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O mistério das atas
Ainda é uma incógnita para os investidores o que se passa dentro das quatro paredes das salas de reunião dos conselhos de administração

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Os investidores da Magnesita estavam diante de um ponto de interrogação. O conselho de administração da companhia, composto de oito integrantes, aprovara um aumento de capital por maioria de votos — uma oferta primária de 30,7 milhões de ações —, mas com a dissidência de um membro: o conselheiro independente Fabio Alperowitch, sócio da Fama Investimentos, gestora que detém 7,45% do capital total. O porquê não se sabia. Na ata da reunião ocorrida em fevereiro, disponibilizada em forma sumária com o consentimento dos presentes, não havia detalhes. O conselheiro, procurado pela reportagem, também não pôde se manifestar. Estava obrigado a se calar diante do período de silêncio que envolvia a oferta de ações da empresa. O mercado ficou com a pulga atrás da orelha. E não era para menos. O episódio foi uma confirmação de que os conselhos de administração integrados por membros independentes ou indicados dos minoritários, apesar de serem uma vitória inequívoca da boa governança, têm benefícios limitados. É quase impossível saber como votam e o que argumentam os conselheiros vencidos nas deliberações.

A insuficiência das atas de reuniões de conselho é um problema para os minoritários. Torna-se uma barreira quando eles desejam acompanhar operações entre partes relacionadas e possíveis abstenções por razões de conflito de interesses, por exemplo. As discussões corriqueiras do dia a dia da companhia, sobre temas como gestão de riscos, controles internos e remuneração de executivos, também ficam foram do alcance dos acionistas. E mesmo nos casos em que é exigida pela legislação, a ata costuma ser um retrato breve e formal de decisões tomadas que em nada reflete o processo de discussão e argumentação pelo qual passaram os conselheiros.

OBSCURIDADE CONVENIENTE? — Quando se olha para trás, fica mais fácil enxergar os riscos de os acionistas ficarem alienados. “Não foram encontrados registros de discussão sobre a política financeira, operações de hedge ou assuntos ligados ao controle das operações financeiras nas atas de reunião do CA (conselho de administração), no período de julho a dezembro de 2007. Apenas na ata da reunião de 30/1/2008 registrou-se a revalidação das políticas financeiras, de crédito e de câmbio”, diz o trecho extraído da acusação que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) apresentou durante o julgamento de executivos da Sadia, em dezembro. O processo administrativo apurou a responsabilidade dos administradores diante dos pesados investimentos em derivativos exóticos que abalaram a companhia em 2008. Mesmo quando aderiu a uma política financeira altamente arriscada, portanto, o conselho de administração da Sadia não fez um registro da decisão em ata.

No escuro, também ficaram os minoritários do Banco Panamericano, que reviraram as atas da instituição financeira para saber o que os conselheiros deliberavam às vésperas do anúncio do rombo bilionário da instituição.

ASSUNTO DELICADO — As omissões encontram respaldo na legislação. Diz a Lei das S.As. que “serão arquivadas no registro do comércio e publicadas as atas de reuniões do conselho de administração que contiverem deliberação destinada a produzir efeitos perante terceiros”. A regra não é descritiva, mas parece claro que aprovações de aumento de capital, ofertas de ações e títulos de dívida, avaliações em caso de troca de ações e reformas de estatuto social estão incluídas na previsão. Não há exigências, contudo, para a abertura dos votos ou para a publicação das justificativas que levaram um conselheiro a dizer não a uma proposta. Em todos os casos, a ata pode ser arquivada de forma sumária.

A abertura concedida pela lei no caso dos conselhos de administração dá espaço para que as companhias não apenas deixem de divulgar as atas de algumas reuniões como, nos casos em que o documento é obrigatório, escolham quais informações apresentar. Isso é bom por um lado, uma vez que nem tudo o que é dito ou decidido entre as quatro paredes que cercam as reuniões de conselho deve vir a público. “Como investidor de uma companhia, não tenho interesse na divulgação de todas as reuniões, porque há questões estratégicas”, observa Pedro Rudge, sócio da gestora carioca Leblon Equities. Ao mesmo tempo, Rudge confirma a dificuldade de acessar informações sobre decisões relevantes. “É muito difícil acompanhar o desempenho de conselheiros independentes pelos documentos oficiais.”

Pelas atas é quase impossível saber como votam e o que argumentam os conselheiros vencidos nas deliberações

Para reduzir a desinformação, há quem defenda o enrijecimento das regras através da abertura de votos e da apresentação de argumentos dos dissidentes. “Os votos contrários são ainda mais importantes, porque alertam os acionistas para matérias que foram aprovadas sem a anuência do conselheiro que não tem vínculos com o controlador ou com a gestão da companhia”, defende Alexandre Di Miceli da Silveira, professor doutor da FEA-USP.

As abstenções também poderiam ser mostradas. Seria uma forma de a base acionária acompanhar se os conselheiros deixaram de votar nas pautas em que estavam em posição de conflito. A medida, argumentam seus defensores, não implicaria custos adicionais de divulgação ou mudanças complexas das regras. “Poderia ser uma exigência introduzida por meio da autorregulação, e as informações adicionais seriam veiculadas só na internet”, sugere Renato Chaves, ex-diretor de participações da Previ e estudioso das práticas de governança corporativa.

Atas obscuras das reuniões de conselho não são uma peculiaridade da governança local. Nos Estados Unidos, por exemplo, o sistema é semelhante ao adotado no Brasil. As atas de reunião de conselho que tenham deliberado questões relevantes, chamadas de decisões materiais, devem ser arquivadas na Securities and Exchange Commission (SEC). Também não há obrigatoriedade de abertura de votos ou apresentação de justificativa em caso de dissidência.

Transformar as atas em documentos mais amigáveis ajudaria, inclusive, o regulador. “Contribuiria para apurar as responsabilidades dos conselheiros”, lembra Rudge. A legislação confere aos administradores responsabilidades individuais, o que significa dizer que registrar em ata a discordância de uma decisão que possa prejudicar a companhia e seus acionistas interessa a esses profissionais. Seria uma forma de escapar mais facilmente de um processo administrativo por falta de diligência.

Por que, então, os conselheiros não pressionam mais pela manifestação de suas opiniões em ata? A visibilidade gerada pela transparência tem prós e contras. Protegeria o administrador da responsabilidade sobre deliberações em que votou contra, mas também evidenciaria uma série de fragilidades. A começar pela exposição do voto e pela visibilidade que a publicação da argumentação daria ao caso. Há ainda as situações em que o conselheiro opta por uma atuação discreta, mesmo quando discorda dos colegas, para não correr o risco de “perder o emprego”.

“É preciso mudar a cultura, principalmente do conselheiro que não está alinhado à maioria”, avalia Marcelo Barbosa, do escritório Vieira Rezende. O advogado acredita que todo o mistério das atas poderia ser desfeito a partir da iniciativa dos próprios conselheiros. “Os dissidentes e os que se abstêm deveriam ter uma postura diferente, fazendo registrar os seus argumentos.” A medida valeria, principalmente, para os conselheiros eleitos para representar grupos específicos, como minoritários e funcionários.

Nada impede também a publicação voluntária de informações sobre o funcionamento dos conselhos nos relatórios anuais. Companhias preocupadas em prestar contas poderiam divulgar o número de reuniões realizadas no período, a duração de cada encontro, a assiduidade de cada conselheiro, os votos contrários apresentados e os temas discutidos. “São dados que revelariam como o órgão chefe de governança atuou”, salienta Di Miceli.


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