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O dono mudou?
Trocas de participações dentro dos blocos de controle ampliam as dúvidas sobre a incidência de tag along

, O dono mudou?, Capital Aberto“O ideal é alterar a lei e acrescentar um parâmetro objetivo para a realização de uma oferta pública de aquisição de ações (OPA)”, afirma sem titubear Maria Helena Santana, presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A sugestão da xerife do mercado tem endereço certo: as aquisições de participação minoritária em companhias abertas. Quando fatias que não somam mais de 50% do capital votante são negociadas, uma intrincada rede de possibilidades se abre. A situação é cada vez mais comum. De um lado, controladores calculam na ponta do lápis até quantas ações podem negociar sem que fique caracterizada a alienação do controle. Do outro, minoritários vasculham o arcabouço regulatório e os acordos de acionistas para encontrar argumentos que lhes deem acesso à cereja das alienações de controle — o direito à venda conjunta com o principal acionista, o chamado tag along. No fim das contas, a briga é pela definição do que é controle acionário. E, sem uma resposta objetiva da lei, restam para o mercado a insegurança jurídica e a discussão sobre a necessidade de aperfeiçoamento da legislação.

Um caso recente é o da ALL. Em fevereiro, a Cosan anunciou a entrada no capital da operadora logística com a compra de 5,67% do capital total. O primeiro detalhe importante do negócio: 34 milhões dos papéis adquiridos estão vinculados ao acordo de acionistas, que comanda a companhia com um total de 69,1 milhões de ações, o equivalente a 10,05% do capital total. A Cosan comprou 49,15% do bloco de controle, numa provável demonstração de que adquiriu o máximo de ações até o limite do que caracterizaria o controle majoritário. O segundo detalhe: os vendedores das ações adquiridas pela Cosan detinham, até então, as duas maiores fatias do bloco. Julia Arduini era dona de 23,7% das ações vinculadas ao acordo; o fundo GMI possuía outros 21,6%.

O terceiro ponto a ser considerado é o fato de a venda ter sido feita em bloco. Julia e GMI se comprometeram a alienar suas participações com um terceiro acionista: Ricardo Arduini, que detinha 7,7%. Juntos, eles somavam 53% das ações vinculadas pelo acordo antes da alienação. Após a venda, a Cosan ficou com 49,15%, e os três restaram com 3,85% das ações. O negócio deu à Cosan o ingresso no grupo controlador da ALL e ainda elevou a sucroalcooleira ao posto de maior acionista do bloco. A operação, além de insinuar uma alienação de controle, enseja dúvidas sobre conflito de interesses. A Cosan, nova sócia–controladora da ALL é, ao mesmo tempo, uma cliente importante da empresa de ferrovias. Como dona, teria interesse em obter as maiores tarifas pela prestação dos serviços de transporte; como cliente, visaria à redução de custos.

ENQUANTO A LEI NÃO VEM — “Não existe mais uma situação que seja preto no branco”, comenta Maria Helena, ao defender a inclusão de um parâmetro objetivo de definição de controle na legislação societária. “O prejuízo para o mercado é a insegurança”, avalia. A sugestão de Maria Helena é a adoção do percentual de 30% para caracterização das aquisições relevantes e disparo do tag along. O gatilho, conclui, também serviria para reduzir a quantidade de casos analisados a posteriori pelo regulador, como aconteceu em episódio recente envolvendo a Usiminas. A operação deixava dúvidas sobre a transferência ou não do poder de controle e foi esmiuçada pela autarquia.

Até o fim do ano passado, 63,86% das ações ordinárias da siderúrgica estavam vinculadas por um acordo de acionistas. O bloco era formado pela Caixa dos Empregados da Usiminas (CEU), fundo de pensão dos funcionários, e por dois grupos: um liderado pela japonesa Nippon Steel; outro encabeçado por Votorantim e Camargo Correa. Em novembro de 2011, as ações trocaram de mãos. A Nippon comprou, da CEU, 1,69% do capital votante, elevando sua fatia em ações ordinárias de 27,76% para 29,45%. Paralelamente, as brasileiras Votorantim e Camargo Correa deixaram o bloco de controle e venderam sua participação, de 25,97%, para a argentina Ternium, controlada pelo grupo Techint. O novo acionista ainda acrescentou ao seu naco outra parcela de 1,69% de ONs, também adquirida da CEU. Refeito o acordo de acionistas, o fundo de pensão continuou no bloco de comando, mas com uma participação reduzida de 10,13% para 6,75% do capital votante.

A movimentação dos papéis acendeu um sinal amarelo: houve, afinal, alienação do controle? O conjunto de operações fez com que 45,95% das ações vinculadas ao acordo de acionistas mudassem de dono e ainda viabilizou a entrada de um novo participante no bloco controlador. Para apimentar a análise, o argentino Julián Alberto Eguren, que até então comandava a Ternium no México, assumiu a presidência da Usiminas. A dança das cadeiras, na visão do mercado, deixou evidente a ingerência do novo integrante nos rumos da empresa. Mas essas características, ainda que somadas, não foram suficientes para caracterizar a transferência do comando acionário. “A conclusão foi que a operação não resultou em modificação na predominância dentro do bloco de controle ou na criação de novo grupo de controle, ficando desse modo afastada a hipótese de incidência de OPA”, declarou o regulador em seu comunicado. Por OPA, nesse contexto, entenda–se o tag along.

Na interpretação da CVM, apesar de ter havido alienação de parte das ações do bloco de controle a um novo acionista, de forma onerosa, a Ternium adquiriu uma fatia minoritária do comando, mantendo a Nippon na posição de dona da maioria das ações vinculadas ao acordo. As previsões do artigo 116 da Lei das S.As. não se aplicaram ao caso. Os argentinos não adquiriram o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia, nem o de dirigir isoladamente as suas atividades. Se a alienação do controle tivesse sido caracterizada, e o tag along aplicado, os minoritários teriam a opção de vender suas ações por 80% do valor pago pelo novo controlador. Investidores como a Previ, dona de mais de 10,44% das ONs, poderiam obter um ganho significativo. As transferências de ações dentro do bloco se deram a R$ 36 por ação, valor que representa um ágio de 83% sobre a cotação em bolsa na véspera do anúncio.

LEI ULTRAPASSADA? — José Alexandre Tavares Guerreiro, advogado e professor de direito comercial da USP, reconhece a limitação do atual texto da Lei das S.As. no artigo 254–A, que concede o direito ao tag along. Por isso, segue na mesma direção da presidente da CVM ao defender a alteração do diploma para a inclusão de um critério numérico. Guerreiro se diz simpático ao formato atual da lei, de caráter teórico. No entanto, reconhece que ela é insuficiente diante de estruturas acionárias mais complexas: “Quando o controle é compartilhado, vender menos da metade do capital pode significar vender o controle”.

Apesar dos problemas, há quem defenda a manutenção da atual redação do diploma — ainda que, para isso, não seja necessário abrir mão de um critério quantitativo de presunção do controle. “Ao mudar a lei, há o risco do retrocesso. Ficaremos expostos a todos os tipos de pleito, sejam eles legítimos ou não, porque não há preparo do Congresso para (debater) questões técnicas”, observa Nelson Eizirik, sócio do escritório Carvalhosa e Eizirik. Para o advogado, o caminho é a autorregulação.

A primeira tentativa de inserir um percentual fixo que pressuponha a alienação do controle e dispare automaticamente as ofertas públicas de aquisição de ações (OPAs) foi feita em 2009, na última reforma das regras do Novo Mercado. Na ocasião, as companhias vetaram a proposta de inclusão de um gatilho de 30%. A segunda, também no campo da autorregulação, segue em curso. Está pronto o regulamento do Comitê de Fusões e Aquisições (CAF), iniciativa da BM&FBovespa, em conjunto com as entidades representativas do mercado, inspirada no Takeover Panel inglês. A ser adotado voluntariamente pelas companhias, o órgão analisará previamente casos de reorganização societária e OPAs quando fatias de pelo menos 30% do capital trocarem de mãos. Atualmente, o regulamento está sob análise das entidades participantes do mercado. Se aprovado, o CAF pode começar a funcionar ainda este ano.

“O Takeover Panel pode ser um caminho interessante para o período de transição em curso”, acredita Ricardo Leal, professor de finanças do Coppead/UFRJ. De acordo com o professor, as companhias brasileiras vêm gradualmente reduzindo os percentuais detidos por acionistas definidos (aqueles com mais de 50% do capital votante). “Temos hoje um modelo híbrido, com a maioria das empresas com controlador definido, e algumas em que o bloco de controle é vinculado por acordo de acionistas”, explica.

Contrária à mudança da lei, a professora Érica Gorga, da Direito GV, considera que a larga presença de companhias cujo controlador é dono de mais da metade das ações ainda justifica a manutenção do diploma. “A estrutura de propriedade em outros mercados, muito mais pulverizada, é diferente da nossa”, pondera.

Minoritário com jeito de controlador


Se há dúvidas sobre a caracterização da alienação do controle, a tarefa de distinguir acionistas minoritários e controladores é igualmente nebulosa. Basta lembrar da última assembleia da Petrobras. No dia 19 de março, acionistas liderados pelas gestoras BlackRock e Polo Capital tentaram eleger seus indicados às vagas do conselho de administração da petrolífera destinadas aos minoritários. A mobilização teve seu aspecto vitorioso. Até então, os investidores não haviam conseguido reunir os 5% de capital necessários para eleger representantes. Ao mesmo tempo, porém, foi uma derrota significativa: eles foram vencidos por um outro grupo, também de minoritários. A Petros, fundo de pensão da própria companhia, juntamente com a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, e a Funcef, da Caixa Econômica Federal, assim como nos anos anteriores, emplacaram os candidatos por eles escolhidos.

Mas deveriam ser os fundos de previdência patrocinados por companhias controladas pela União considerados minoritários da Petrobras, cujo controlador também é o governo federal? “No espírito, as fundações são controladoras. O poder político é o mesmo da companhia estatal”, pontua Ricardo Leal, professor de finanças do Coppead/UFRJ. José Alexandre Tavares Guerreiro, da USP, segue na mesma direção. Para ele, as fundações são pessoas vinculadas e, como tal, não poderiam ser enquadradas como acionistas minoritários para efeito de eleição de conselheiros.

A Lei Complementar 108, que rege a relação entre a União, as companhias sob seu controle e as entidades fechadas de previdência complementar, prevê ainda que as estatais podem conduzir ao conselho de administração dos seus fundos de previdência o mesmo número de representantes indicados pelos minoritários. Mas um desses conduzidos será o presidente do órgão, e a ele será cedido o voto de minerva. Assim, o poder de decisão, que inclui até mesmo a política de investimentos do fundo, acaba sempre nas mãos do patrocinador — a companhia estatal.

Definições a respeito das características que distinguem minoritários e controladores, e que vão além das participações detidas pelos diversos grupos, podem estar por vir. Fontes ouvidas pela CAPITAL ABERTO indicam que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não desistiu de analisar o caso UOL. Dono de 25% do capital social, o minoritário João Alves de Queiroz Filho integrou o grupo de dois terços de minoritários que concordou com a OPA de fechamento de capital do provedor de internet, realizada em dezembro do ano passado. Havia algumas evidências, porém, de que Queiroz era, na verdade, um controlador. E, como tal, ele não poderia compor o grupo que se manifesta sobre o fechamento de capital. (Y.Y.)


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