Novos públicos
Retração de investidores institucionais e incremento nos prêmios aproximam as debêntures do aplicador individual

, Novos públicos, Capital AbertoO mercado de dívida corporativa está de flerte com o investidor individual. Das cinco ofertas de debêntures anunciadas nesse modorrento início de ano, duas piscaram para esse aplicador. Com valor nominal acessível, de R$ 1 mil, e intenção declarada de seduzir pessoas físicas abastadas, a Bradespar e a Telemar Norte Leste (cuja oferta estava em análise até 26 de abril) deram indícios de que operações com esse perfil podem ser realizadas também por empresas privadas. Até hoje, apenas a BNDESPar, em 2006 e 2007, havia se voltado aos investidores individuais, ao destinar 30% de suas ofertas a esse público. As ofertas da Bradespar, de R$ 610 milhões, e da Telemar, de R$ 3 bilhões, não reservaram uma fatia para eles. Porém, contaram com esforços de venda em private banks, o nicho dos milionários. Não há dúvida de que, por enquanto, o mercado de dívida corporativa está centrado nos investidores institucionais. Mas o comportamento de ofertantes, distribuidores, Bolsa e — quem diria — da taxa de juros indica que os CPFs ainda poderão se tornar relevantes para esses títulos.

No fim de março, o estoque de debêntures no Brasil estava em torno de R$ 254 bilhões. Não há números específicos sobre a parcela detida por tipo de investidor, mas, segundo Valéria Coelho, superintendente técnica da Associação Nacional das Instituições do Mercado Financeiro (Andima), quase a totalidade dos títulos está nas mãos de bancos, gestoras e fundos de pensão — os investidores chamados de institucionais. Eles costumam ser o destino das debêntures não só em razão dos valores nominais dos títulos (alguns valem R$ 100 mil cada), como devido às preferências dos intermediários que cuidam da distribuição. Eles acham muito mais fácil e apropriado destinar as debêntures para esse grupo.

Mas o novo momento econômico fez com que o público-alvo aumentasse. A reviravolta ocorreu, basicamente, por dois motivos. O primeiro é a perda de apetite dos institucionais. Eles sofreram com saques, já não dispõem do mesmo volume para investir e preferem atuar com mais cautela. A segunda razão tem a ver com os prêmios pagos pelas aplicações de renda fixa acessíveis ao investidor pessoa física. Nas reuniões recentes do Comitê de Política Monetária (Copom), a queda da taxa de juros deixou o campo da crença para se tornar real. “O recuo generalizado nos ganhos de renda fixa atrelados ao CDI faz com que o investidor olhe com carinho para operações mais arriscadas”, diz Valéria. É o caso das debêntures. Nos últimos meses, o encarecimento do crédito ainda provocou um salto nos prêmios. Há um ano, operações de debêntures remuneravam, em média, entre 101% e 102% do CDI. Em janeiro, a operação da Bradespar pagou 125% do mesmo indexador.

, Novos públicos, Capital AbertoO prazo também diminuiu. A debênture da empresa de participações do Bradesco vence em três anos — menos que os sete, oito anos de outros tempos. Mesmo assim, continua sendo essa a principal restrição para o mercado de debêntures voltado a investidores individuais. Três anos ainda são um prazo longo quando comparado a aplicações como fundos de renda fixa ou Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). O perfil de investimento da pessoa física não combina com um período tão extenso. “Pedimos aos distribuidores que enfatizem a pouca liquidez dos títulos”, diz Marina Anselmo, sócia do escritório Mattos Filho, que assessorou a operação da Bradespar. Tal característica acaba por limitar o universo de interessados. Até agora, os títulos foram oferecidos apenas a poucos clientes de private banking. “Não vejo as debêntures como um produto de varejo. Mas há um espaço de crescimento considerável no grupo de pequenos investidores, contanto que haja mercado secundário”, diz Luciano Araújo, sócio da estruturadora Hampton Solfise.

PROJETOS PARA A LIQUIDEZ — Mercado secundário. Essa é a locução mágica, capaz de expandir as possibilidades de investimento da pessoa física e as opções de captação do setor privado, que nunca sai do plano das ideias. Citado por todas as fontes desta reportagem como fundamental para o mercado de dívida corporativa, um ambiente de compra e venda com liquidez ainda engatinha no País. A razão para a ineficácia passa, obviamente, pela concentração dos títulos na carteira dos institucionais. Somente eles são capazes de reter as debêntures até seu vencimento sem que isso impossibilite outros investimentos. Mas não há dúvidas de que um ambiente de negociação líquido seria saudável para todos os participantes, independentemente do tamanho.

O advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), trabalha há anos pelo desenvolvimento do mercado secundário de renda fixa. Quando o ministro Guido Mantega era presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), no primeiro mandato do governo Lula, Mattos Filho sugeriu a ação educativa de empresas ligadas ao Estado. O objetivo era que companhias como a Petrobras lançassem debêntures e mantivessem leilões regulares, despertando o interesse e a confiança da pessoa física em títulos com prazos de vencimento mais longos. “Como acontece com o Tesouro Direto”, resume o advogado. Mantega foi para o Ministério da Fazenda, e as conversas cessaram. Mas as ofertas da BNDESPar, acertadas na gestão do atual ministro, trouxeram uma tímida garantia aos investidores. As debêntures têm formador de mercado e contam com negociação diária no Bovespa Fix, segmento de renda fixa da Bolsa que custodia um volume de R$ 1,4 bilhão em debêntures. Apenas outras duas emissoras, a ABN Note e a Usiminas, contrataram formadores de mercado. Apesar do serviço de liquidez, a movimentação diária é irrisória. Na terceira semana de abril, o giro financeiro médio dos títulos da BNDESPar foi de R$ 390 mil ao dia.

Um dos fatores para que o mercado de renda variável crescesse em volume de negociação nos últimos anos foi a forte presença da pessoa física. A participação do pequeno investidor corresponde a cerca de um terço da movimentação na Bolsa; em 2000, a fatia estava em 0,91%. O crescimento só foi possível graças às facilidades criadas pelo desenvolvimento da plataforma de operação pela internet. O home broker apareceu no início da década e virou febre no mercado secundário de ações. Na renda fixa, não existe essa ferramenta. O sistema operacional do Bovespa Fix é acessado somente pelas corretoras credenciadas. Para realizar a operação, o investidor tem de enviar a ordem à instituição intermediária para que ela acesse o sistema e conclua a transação.

O excelente desempenho do mercado acionário fez a BM&FBovespa apostar que a verdadeira injeção de liquidez no mercado secundário de debêntures se dará com a integração do Bovespa Fix ao home broker. Ainda sem previsão de estreia, a novidade está em fase de estudos na Bolsa. “O segmento terá um alcance muito maior. Quem investe em ações também investe em renda fixa”, acredita o diretor de mercado à vista da BM&FBovespa, Fábio Urban. O projeto não termina por aí. A garantia do acesso de todos os operadores de renda fixa ao home broker seria acompanhada de programas de popularização. “As corretoras serão parte fundamental na divulgação da nova possibilidade, assim como foi feito com a renda variável.”

Enquanto a Bolsa investe em tecnologia, a Andima trabalha por uma mudança na regulamentação fiscal. Há cerca de três meses, a instituição enviou um pleito ao governo federal para que o investimento em debêntures tenha o mesmo benefício da dívida pública. O investidor estrangeiro não recolhe imposto de renda em cima dos ganhos com títulos públicos. Segundo Valéria Coelho, da Andima, a intenção é aumentar o número de participantes no mercado de dívida corporativa e, em consequência, a liquidez.


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