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Novas fronteiras
Com a abertura para investimentos no exterior, gestores planejam novos produtos, saem em busca de boas oportunidades e se preparam para enfrentar a concorrência internacional



A redução da taxa básica de juros foi, por muito tempo, considerada o marco que separaria o joio do trigo e aumentaria a competitividade no mercado de gestão de recursos. Agora, com a menor Selic dos últimos dez anos, um novo desafio — bem mais ambicioso e saudável — foi lançado. Pela primeira vez no Brasil, os fundos de investimento poderão aplicar em ativos no exterior. No caso dos multimercados, o limite é de 20% do patrimônio. Nos demais, de 10%.

A novidade foi apresentada no dia 30 de março, quando a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou a Instrução 450, uma revisão da antiga 409. E não parou por aí. A autarquia também colocou em audiência pública a proposta de criação de uma nova classe de fundos com alocação de até 100% dos recursos no mercado internacional e sem a obrigatoriedade de adquirir títulos de dívida externa da União, como ocorre com o Fundo de Investimentos no Exterior (Fiex). Estes produtos totalmente globalizados, no entanto, serão restritos aos investidores que estiverem dispostos a desembolsar pelo menos R$ 1 milhão. Em resumo, os gestores brasileiros poderão diversificar os riscos de suas carteiras, aplicar em um número maior de ativos e ainda recorrer a uma infinidade de instrumentos de hedge — isso se estiverem preparados para analisar todas essas oportunidades e estruturar produtos com potencial para aproveitá-las.

É unânime que a internacionalização dos fundos — pleiteada pelos gestores há alguns anos — evidencia sinais positivos, entre eles o amadurecimento do mercado de capitais. Mas se engana quem acredita em uma mudança radical da indústria por conta dessas novidades. É verdade que uma série de instituições já prepara o lançamento de novos produtos, mas a mudança no comportamento do mercado — e aí estamos falando de gestores, analistas e investidores — será gradual, em linha com o ritmo do próprio regulador. Na minuta em audiência pública dos fundos com 100% de aplicações no exterior, a própria CVM reconhece ter se convencido de que as mudanças neste sentido (da internacionalização) poderiam ser “até mais ambiciosas do que originalmente se propunha”, referindo-se às discussões que antecederam a Instrução 450 e que culminaram na nova consulta ao mercado. A autarquia explica que preferiu não promover uma migração abrupta de um regime que veda investimentos no exterior para outro em que eles são totalmente permitidos.

Essa nova janela que se abre para os fundos de investimento também não deve ser vista como uma medida isolada. Pelo contrário. Faz parte de um processo mais amplo de abertura de toda a economia brasileira ao capital internacional, como já acontece no comércio. Também vai ao encontro da postura adotada pela indústria de fundos em outros países emergentes, como Chile e México. No entanto, profissionais do setor lembram que a demanda pelos produtos globalizados, no primeiro momento, pode ser discreta. Falta ao investidor médio brasileiro o hábito de aplicar em outros países com a visão de que todos compõem um mercado único — o que poderá contar a favor dos próprios gestores, que terão mais tempo para adaptar suas operações e, eventualmente, repatriar profissionais.

São muitas as novidades e também os questionamentos. Afinal, quais serão os diferenciais do gestor brasileiro em relação aos colegas internacionais em um mercado globalizado e altamente competitivo? Que ativos serão alvo nos primeiros momentos? Em que proporção os ativos estrangeiros vão efetivamente participar de nossas carteiras? Para responder a essas e outras perguntas é preciso, em primeiro lugar, dividir a internacionalização dos fundos em duas fases.

DIVERSIFICAÇÃO PARA O INVESTIDOR — A primeira terá em funcionamento os fundos regulados conforme a Instrução 450. Com autorização para aplicar apenas uma parcela de seus recursos no exterior, eles continuarão com os ativos brasileiros como foco principal. Nesses casos, explica Marcelo Giufrida, diretor do BNP Paribas e vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), não haverá concorrência com os gestores internacionais e o maior beneficiário será, sem dúvida, o investidor local. Até então, aplicar no exterior — e, conseqüentemente, diversificar riscos — era privilégio de poucos afortunados dispostos a abrir contas lá fora e pagar taxas que só se justificavam se o montante fosse significativo. Estimativa do mercado sinaliza que, sem as atuais medidas de internacionalização, seria necessário dispor de pelo menos US$ 500 mil para diluir os custos e compensar a operação no exterior.

A tendência é que, nessa etapa, os gestores se concentrem nos ativos estrangeiros de maior liquidez, com o objetivo de fazer hedge para as posições em papéis brasileiros — que serão ampla maioria. “Pretendemos operar ações, câmbio, curva de juros e seus derivativos”, afirma Paulo Bilyk, sócio da Rio Bravo Investimentos, empresa tradicional nos mercados de securitização e administração de fundos imobiliários e de ações que agora dá os primeiros passos na área de multimercados. O novo produto, voltado para investidores pessoa física, exigirá investimento mínimo inicial de R$ 100 mil e 90 dias de carência para resgates.

Largarão na frente os profissionais que já negociam papéis no exterior — seja por conta da gestão de fundos offshore, seja pela administração de contratos de swap. Além de conhecimento sobre a dinâmica dos ativos estrangeiros, esse grupo tem equipes — gestores, analistas e back office — com experiência no mercado global. A Hedging-Griffo é um desses exemplos. Atualmente tem três profissionais com foco no exterior, mas ainda analisa se criará novos produtos ou promoverá uma alteração no regulamento do multimercado já existente. “A abertura do mercado é muito positiva, mas a alocação do limite de 20% será gradual, conforme surgirem boas oportunidades”, diz o gestor Ettore Marchetti.

A tendência é que, nessa etapa, os gestores se concentrem nos ativos estrangeiros de maior liquidez, com o objetivo de fazer hedge para as posições em papéis brasileiros

Na mesma situação está a BB DTVM. A gestora do Banco do Brasil acumula experiência internacional por conta da gestão de uma família de fundos offshore que, a partir de 2003, apresentou crescimento significativo. Além disso, desde novembro do ano passado, presta serviços de aconselhamento a um dos fundos do conglomerado americano Principal Financial Group. Focada nos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China), a carteira tem patrimônio total de US$ 73 milhões, com 26% — a maior parcela — em ativos brasileiros. O BB é o único consultor desse fundo e atua, exclusivamente, com foco em ativos locais. No entanto, o intercâmbio direto com o gestor, sediado em Hong Kong, é tratado pelo banco como um diferencial quando se trata de internacionalização.

“A capacidade de análise será o diferencial dos gestores nessa nova etapa”, acrescenta Fernando Manuel, gerente de fundos, que aproveitará a experiência de sua equipe — boa parte dela já atuante no exterior — para sair às compras além fronteiras. O BB prepara o lançamento de novos produtos, mas evita revelar detalhes. “A internacionalização tende a começar pelos fundos multimercados por conta de suas características. O que vai nos levar a aplicar, ou não, no exterior é a necessidade de diversificação e a atratividade. Ainda temos boas opções por aqui, o que me faz concluir que não há apetite imediato para investir o limite máximo permitido pela regulamentação”, completa.

EM BUSCA DE COMPETITIVIDADE —A segunda (e mais complexa) fase do processo de internacionalização da indústria de fundos será representada pelos investimentos das carteiras com até 100% do patrimônio no exterior. Essa será a prova de fogo dos gestores brasileiros na busca pela competitividade diante da expertise dos estrangeiros. O tema será debatido em um dos painéis do congresso Anbid Asset Management as a Global Business, marcado para 31 de maio, em que estarão reunidos especialistas como James Hirschimann, da Legg Mason; Mark Mobius, da Franklin Templeton; Armínio Fraga, da Gávea Investimentos; e Mark MacCombe, da gestora do HSBC. “O objeto dessa discussão não é a economia brasileira, mas sim o mercado de fundos como negócio e a inserção brasileira nesse contexto”, diz José Brazuna, gerente da Anbid.

Apesar de a abertura contar com a aprovação de todos, as opiniões são divergentes quanto aos reais benefícios das novas regras. “Não sei quais seriam as nossas vantagens comparativas para especular em mercados que têm pouca correlação com os ativos brasileiros”, observa Pedro Horowicz, responsável pela área de multimercados da Rio Bravo, juntamente com o economista Carlos Kawall, recém-contratado pela gestora.

Paulo Veiga, da Mercatto Gestão de Recursos, também acredita que será difícil concorrer com os grandes bancos estrangeiros. Além das boas equipes de análise (research) e dos volumes elevados que costumam ser negociados no exterior, deverá pesar contra o Brasil a falta de experiência com operações estruturadas (como as de capital garantido), com o segmento de crédito e seus derivativos e com moedas diferentes do dólar. “Mesmo as instituições que já têm fundos offshore terão desvantagens. Em um primeiro momento será preciso, por exemplo, consumir relatórios produzidos por terceiros, o que representa receber informações com um certo atraso”.

Existem, é claro, muitas qualidades que podem pesar a favor dos nossos gestores. Os custos reduzidos, a fiscalização da CVM, a proximidade física do gestor e até a rica experiência obtida com o passado econômico conturbado do Brasil são algumas delas. Por essa ótica, pode-se também pensar que é a indústria internacional de fundos que vai ganhar um concorrente, e não a nossa. “Temos profissionais com excelente formação acadêmica, experiência no exterior e visão global”, pondera Henrique Alvares, membro da comissão de administração de recursos de terceiros da Anbid. Também sócio da Neo Investimentos, Alvares espera diferenciar-se pela escolha dos ativos, desviando o foco dos títulos do Tesouro americano.

É provável também que o gestor brasileiro tenha a oportunidade de dispensar aos seus clientes um atendimento que os grandes bancos e corretoras internacionais não poderiam oferecer. “As explicações transmitidas diretamente pelo gestor do fundo podem ser um dos nossos atrativos”, observa Pedro Rudge, da Investidor Profissional, que pretende manter, também nos fundos internacionalizados, o foco em empresas com liquidez reduzida, mas forte perspectiva de valorização a longo prazo. “Além disso, a intenção é abocanhar, nesta fase inicial, uma parcela adicional de recursos dos investidores que já são clientes e conhecem os processos e a filosofia da empresa”, completa.

CVM estuda fim da sobreposição entre administrador e gestor

A forte concentração do patrimônio da indústria de fundos está na mira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Provavelmente em junho chegará ao mercado um documento elaborado pela autarquia apresentando propostas para a implantação de uma figura terceirizada ou de um comitê interno nos casos em que houver sobreposição das funções de gestor e administrador de um mesmo fundo. O documento terá formato similar ao dos concept releases emitidos pela SEC, já que não estabelece mudanças na regulamentação neste primeiro momento, e também não se trata de um parecer de orientação.A meta é aprimorar uma das funções essenciais do administrador: fiscalizar o trabalho de gestão dos fundos de investimento. Há duas formas principais para que esta nova figura seja implantada. Pela segregação de atividades internas ou através de um terceiro agente que pode ser o depositário ou o custodiante, conforme orienta a própria Iosco, em relatório elaborado por um de seus comitês técnicos e publicado em fevereiro. “O objetivo é discutir o tema e contrapor com a situação de outros países em que essa sobreposição está sendo analisada, como na União Européia”, afirma Aline de Menezes Santos, superintendente de desenvolvimento de mercado da CVM.

l Atualmente, os dez maiores administradores do país concentram 64% do número de fundos, 76% em patrimônio líquido e 92% em número de cotistas. Somente a BBDTVM detém 20% do mercado de administração e 20% da gestão. O Itaú também possui a mesma fatia dos dois segmentos: 15%, enquanto o Bradesco tem 13% e 14%, respectivamente. “Essa consolidação das duas funções é decorrência da própria norma, já que faculta ao administrador a contratação de um gestor terceirizado. Nos fundos de varejo esse cenário é ainda mais evidente”, explica Bruno Amatuzzi, associado da área empresarial do escritório Pinheiro Neto Advogados. (Y.Y.)


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