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Nova estratégia
Em tempos de desconcentração do controle acionário, as ofertas públicas voluntárias entram no radar dos empresários brasileiros

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Com nuanças de filme de suspense ou drama à mexicana, as chamadas ofertas hostis de aquisição de controle, comuns nos mercados desenvolvidos, são ilustres desconhecidas no Brasil. Elas se caracterizam por ocorrer sem a solicitação nem a simpatia dos administradores da companhia-alvo, que geralmente discordam de seus termos ou simplesmente temem perder seus postos sob o domínio de um novo controlador. É difícil pensar em mais de duas ofertas públicas de aquisição (OPAs) que receberam essa conotação por aqui: a da Sadia pela Perdigão em 2006, e a da Telefônica pela GVT em 2009. Mas é possível que mais ofertas do tipo comecem a surgir. A OPA da Vale pela Paranapanema, mesmo não tendo atingido a adesão de 50% mais um dos papéis da empresa em 1º de setembro, é um sinal claro disso.

A aproximação entre as mineradoras pode não ser um exemplo clássico de hostilidade, pois a sobreposição de acionistas relevantes nas duas companhias permite classificar a oferta mais como amigável. A semelhança com os episódios envolvendo as empresas de alimentos e as telefônicas está na adoção de um instrumento praticamente inutilizado, o da OPA voluntária. Presente no artigo 257 da Lei das S.As., de 1976, e no artigo 2° da Instrução 361 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), de 2002, o mecanismo passou muito tempo sem encontrar um ambiente propício para ser acionado. As OPAs quase sempre foram feitas por obrigação, seja para o fechamento de capital, seja para pagar aos acionistas minoritários numa alienação de controle (direito de tag along).

O mecanismo presente no artigo 257 da Lei das S.As. passou muito tempo sem ser acionado. As OPAs quase sempre foram feitas por obrigação

Isso está mudando agora. Um terreno fértil para as OPAs voluntárias ou não solicitadas são os mercados em que as companhias não têm controlador definido, como o norte-americano e o inglês. Para empresas dirigidas por uma pessoa ou grupo com mais de 50% das ações com direito a voto, não faz sentido, obviamente, lançar uma oferta pública para a compra do controle acionário. É mais fácil negociar diretamente com os acionistas majoritários. Se estes dizem não, fim de papo, impossível levar o controle para casa. Era esse o raciocínio corrente no Brasil, onde até pouco tempo atrás só havia companhias com “donos”.

A transformação começou nos últimos anos, com a consagração do modelo “capital social 100% ordinário” — uma exigência do Novo Mercado, o segmento de listagem da BM&FBovespa que requer padrões elevados de governança corporativa. Vários empreendedores aceitaram fazer parte desse grupo seleto como condição para atrair o interesse de investidores para suas ofertas públicas de ações. Sem a possibilidade de emitir ações desprovidas de voto, como as preferenciais, eles tiveram de captar recursos lançando ações ordinárias e abrindo mão, em alguns casos, de ter o controle majoritário. “O capital das companhias está ficando mais disperso. As OPAs voluntárias serão uma consequência”, acrescenta o advogado Marcelo Trindade, ex-presidente da CVM.

Veja-se o caso recente da Paranapanema. Em 2008, seguindo um plano de reestruturação que culminaria em seu ingresso no Novo Mercado, a mineradora converteu seu capital preferencial em ordinário. Uma série de eventos societários reduziu também a participação dos acionistas do bloco controlador. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil (Previ), que até 2008 detinha 49,08% do capital social, tem hoje 23,96%. Sozinha, não consegue assegurar o exercício do controle. Isso estimulou a OPA apresentada pela Vale.

No primeiro semestre deste ano, a Ideiasnet também foi alvo de uma OPA voluntária, disparada por gente ligada a sua administração, graças à dispersão do seu capital. Na Perdigão, em 2006, a oferta da Sadia só morreu em poucos dias porque os fundos de pensão, que já tinham perto da metade das ações ordinárias da primeira, se mobilizaram para reunir o restante que faltava e repelir a proposta. Na GVT, o grupo considerado controlador no ano passado também não possuía a maioria das ações, abrindo espaço para a investida da Telefônica. A operação só não vingou porque, antes da data do leilão da oferta, a francesa Vivendi acabou abocanhando mais de 50% das ações ordinárias (ONs) da GVT com compras em bolsa e negociações diretas. Atingiu o mesmo objetivo, portanto, sem fazer uma oferta pública.

REGRAS MAIS CLARAS — Apesar de ter inviabilizado a oferta da Telefônica, a tacada da Vivendi deu sua contribuição para o uso das OPAs voluntárias. A repercussão negativa do episódio, alvo de investigação pela CVM, com certeza vai impedir que alguém use de expediente semelhante. O caso gerou celeuma por causa das características inéditas da aquisição, como o uso de derivativos, que permitiram à Vivendi anunciar ter conquistado, de um dia para o outro, o controle da GVT, desbancando a oferta da operadora espanhola.

“A regulamentação brasileira não é muito clara sobre as possibilidades de negociação das ações que são alvo de uma oferta pública”, reconhece Eliana Chimenti, sócia do escritório Machado Meyer. A reforma da Instrução 361, colocada em audiência pública neste ano pela CVM, tenta desanuviar o cenário. Se aprovado, o novo texto fará com que, durante o curso de uma OPA, os detentores de ao menos 2,5% de determinada espécie e classe de ações da companhia alvejada informem ao público quaisquer movimentações com papéis dessa empresa — mesmo que a transação se restrinja a apenas uma ação. Se existisse quando ocorreu o caso de GVT, essa regra poderia ter dificultado a escalada da Vivendi no capital da operadora.

Avaliar a oportunidade de uma OPA voluntária já faz parte do checklist dos clientes em busca de fusões e aquisições

VANTAGENS À VISTA — Há quem diga que o controle da Paranapanema não chega a ser difuso. Embora não tenham um acordo de acionistas, a Previ, a empresa de investimentos do BNDES (BNDESPar) e a Fundação Petrobras de Seguridade Social (Petros) somam 53% de participação total na companhia. Se a Vale negociasse privadamente com o trio a compra dos seus papéis, é provável que a operação fosse caracterizada como alienação de controle, o que desencadearia a OPA obrigatória aos investidores minoritários, a 80% do preço atribuído a cada ação do bloco de controle, o chamado tag along. Uma economia considerável.

Mas, ainda assim, a OPA voluntária pode ser mais vantajosa. Trata-se de uma maneira de pressionar os investidores a venderem suas participações. Convencer um a um leva tempo ao passo que, com a OPA, pode-se ao menos conquistar a adesão daqueles investidores que consideram o preço justo. “É possível que, para alguns, a proposta seja boa. Sem nenhum tipo de acordo formal, eles têm o direito de vender suas ações sem se preocupar com a aceitação dos demais”, explica Thiago Giantomassi, sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados.

Luiz Leonardo Cantidiano, sócio do escritório Motta, Fernandes Rocha Advogados e ex-presidente da CVM, enxerga na isenção de registro no regulador outro incentivo para a elaboração de uma OPA voluntária. Diferentemente de outras ofertas, essa não precisa de registro na autarquia para ser formulada. No Barbosa, Müssnich e Aragão, avaliar a oportunidade de uma OPA voluntária já faz parte do checklist dos clientes em busca de fusões e aquisições, conta Paulo Aragão, sócio do escritório. “Elaboramos sistemas que atendem à criatividade do empresário, que tem demandas cada vez mais complexas.” Para o advogado, esse é um processo que o fascina: “o uso cada vez maior das potencialidades da lei”.

OBSTÁCULOS REMOVIDOS — Aos poucos, uma barreira importante para as OPAs também vai sendo demolida. As cláusulas de “poison pills”, anexas à maior parte das companhias com controle difuso ou capital pulverizado que chegaram à BM&FBovespa nos últimos anos, correm o riscos de serem extintas. A proposta de revisão das regras do Novo Mercado inclui proibir a adoção desse mecanismo para as novas integrantes do segmento. Acusadas de impedirem a entrada de acionistas relevantes, várias companhias já abrandaram ou eliminaram suas pílulas. As poison pills dificultam o acúmulo de grandes blocos de ações nas mãos de um único investidor ao obrigar o comprador de determinado percentual do capital a fazer uma OPA para todos os acionistas. Geralmente, requerem o pagamento na oferta de um preço bem acima do de mercado.

Um dos objetivos dessa parafernália estatutária é espantar justamente as OPAs não solicitadas. Agora, sem as previsões da pílula de veneno, as companhias ficariam, em tese, à mercê de uma oferta hostil. Isso é necessariamente ruim? Para Carlos Motta, do escritório Tauil e Chequer, associado à firma norte-americana Mayer Brown, a resposta é não. Ele acredita que os acionistas de hoje sabem diferenciar uma proposta interessante de uma oportunista. “Mesmo as pessoas físicas têm assessoria de bancos”, salienta.

É BOM TER UMA PORTA ABERTA? — Os defensores das OPAs voluntárias costumam argumentar que a possibilidade de receberem uma oferta hostil anima os administradores de uma companhia a se aperfeiçoarem. Pois se eles se acomodam, e os negócios vão mal, os acionistas não vão pensar duas vezes antes de vender seus papéis a alguém com poderes de promover um “choque de gestão” — mudança que muito provavelmente incluiria a troca de diretores e conselheiros.

Pesquisadores das Universidades Harvard e Xavier, nos Estados Unidos, tentaram mostrar se a ameaça de uma mudança de controle acionário melhora a administração da companhia-alvo. Para isso avaliaram 21 companhias japonesas que tiveram ações compradas em bolsa pelo M&A Consulting (MAC), o primeiro fundo a promover uma oferta hostil no mercado nipônico. O objetivo era avaliar se o ingresso do investidor, que ficou famoso naquele mercado pela aquisição hostil que realizou, sugeriria a perspectiva de uma oferta e teria alguma influência no preço dos papéis.

Os autores perceberam uma queda média no desempenho operacional das empresas ao longo de quatro anos após as notícias das aquisições. Durante os dois primeiros anos, porém, os acionistas tiveram retornos anormais com a valorização dos papéis. É claro que é difícil provar que a exposição a ofertas hostis aprimora os resultados de uma companhia. Mas que os investidores podem ganhar muito com isso, não há dúvida.


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