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O mau exemplo das estatais
Episódios recentes oferecem lições importantes sobre as práticas dessas companhias

Apesar do processo de privatização ocorrido na década de 90, a governança das empresas estatais continua sendo um tema-chave para a competitividade e a eficiência de nossa economia. Isso ocorre por algumas razões. Primeiro porque as empresas sob controle estatal (ECEs) representam atualmente 22,8% da composição do Ibovespa. Logo, para os investidores, é fundamental que sejam bem dirigidas, uma vez que surpresas desagradáveis terão impacto imediato em seu patrimônio. Segundo porque o desempenho das ECEs — que operam geralmente em setores estratégicos e de infraestrutura — tem impacto direto sobre a sociedade numa espécie de “efeito cascata”, já que suas ineficiências serão transferidas para o preço dos produtos e serviços, atingindo toda a cadeia produtiva. E terceiro, é importante que o governo “dê o exemplo”, se comportando bem em relação às suas atividades empresariais como forma de ter legitimidade para exigir que o setor privado aprimore a governança. Na medida em que são adotadas boas práticas, aumenta também o controle da sociedade sobre o uso que o próprio Estado poderá fazer de tais companhias.

Os episódios ilustrados a seguir oferecem importantes lições para a discussão da governança nas ECEs:

• Copel – reajuste de tarifas em concessionárias de serviços públicos: A Copel, controlada pelo Estado do Paraná e com 44% das ações nas mãos de investidores privados, tornou-se a primeira do setor elétrico a se listar na Bolsa de Nova York. A companhia, entretanto, passou por mudanças substanciais em sua política de reajuste de preços a partir de 2003, com a eleição de um novo governador no Estado. Desde então, se recusou várias vezes a repassar integralmente os reajustes autorizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) aos seus consumidores. Em 2003, por exemplo, a Aneel autorizou um reajuste de aproximadamente 25%. O novo governo, entretanto, determinou à Copel a suspensão do reajuste tarifário aos clientes adimplentes. Além de impactar negativamente seu resultado, a decisão contribuiu para o rebaixamento do risco de crédito da empresa atribuído pela agência Moody’s na ocasião.

Separação clara do Estado como regulador e controlador é fundamental para uma boa governança

• Nossa Caixa – transações com partes relacionadas: Em março de 2007, a Nossa Caixa, então sob controle do governo de São Paulo, negociou com a Secretaria da Fazenda do Estado a aquisição dos direitos relativos à folha de pagamento de cerca de 1 milhão de servidores públicos. Ao fim das negociações, o banco aceitou pagar à vista cerca de R$ 2,1 bilhões ao Estado a fim de garantir a manutenção dos correntistas até 2012. O valor, correspondente a 80% do patrimônio líquido da instituição e a cerca de dois terços de seu valor de mercado na época, foi considerado elevado pelo mercado, repercutindo negativamente em suas ações. Independentemente da discussão sobre a razoabilidade do montante pago, chama a atenção o fato de que, nos dois lados da mesa de negociação, estavam representantes do governo. As boas práticas de governança recomendam fortemente que a parte diretamente interessada no resultado de uma determinada negociação (no caso o governo) não participe na deliberação da matéria em questão, deixando-a para avaliação dos acionistas e conselheiros sem interesses conflitantes. Entretanto, essa boa prática não foi seguida pela Nossa Caixa, apesar de a companhia, na ocasião, já fazer parte do Novo Mercado.

• Banco do Brasil – substituição de lideranças sem atuação do conselho de administração: Em abril de 2009, o mercado foi surpreendido pela troca de comando no Banco do Brasil, listado no Novo Mercado. De acordo com a mídia especializada, a troca foi motivada por divergências políticas entre o presidente da instituição e o governo federal, que pretendia reduzir as taxas de juros do banco a fim de mitigar os efeitos da crise financeira global no fim de 2008. O impacto foi imediato, com queda do preço das ações de 8,1% no dia do anúncio, data em que o Ibovespa subiu 0,8%. Independentemente do mérito da substituição, ficou clara a relação direta entre representantes do governo e executivos do banco para resolver a questão, com ausência da participação do conselho de administração. Como uma das principais recomendações das diretrizes de governança para estatais da OCDE é a atribuição de poder aos conselhos para escolha e substituição do CEO, tem-se um ponto negativo em relação à adoção das boas práticas de governança na instituição.

• Celesc – a importância da atuação dos minoritários: Apesar do controle acionário, o Estado de Santa Catarina possui apenas cerca de 20% do total das ações da Celesc, pioneira na adesão ao Nível 2 da Bovespa. Em 2009, um grupo de minoritários relevantes liderados por um grande fundo de pensão propôs a migração da empresa para o Novo Mercado como forma de elevar seus padrões de governança corporativa e agregar valor. A proposta, entretanto, encontrou forte oposição dos funcionários, temerosos de que a conversão das ações preferenciais em ordinárias necessária para a migração levasse à privatização da companhia. Como resultado, a proposta não chegou a ser votada. Após forte pressão de seus minoritários, descontentes com a baixa rentabilidade da companhia, a Celesc anunciou, no fim de 2009, um plano para melhorar seu desempenho. A execução desse projeto, entretanto, tem se revelado complexa. Além de precisar aumentar a rigidez no fornecimento de energia a clientes inadimplentes de grande porte (muitas vezes indústrias com forte peso político), a companhia teria que reduzir a folha de pagamento em um ano com eleições para o governo. Esse caso mostra a importância da presença de minoritários relevantes para pressionar por maior eficiência econômica e padrões mais elevados de governança nas ECEs.

Além desses episódios, vale destacar a incerteza relativa à conclusão do processo de capitalização da Petrobras divulgada em 2009. Inicialmente, o governo anunciou um aporte de 5 bilhões de barris em reservas, a serem pagos por meio de títulos públicos. Diversos agentes de mercado, contudo, manifestaram preocupação sobre o valor a ser atribuído aos barris, já que uma valorização excessiva poderia levar a uma diluição da participação dos minoritários. Entretanto, um documento interno mudou os rumos da discussão. Sete anos antes, o conselho da Petrobras havia aprovado um código de boas práticas que assegurava aos preferencialistas o direito de serem consultados em matérias relevantes, incluindo a “avaliação de bens destinados à integralização de aumento de capital”. Diante disso, a Petrobras resolveu constituir um comitê de minoritários para acompanhar o processo de avaliação dos ativos envolvidos na capitalização. O caso mostra a importância da formalização de regras de governança para aumentar a blindagem política nas ECEs.

Em conjunto, os casos apresentados evidenciam a complexidade da discussão da governança em empresas estatais. Temas como definição clara da função-objetivo da empresa (maximização dos resultados vs. promoção de políticas públicas), transações com partes relacionadas, meritocracia e avaliação de desempenho na alta gestão e separação clara dos papéis do Estado como regulador e controlador, dentre outros, são fundamentais para uma boa solução de governança nessas companhias.

Por fim, deve-se destacar que o caminho rumo à boa governança não é linear e que a blindagem contra interferências políticas nunca é perfeita. Empresas reconhecidamente exemplares e com uma longa trajetória de vitórias em governança como a Sabesp também estão sujeitas a deslizes. No último dia 28 de janeiro, a companhia foi obrigada a republicar seu balanço de 2008 em função de dívidas de aposentadorias e pensões não assumidas pelo governo do Estado e transferidas à Sabesp.

Observação: As empresas estatais podem ser divididas em empresas públicas, que compreendem as entidades com propriedade integral do capital social pelo Estado, e as sociedades de economia mista. Estas contemplam entidades com conjugação de capital público e privado (investidores), com controle obrigatoriamente em posse do Estado. Em virtude de as questões de governança serem mais abordadas nas empresas estatais em que há participação de investidores do mercado, as sociedades de economia mista constituem o foco deste texto, sendo denominadas “Empresas sob Controle Estatal” (ECEs).


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