Os donos estão de volta. Depois do intenso processo de terceirização da gestão em companhias familiares nos últimos anos, o movimento se inverte bruscamente. Em apenas dois meses, os executivos Mario Antonio Bologna, da construtora WTorre; Fernando Terni, da cervejaria Schincariol; e João Pinheiro Nogueira Batista, do frigorífico Bertin, deixaram os cargos de presidente executivo. Os três foram substituídos pelos tradicionais membros das famílias controladoras dos negócios. A justificativa, em todos os casos, também foi a mesma: a crise financeira internacional. “A economia e o mercado enfrentam um momento de grande volatilidade. Por isso resolvemos estar mais próximos do dia-a-dia dos negócios. Só nós podemos nos responsabilizar por uma gestão mais rápida”, afirmou em comunicado oficial o acionista Adriano Schincariol, que voltou para o comando de sua cervejaria. O argumento, com outras palavras, foi usado nas declarações públicas do engenheiro Walter Torre, fundador da construtora; e por Fernando Antônio Bertin, dono do frigorífico, que também retornaram para a administração das suas empresas.
“Em tempos de incerteza, o acionista sente rapidamente o impacto no bolso e prefere não correr riscos. Ele próprio quer tomar conta do caixa”, afirma Renato Bernhoeft, presidente da Bernhoeft Consultoria Societária. O apego do dono na hora do aperto econômico não é coisa só de brasileiro. Na primeira quinzena de janeiro, pelo menos três companhias americanas familiares — a Bebe Stores Inc., a Pilgrim’s Pride Corporation e a Borders Group — dispensaram seus executivos do cargo de presidente. As posições foram assumidas pelos fundadores ou presidentes dos conselhos de administração.
A crise traz à tona problemas estruturais das companhias familiares que ficaram debaixo do tapete nos tempos de bonança. No caso das empresas nacionais, as falhas podem estar justamente no processo de profissionalização. “Muitas empresas brasileiras estavam despreparadas”, diz o consultor Bernhoeft. Agora fica claro que vários executivos foram contratados por motivos errados. A perspectiva de abrir o capital e conquistar novos investidores levou companhias como WTorre e Bertin a investir na boa imagem para ganhar o mercado. Para isso, colocaram um executivo profissional no comando. Mas uma atitude isolada como essa não basta. “A gestão profissional tem de ser resultado de um conjunto de práticas de boa governança corporativa”, explica o consultor René Werner, especialista em empresas familiares. Com as portas da bolsa de valores fechadas para novas empresas, o cargo executivo, nessa situação, perde o sentido. “Era uma profissionalização de fachada.”
“Liderar uma companhia familiar nesse cenário é uma missão árdua”, afirma Batista, ex-presidente da Bertin e primeiro executivo na história de 30 anos da empresa familiar. É preciso tomar medidas duras, como cortes de despesas e de pessoal, seguindo a meritocracia. Muitos controladores não resistem ao modelo. “O retorno ao poder, quando motivado pelo nervosismo ou pelo medo, torna-se mais um erro dos controladores”, diz o professor Peter May, especialista em negócios familiares da escola suíça Institute for Management Development (IMD). A companhia, acrescenta May, não fica em um ambiente mais seguro só porque está sob o controle familiar. Essa pode ser uma mera ilusão. A crise não poupa ninguém.
Quem já viveu a experiência sabe como isso funciona. “Com as diretrizes bem determinadas, uma crise financeira internacional não justifica mudanças na diretoria”, afirma a acionista Janete Zen, integrante do conselho da Indústria Metalúrgica Zen. “Vimos que contratar um gestor de fora é apenas um detalhe. O importante é profissionalizar a administração, seja com um presidente da família ou não”, conclui. Há dois anos, a companhia teve um executivo externo na presidência, mas a contratação não deu certo. “Ele fez tudo direito, mas a família não estava preparada e precisou voltar para o comando”, revela. Desde então, a Zen trabalha firme para implantar melhores práticas de governança, com a criação do conselho de família, regras de transparência e um código de ética.
O modelo de gestão compartilhada é uma saída para as companhias de controle familiar que buscam se profissionalizar. “A experiência do dono pode ser complementada por um gestor terceirizado”, acredita Werner. Os controladores do grupo Hospital Nossa Senhora de Lourdes provam que a estratégia dá mais segurança em períodos de instabilidade. “É uma forma de participar das decisões mais importantes”, conta o diretor e administrador hospitalar Fábio Sinisgalli, filho do fundador. Na holding controladora, toda a gestão é feita pela família. E, nas dez subsidiárias do grupo — plano médico, centro de diagnóstico, escola de enfermagem e lavanderia hospitalar, dentre outras —, o cargo de presidente é ocupado por um profissional especializado na área. Esses gestores também são sócios dos negócios. “A governança garante transparência e atrai parceiros”, observa Sinisgalli. O modelo também agradou os investidores. O hospital captou cerca de R$ 68 milhões por meio de um fundo imobiliário.
Muitos profissionais foram contratados por motivos errados. A perspectiva de abrir o capital levou companhias a investir na imagem
ESCOLHA CERTA — Nem toda troca de comando das empresas familiares em momentos de crise é um erro. No auge da crise econômica de 2002, também houve uma dança de cadeiras no comando das companhias mundo afora, e algumas iniciativas foram muito bem-sucedidas. O retorno de um Ford para a presidência da montadora de carros virou exemplo clássico. A gestão de Bill Ford, neto do fundador William Clay Ford, partiu de um prejuízo de US$ 1,1 bilhão no primeiro trimestre daquele ano para um lucro de US$ 896 milhões no mesmo período de 2003. “A volta do controlador pode reforçar o compromisso da companhia com o mercado e os colaboradores”, exemplifica o consultor Bernhoeft.
Há outros motivos para o retorno do dono. A falta de crédito e o baixo crescimento exigem muita competência do gestor. Por isso, a crise pode ser um momento propício para dispensar um executivo que se provou pouco experiente ou que tenha sido escolhido considerando-se os tempos de calmaria. “Nem todas as empresas que profissionalizaram a gestão tiveram a sorte de mudar para melhor”, diz o professor May, da IMD.
Acertada ou não, a dispensa de executivos se tornou uma tradição nas crises financeiras. “As trocas dos cargos de CEO dobram nos períodos de depressão”, afirma o professor Dirk Jenter, assistente da escola de negócios da Stanford University. Em 2008, do total das empresas que compõem o índice Standard & Poor’s 500 (que reúne 500 companhias), 61 mudaram de presidente, contra 56 em 2007. Neste ano, o número promete dar um salto. Apenas nos dez primeiros dias de janeiro, seis CEOs de companhias, familiares ou não, foram demitidos nos Estados Unidos.
Por aqui, os executivos de subsidiárias de empresas estrangeiras também tiveram um começo de ano tumultuado. Os controladores resolveram desembarcar para assumir a liderança dos negócios nacionais. Na operadora de celular TIM, o brasileiro Mario Cesar Pereira de Araujo saiu da presidência executiva. O posto foi assumido pelo italiano Luca Luciani, representante direto do grupo Telecom Italia, controlador da companhia. Os colombianos chegaram para assumir sua controlada, a brasileira Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP). O brasileiro José Sidnei Colombo deixou a presidência para César Augusto Ramírez, membro do conselho de administração da CTEEP e diretor de estratégia do grupo controlador, a Isa, líder no setor de energia na Colômbia.
O movimento dos presidentes em janeiro mudou o cenário corporativo brasileiro. Há apenas três meses, havia uma guerra de talentos para o alto escalão corporativo. A profissionalização das empresas familiares, o crescimento das subsidiárias e o surgimento de novas unidades de negócio tornaram raros os bons CEOs. “Agora já começamos a ver muita gente qualificada disponível no mercado”, afirma Marcelo Ferrari, consultor da Mercer, empresa especializada em gestão de recursos humanos.
A dança das cadeiras entre os presidentes ficará ainda mais intensa. “A pressão dos acionistas, controladores ou não, aumenta com a turbulência econômica”, assegura Ferrari. A próxima fase das mudanças de comando será focada no desempenho. “É fácil apresentar resultados num cenário de crescimento. Já na depressão, são poucos os que esbanjam competência”, completa. Nessa hora, é comum o executivo financeiro subir na hierarquia da empresa, substituindo os líderes mais conhecidos. “Saem os presidentes comerciais e entram aqueles que sabem controlar as despesas.”
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