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Novo mercado comum
Brain dá os primeiros passos para a criação de um ambiente latino-americano de negociação de ações, cotas de fundos de investimento e dívida corporativa

Imagine um ambiente em que é possível comprar com a mesma facilidade tanto ações da América Móvil, do mexicano Carlos Slim, quanto da brasileira Oi. Se for um gestor de fundos, pense como seria ter passe livre para vender cotas a investidores peruanos, chilenos ou argentinos. Esse cenário é idealizado pela Brasil Investimentos & Negócios (Brain), organização formada por instituições como a Associação Brasileira dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima) e a BM&FBovespa. Embora pareça uma obra de ficção, a integração dos mercados de capitais das principais economias da América Latina começa, enfim, a ganhar seus primeiros contornos. Nos próximos meses, a Brain vai visitar Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru, a fim de apresentar as propostas iniciais para integrar os mercados de ações, de fundos de investimento e de dívida corporativa desses países e do Brasil. O objetivo, além de obter comentários e informações que amadureçam o plano, é conquistar o apoio de representantes dos mercados de capitais e dos governos.

A Brain levará na bagagem o estudo Integração Financeira na América Latina — Realidades, Desafios e Propostas Estratégicas, de Guillermo Larrain, economista e professor da Universidade do Chile, apresentado com exclusividade à CAPITAL ABERTO. O projeto ainda está em estágio embrionário. Mas, pelo menos para a integração dos mercados de ações, alguns conceitos já estão claros. A ideia é evitar a modificação das leis vigentes nos seis países.

Para que isso ocorra, as bolsas de valores de cada um desses países teriam de criar novos segmentos de listagem com regras idênticas. As empresas dispostas a exibir o selo da integração seguiriam listadas em seu país de origem e sujeitas ao regulador nacional. A vantagem é que suas ações estariam disponíveis para que investidores dos seis mercados as negociassem por meio de um roteamento de ordens. Nesse processo, o aplicador pode comprar ou vender um ativo listado no exterior como se estivesse operando no mercado local: ele emite uma ordem para uma corretora doméstica, que transmite a instrução para uma localizada no mercado externo. Esta última é que conclui a operação. Caberá às corretoras costurar acordos operacionais que permitam o funcionamento desse sistema.

REGRAS IGUAIS — A proposta da Brain é que as regras de listagem sejam desenhadas a partir dos melhores padrões em vigor nesses mercados. A adesão a esse segmento, que teria o mesmo nome em todas as praças, seria voluntária. Algumas das normas cogitadas já são seguidas por muitas companhias no Brasil e se assemelham às do Novo Mercado da BM&FBovespa. Por exemplo, o mercado comum contaria apenas com emissoras de ações ordinárias que reservem 20% das cadeiras do conselho de administração para membros independentes. A ideia é que um deles, inclusive, ocupe a presidência do órgão — exigência que não existe no segmento especial da bolsa brasileira. “De maneira geral, Brasil e Chile possuem os padrões regulatórios mais elevados em todas as áreas”, avalia Larrain, que comandou o órgão regulador chileno, a Superintendencia de Valores y Seguros de Chile, de maio de 2007 a março de 2010.

O plano é disponibilizar ações para negociação por investidores dos seis mercados por meio de um roteamento de ordens

Do ponto de vista regulatório, uma preocupação da Brain é com a identificação do beneficiário final das ações negociadas nesse regime. Essa informação é obrigatória apenas no Brasil e na Colômbia, dentre os países do grupo. Problema parecido enfrentou o Mercado Integrado Latino-Americano (Mila), uma espécie de bolsa regional que trouxe soluções interessantes para as angústias de um mercado acionário transnacional. Inaugurado no primeiro semestre de 2011, o Mila é resultado da união das Bolsas de Bogotá, Lima e Santiago. Como apenas a primeira segue leis que obrigam a identificação dos beneficiários finais, o bloco, então, determinou essa exigência para as ações negociadas no Mila. A proposta a ser apresentada pela Brain adota a mesma filosofia.

Nem todos teriam acesso a essas ações. O projeto é pensado para atender somente investidores qualificados. Os critérios para a definição desse conceito ainda estão sendo estudados. A pesquisa encomendada pela Brain sugere a interpretação peruana, que considera qualificadas, além das pessoas jurídicas que atuam com investimento mobiliário, as pessoas físicas com experiência e conhecimento comprovados e patrimônio e receita acima de um certo valor. Esses patamares serão estabelecidos a partir “do mínimo denominador comum” dos países participantes, diz o estudo.

PARADIGMA EUROPEU — Quanto à integração da indústria de fundos de investimento, a Brain propõe uma autorização para os gestores dos seis países atuarem em todos os territórios — distribuindo cotas, inclusive. Seria um “passaporte” como o que está em processo de elaboração na indústria de fundos da União Europeia. Publicada em 2009, a diretiva UCITS IV (sigla em inglês para “obrigações para investimento coletivo em valores mobiliários transferíveis”) tem como objetivo permitir que gestores de fundos dos países membros operem como administradores de recursos em todo o bloco econômico. Mas a conclusão das regras para esses fundos deve levar alguns anos.

No entender da Brain, os gestores de fundos dos seis países latino-americanos é que deverão definir as normas para a licença da região. Espera-se que os interessados se reúnam e estabeleçam acordos que definam, dentre outros tópicos, as garantias dadas aos investidores, os ativos a serem negociados e a forma de acessar os mercados. Os governos de cada um dos países envolvidos entrariam na etapa seguinte, reconhecendo o regime escolhido. Nesse ponto, os critérios de solvência, governança e de controle de riscos dos fundos seriam estabelecidos, bem como as exigências de divulgação. É importante, reforça Larrain, que haja um sistema de solução de conflitos eficaz e veloz, que dê segurança aos investidores. O “passaporte” dos gestores seria desenvolvido paralelamente ao segmento de listagem com regras especiais.

Para o segmento de dívida corporativa, o caminho da integração planejado é semelhante ao trilhado no mercado de ações. A primeira etapa é fortalecer as emissões nos países de origem e, em seguida, então, facilitar o acesso dos investidores estrangeiros aos títulos. Devido às sabidas limitações do mercado de dívida no continente, principalmente no que diz respeito a volumes negociados no ambiente secundário, essa parte do projeto da Brain está menos adiantada.

ASSUNTO SENSÍVEL — O segmento proposto pela Brain vai testar a capacidade política dos brasileiros envolvidos. O desnível entre o mercado brasileiro — muito maior — e os potenciais parceiros obriga a Brain a ser cautelosa durante as negociações. Não é difícil imaginar que a proatividade brasileira seja encarada como sinais de um pretensioso avanço imperialista. O valor de mercado das ações listadas no Brasil somou US$ 1,5 trilhão, conforme dados da World Federation of Exchanges (WFE), no encerramento de 2010. Argentina, Chile, Colômbia, México e Peru, juntos, alcançaram menos que isso — US$ 1,1 trilhão. Quando o critério é o volume de negociação de ações, a diferença fica ainda mais evidente. O Brasil dispara na frente, com US$ 867,1 bilhões em 2010. A cifra é mais de quatro vezes superior à soma dos volumes das outras cinco economias analisadas no estudo.

“Os demais países têm apreensões a respeito do Brasil como impulsionador da iniciativa”, conta Larrain. Durante o período de preparação do estudo, o economista conversou com profissionais, representantes de órgãos públicos e entidades ligadas ao mercado de capitais de cada jurisdição. No entanto, a expectativa é de que a má impressão passe logo. “É possível que todos ganhem com a criação do mercado integrado. A baixa liquidez de alguns mostra que eles estão ainda distantes de seu potencial”, observa.

A impres

Nem todos teriam acesso a essas ações. O projeto é pensado para atender somente investidores qualificados

são é de que a Colômbia estaria “muito interessada” no projeto. No Chile, os órgãos governamentais também se empolgaram, mas a bolsa de valores estaria menos animada com os novos planos. No road show a ser promovido nos países vizinhos, além do estudo de Larrain, a Brain promete mostrar aos demais países que a liquidez da bolsa brasileira poderá ser-lhes útil para incentivar, por exemplo, as ofertas de ações. “Reforço que nossa ideia é levar uma proposta aberta e pronta para receber mudanças e contribuições”, afirma André Sacconato, diretor de pesquisas da Brain.

CAMINHO SEM VOLTA — De autoria do Brasil ou de qualquer outro país, o desenvolvimento de um marco regional na América Latina é considerado um caminho sem volta. “O mercado comum latino-americano é inevitável”, sentencia Gilberto Mifano, ex-presidente da BM&FBovespa. Se isso não acontecer, segue Mifano, as bolsas e empresas da região ficarão enfraquecidas em relação às de outros continentes. “Então, é melhor que nós mesmos cuidemos do nosso destino”, completa.

O projeto de integração não é novo. No Brasil, diversas ações foram promovidas, inclusive na gestão de Mifano à frente da Bolsa de Valores. Uma delas foi o acordo com a Bolsa Mexicana de Valores, que chegou a ser anunciado em uma reunião da WFE, em 2006. O projeto previa o roteamento de ordens das ações mais líquidas de cada mercado, mas jamais virou realidade em razão de questões operacionais que nunca foram solucionadas. “Existem mais dúvidas do que certezas quando se fala em integração”, admite Mifano. Segundo ele, os memorandos de entendimentos com bolsas latinas nunca deram frutos devido a incompatibilidades tributárias, regulatórias e aos diferentes regimes cambiais.

Os mais otimistas preveem alguns anos de trabalho árduo. “Os países latinos e seus governos não tratam o mercado de capitais como estratégico, apesar das mudanças e conquistas recentes. Isso precisa mudar”, alerta Gilberto Biojone, ex-superintendente geral da Bovespa (1991-1994). Na sua avaliação, há muita liquidez nos países latino-americanos irrigando os grandes centros financeiros. “Precisamos trazer o poder de decisão sobre os investimentos para cá”, sugere. A oportunidade de expandir a indústria brasileira de fundos de investimentos pode ajudar a equilibrar a balança. “Estamos perdendo a chance de exportar nossa capacidade de gestão de recursos”, ressalta Régis Abreu, vice-presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec). A transformação não será imediata, mas não estaria tão distante assim. Larrain estima um prazo de dois anos para que os rabiscos saiam do papel.


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