa com um preço melhor, de R$ 48, elevado posteriormente para R$ 50,50, a Vivendi permaneceu em silêncio, mas o mercado contava com uma contraproposta. A surpresa foi ela não ter vindo na forma de uma OPA. “A operação tornou ‘letra morta’ a oferta concorrente prevista na regulamentação”, lamenta Adriana Pallis, sócia do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, que assessorou a Telefonica na formulação de sua OPA pela GVT.

Adriana lembra que um dos objetivos da existência da oferta concorrente é permitir que dois ou mais compradores disputem, em condições equitativas, o controle de uma companhia. Os acionistas seriam beneficiados ao receberem o melhor preço possível. Mas a advogada acredita ser necessário que a CVM esclareça seu entendimento sobre uma questão ligada a esse embate. O parágrafo primeiro do artigo 261 da Lei das S.As. faculta ao ofertante melhorar o preço uma vez. Já a Instrução 361, ao falar de ofertas concorrentes, não traz essa limitação. O parágrafo terceiro do artigo 13 da instrução diz que tanto o ofertante inicial quanto o concorrente podem aumentar os valores “quantas vezes julgarem conveniente”.

JEITO DE OFERTA — Cabe lembrar que a Telefonica não é exatamente uma vítima dessa situação. A companhia sabia que, se quisesse, poderia, assim como a Vivendi, comprar ações da GVT diretamente em bolsa, mesmo com a oferta pública em aberto. Por algum motivo, contudo, acreditou que a estratégia da OPA seria mais eficaz. Essa liberdade para negociar ações suscita uma reflexão. Nos Estados Unidos, por exemplo, um ofertante não pode comprar paralelamente papéis da companhia-alvo enquanto a oferta estiver em curso. Lá tanto a Telefonica como a Vivendi estariam proibidas de comprar ações fora do âmbito da OPA. Isso porque a proposta inicial apresentada pela francesa em 8 de setembro muito provavelmente também seria considerada um anúncio de oferta pública nos Estados Unidos. No Reino Unido, não há nenhuma proibição nesse sentido, desde que as condições de compra sejam depois estendidas a todos os acionistas.

Os modelos norte-americano e britânico de regulação de OPAs apontam alguns caminhos que poderemos seguir no futuro, lembra Maria Isabel Bocater, sócia do Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados. Um deles refere-se às instâncias de aprovação para que uma oferta pública siga adiante. Enquanto, no Brasil, não há qualquer obrigação nesse sentido, nas companhias norte-americanas a operação depende de aprovação dos administradores da companhia-alvo. Quando eles a rejeitam, a oferta até pode se efetivar, mas de forma hostil, fazendo uma campanha para trocar o conselho de administração. No Reino Unido, a deliberação é de responsabilidade da assembleia-geral de acionistas. Não que os ingleses deixem que a avaliação das condições de uma oferta fique completamente por conta dos investidores. Nesse mercado, existe o Takeover Panel, órgão responsável por garantir que todas as operações sejam conduzidas de forma equitativa. O chamado Comitê de Fusões e Aquisições (CFA), cuja implantação vem sendo discutida no Brasil, é inspirado nesse sistema.

Operação da Vivendi levantou suspeitas

A forma como comunicou ter atingido uma participação de controle na GVT deixou a Vivendi sob suspeita de ter publicado uma informação errada. No dia 13 de novembro, a francesa informou que atingira 37,9% de participação direta no capital total da GVT. Os acionistas Swarth Investments, Swarth Investments Holdings e Global Village Telecom, que formavam um bloco de controle, lhe venderam 29,9% do capital por R$ 56, e os 8% restantes foram adquiridos de terceiros (não revelados no fato relevante). Somada a aquisição do direito de compra de outros 19,6% da GVT, a participação da Vivendi subiria para 57,5%, após o exercício dessas opções de ações. Como consequência disso, a Vivendi informou que faria uma oferta pública obrigatória pelas demais ações, ao mesmo preço pago pelo controlador, conforme prevê o artigo 254-A, da Lei das S.As.

A CVM implicou com os 19,6%. Desconfiando que a contraparte da Vivendi nessas opções não tinha capacidade financeira de honrar o contrato, pediu explicações à companhia. A empresa demorou até o dia 30 de novembro para dizer que sua contraparte era o fundo inglês Tyrus Capital. Não satisfeito, o regulador indagou qual era a natureza dos direitos detidos pelo fundo sobre ações da GVT. Em 1º de dezembro, a Vivendi limitou-se a responder que foi informada pelo Tyrus de que o fundo teria plena propriedade sobre as ações na data de entrega dos papéis. Além disso, a Vivendi acrescentou que não tinha “legitimidade para manifestar-se sobre direitos de terceiros”, como Tyrus. O mistério sobre esses contratos mobiliza, além da CVM, investigações no Ministério Público e até no Senado.

Alguns investidores também suspeitam que a Vivendi vinha comprando ações da GVT por meio de outros fundos antes do dia 13. Caso isso fique comprovado, a companhia terá de ressarcir qualquer investidor que tenha vendido para ela ações por menos de R$ 56 no período de seis meses antes da data de alienação de controle, conforme prevê o estatuto da GVT. (D.G.)


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