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O preço da mão de obra
No formulário de referência, as contingências trabalhistas estão mais claras, assim como os riscos que elas trazem para as companhias

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A mão de obra tem custado caro para empresas de construção civil, não só pela falta de pessoal, mas também por ações judiciais envolvendo trabalhadores. Em 31 de dezembro de 2011, a Gafisa tinha R$ 39,8 milhões em provisões para a cobertura de processos judiciais de cunho trabalhista, volume 67,2% superior ao de 12 meses antes. O passivo poderia ser irrelevante para uma companhia com forte geração de caixa, mas é um peso extra para a construtora e incorporadora que, em 2011, teve prejuízo de R$ 945 milhões e lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) negativo em R$ 339 milhões. Disponíveis em notas explicativas de demonstrativos financeiros, números como esses eram quase tudo a que investidores tinham fácil acesso sobre pendências trabalhistas das companhias abertas brasileiras. A partir de 2010, porém, com a divulgação obrigatória do formulário de referência (FR), uma nova gama de informações se abriu, permitindo a formação de um quadro muito mais completo sobre a natureza da relação entre empresas e empregados — e os riscos inerentes a essa temática.

A publicação do FR é exigida pela Instrução 480 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que lista as obrigações de prestação de contas de companhias abertas. A seção 14 do documento se dedica a destrinchar os recursos humanos da S.A. Nela, além de escrever sobre número de terceirizados, empregados diretos, índice de rotatividade e relacionamento com sindicatos, as companhias precisam detalhar sua exposição a passivos e contingências trabalhistas. Mais especificamente sobre este último ponto, várias têm preferido falar na parte do formulário voltada a fatores de riscos (no item processos não sigilosos relevantes). Desse modo, os interessados podem descobrir não somente os montantes provisionados para os casos de perda provável, algo já informado pelos balanços, como também as razões dos processos trabalhistas, muitos dos quais ainda nem geraram reservas.

No FR da Gafisa relativo ao exercício de 2010 (o de 2011 tem prazo até 31 de maio para ser divulgado), fica claro que várias das ações judiciais contra a empresa movidas por trabalhadores são típicas do setor. Em 31 de dezembro daquele ano, a companhia figurava como ré em 2.789 processos de cunho trabalhista. Desses, consta no texto do formulário, “86% foram propostos por empregados de empresas terceirizadas”. A alegação de vínculo empregatício por profissionais dessa indústria é comum. Não raro, a Justiça dá razão à queixa. Há uma súmula que considera ilegal terceirizar funcionários para a atividade–fim.

Um dos processos mencionados é uma ação civil pública aberta pelo Ministério do Público do Trabalho (MPT) em Goiânia (GO), questionando a terceirização de funcionários como pedreiros, serventes, pintores, etc. Procurada pela CAPITAL ABERTO, a Gafisa informou que “o assunto ainda está sub judice e que, dessa forma, se reserva no direito de se manifestar somente no processo”. Outras ações contra a empresa dizem respeito a segurança e medicina do trabalho e indenizações por danos morais coletivos.

CONDIÇÕES PRECÁRIAS — Na Direcional Engenharia, os 396 processos trabalhistas reconhecidos no fim de 2010 englobavam questões sobre pagamento de verbas rescisórias, horas extras, desvios de função e danos morais por acidentes, dentre outros. Os recursos guardados para eventuais perdas eram da ordem de R$ 2,4 milhões, 60% do valor estimado dos processos. A empresa também relatou ter assinado e estar cumprindo um termo de compromisso de ajustamento de conduta (TAC) firmado com o MPT em abril de 2010 contendo procedimentos para atender a normas de segurança e medicina do trabalho. Esse acordo, conforme a companhia, é uma resposta a uma denúncia anônima sobre “condições de trabalho supostamente inferiores às mínimas exigidas pela legislação trabalhista em obra desenvolvida em Porto Velho (AC)”.

Outra indústria que com frequência cai na malha fina das autoridades é a têxtil. A Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas) tem um exemplo. Em seu formulário de referência e no de sua controladora, a Springs, conta que, em 2007, fiscais do Ministério do Trabalho apuraram irregularidades nos serviços prestados pela Ambitec, contratada para prover lenha usada nas caldeiras de uma fábrica de Blumenau (SC). A companhia não deixa claro no FR quais seriam as infrações, mas dá a entender que estão relacionadas a condições de saúde e segurança do trabalhador. “Por entendimento equivocado da fiscalização, a Coteminas foi autuada na fiscalização”, indica o texto. Ainda assim, a empresa disse ter corrigido todos os problemas detectados e assumido diretamente a gestão da extração de madeira. E esclareceu que um eventual julgamento desfavorável provocaria o vencimento antecipado de empréstimos mantidos com o Banco do Brasil e o BNDES.

As empresas têm razão em não dar a condenação como certa nessas circunstâncias, mesmo que seja constatada a situação precária de trabalhadores contratados por empresas ligadas às companhias processadas. A adoção de TACs é crescente e, de acordo com especialistas, pode ser uma forma menos onerosa de encerrar pendengas, tanto para o Estado quanto para os réus. Foi o que fizeram os responsáveis pela grife de roupas Zara em um episódio de grande repercussão recentemente. Em agosto de 2011, três equipes da fiscalização do Ministério do Trabalho encontraram na zona norte de São Paulo imigrantes ilegais bolivianos que costuravam, em regime análogo ao de escravidão, peças para uma das fornecedoras da marca. Na época, a empresa alegou desconhecer o fato.

Naquela semana, as ações da espanhola Inditex, dona da Zara, fecharam com queda de 4% na Bolsa de Madri, enquanto o mercado fazia contas para medir qual seria o impacto nas vendas do vínculo entre a marca global e o trabalho escravo. Em dezembro, a Zara e o Ministério Público do Trabalho assinaram um TAC. No acordo, a empresa se comprometeu a reforçar o sistema de auditoria de fornecedores e a realizar investimentos sociais de R$ 3,4 milhões. O valor é 80% menor que o primeiro solicitado pelo MP.

MPT acionou o Cade argumentando que práticas trabalhistas da MRV causam concorrência desleal

PERDA CALCULÁVEL — Desfechos como esses ajudam a entender por que muitos investidores de bolsa não se alarmam com questões trabalhistas. Afinal, todas as pendências legais das companhias abertas são acompanhadas por auditores e advogados e são classificadas, dependendo do andamento das ações e do entendimento do Judiciário sobre determinados assuntos, em três níveis de risco: provável, possível e remoto. Para a primeira categoria, as companhias são obrigadas a constituir provisão, o que traz certa transparência e conforto para os acionistas. Se a questão representar pouco do valor de mercado da companhia (menos de 5%, normalmente), a tendência é de a informação não ser considerada, pois as oscilações habituais de preços das ações na Bolsa diluem o efeito da “descoberta” de um novo passivo.

O fato é que, de uns tempos para cá, se consolidou o entendimento de que uma companhia assume compromissos de responsabilidade social que envolvem toda a sua cadeia de valor. A instabilidade desse compromisso pode implicar uma menor rentabilidade futura, também decorrente de um desgaste de imagem. A tendência, no Brasil e no mundo, é de aumento das cobranças dos investidores por práticas de sustentabilidade. E as autoridades públicas, em sintonia com os novos tempos, também têm inovado o seu cardápio de coação.

Um exemplo: em ação inédita, o MPT enviou uma representação contra a construtora MRV para o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em março. Seu argumento era que as práticas trabalhistas da empresa, contra a qual há denúncias de propiciar condições análogas à escravidão, estão sendo usadas como instrumento de concorrência desleal. O MPT pede que a empresa seja multada em até 30% do faturamento do ano anterior. O procurador Rafael de Araújo Gomes, autor da representação, diz que o Cade já aceitou, “em abstrato, a tese de que determinadas práticas trabalhistas podem configurar abuso de poder econômico e servir como instrumento de concorrência desleal”. O que não quer dizer, ele mesmo pondera, que o Cade considere esse o caso da MRV. O conselho ainda não apreciou a ação.

Na acusação, Gomes traça um paralelo entre o aumento das ações trabalhistas e o crescimento da rentabilidade da companhia, uma das principais operadoras no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida. Os analistas ouvidos pela reportagem consideram, porém, remota a chance de o Cade aceitar a tese do MPT. Eles avaliam que o incremento de ações trabalhistas pode ser justificado apenas pelo aumento do número de obras.

Em sua defesa, a companhia negou todas as alegações propostas pelo Ministério Público. Em 31 de dezembro de 2011, a companhia era parte em 3.980 processos trabalhistas (judiciais e administrativos). Para 693 dessas ações, nas quais o risco de perda é provável, foram provisionados R$ 3,9 milhões, segundo o formulário de referência. Nesse texto, a MRV também afirma que todas as questões relacionadas a segurança e medicina no trabalho suscitadas são regularizadas no decorrer do processo.

De qualquer maneira, Gomes assegura que não era comum a prática de trabalho semelhante à escravidão na construção civil, mas que, de dois anos para cá, isso mudou. Ao fim e ao cabo, o recado do procurador é claro: o MPT continuará agindo e tendo como foco de atenção três setores: construção civil, sucroalcooleiro e têxtil. Nesses segmentos, no entendimento do MPT, são mais frequentes as situações em que a terceirização ocorreu com precarização do trabalho.

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