Nova era na bolsa

, Nova era na bolsa, Capital AbertoNos últimos meses, tem sido difícil repor os cartões de visita do engenheiro Paulo Oliveira, diretor executivo de desenvolvimento e fomento de negócios da BM&FBovespa. A sua agenda de encontros com as corretoras, distribuidoras e parceiros, pelo Brasil e exterior, está intensa e totaliza uma média de 12 horas de contatos com atuais e potenciais clientes por dia. “A minha área pode ser comparada com uma diretoria comercial”, diz. Para driblar a escassez de recursos com o fim das ofertas iniciais de ações (IPOs), a BM&FBovespa cria produtos, altera as cobranças de tarifas, busca oportunidades de vender os seus serviços para a América Latina e aproveita para arrumar a casa. Dentre as reformas, vai apresentar, a partir do segundo semestre, a proposta das novas regras para o Novo Mercado.

CAPITAL ABERTO: Que balanço o senhor faz da fusão das bolsas?

Paulo Oliveira: A ideia da fusão no Brasil foi muito interessante. Juntamos duas bolsas complementares, enquanto em outros países foram feitas fusões de iguais. A complementaridade das funções de uma bolsa de derivativos e uma de ações é muito boa. Cria uma estrutura vertical, o que em outras partes do mundo era muito criticado. Mas agora a crise financeira internacional mostra que essa estrutura foi uma escolha muito feliz para o Brasil. Esse movimento começa, inclusive, a acontecer no mercado internacional. Há bolsas estudando verticalizar estruturas, ter bolsas mistas de clearing e ações. É o que nós somos aqui no Brasil.

“Todos estamos sentados juntos. Não tem mais aquele ambiente separado, cada um na sua sala”

O processo de integração está concluído?

Nossa ideia era integrar as duas casas e ganhar escala naquilo que a gente já fazia. Preparamos um plano. Quando chegou setembro, ele teve de ser revisado por causa da grande crise mundial. A bolsa fez um esforço muito grande, e com muito sucesso, para entender quais são as áreas principais, qual o tamanho ideal e como estar preparada como empresa. Isso resultou em cinco diretorias executivas que participam, com o presidente, da gestão estratégica. Todos estamos, inclusive, sentados juntos. Não tem mais aquele ambiente separado, cada um na sua sala. Nesse modelo, a empresa é ágil, flexível e, ao mesmo tempo, estruturada. As bolsas, até por definição do mercado financeiro dos últimos 20 anos no Brasil, tinham de ser flexíveis, porque as coisas mudavam a cada dia. Essa flexibilidade era muito baseada nas pessoas. Agora temos de ser flexíveis baseados na estrutura. A estrutura deve ser ágil e flexível no tempo de resposta.

Quais as principais diferenças da diretoria executiva de fomento em relação ao modelo anterior?

Ela pode ser comparada à área comercial da empresa. Geralmente, o relacionamento da bolsa com o mercado se faz por meio dos canais de distribuição — corretoras e bancos. A postura das bolsas é tradicionalmente mais estática. Estamos mudando isso. Agora, não temos fisicamente o pregão, mas sim o pregão eletrônico. Assim, cada cliente com seu DMA (acesso direto ao mercado) pode apertar um botão e negociar — tanto a pessoa física, no home broker, quanto a empresa ou instituição financeira num terminal DMA que está na frente dela. A mudança é simbólica. A bolsa agora tem de ir até o cliente, e ele tem de ser bem atendido. E nosso principal cliente é o canal de distribuição.

O corretor deve ser o grande aliado?

A bolsa tem de atingir o cliente final e explicar o que ele pode fazer. Mas ela só pode fazer isso por meio da sua rede de distribuição. Se eu não estiver com o corretor ao meu lado, entendendo o cliente final e prestando para ele um serviço de qualidade, não funciona. Então temos essa dupla missão: falar com o cliente final que vai operar no mercado e capacitar o corretor para ser esse meio de comunicação.

O papel de vilão que os derivativos tiveram no auge da crise financeira representou queda nas operações da BM&FBovespa? Atrair companhias para operar nesses mercados está mais complicado?

Falar de derivativos ultimamente é uma missão difícil e muito importante. O derivativo tem uma marca considerada preocupante, mas o que a bolsa faz é transferir o risco de quem não pode assumi-lo para quem tem tecnologia e pode administrá-lo. O que vemos na crise é que as empresas que deveriam transferir o risco inerente à sua atuação para profissionais da administração de risco, através de derivativos, acabaram assumindo o risco elas mesmas. A diferença entre um cassino e uma bolsa é que o cassino não gera risco. Quando a roleta gira, o risco aparece. Acabou o jogo, acaba o risco. Já a bolsa transfere os riscos que existem na economia real (os riscos do agricultor, da taxa de juros, do câmbio) para um profissional que os administra. Então é fundamental a existência da bolsa, pois de outra maneira o risco estaria na sociedade.

E por que os riscos se alastraram da maneira que vimos?

Porque no mundo inteiro o mercado é 80% de balcão e 20% bolsa. No Brasil, é o contrário. A crise nos trouxe a aceleração de um processo de explicação da importância sistêmica de uma bolsa. Quem opera no ambiente de bolsa sabe que vai receber o que comprou e que não vai ter um problema de crédito, porque a bolsa é sua contraparte. O sistema de garantia da Bolsa foi sempre muito elogiado no mundo inteiro. Temos muito mais garantia e controle de risco do que qualquer outra no mundo. A cada 15 minutos, todas as posições de derivativos são revisadas e todas as margens são recalculadas. No sistema de equity isso é feito duas vezes por dia. A média internacional é de apenas uma atualização diária. Outra vantagem nossa é que temos como saber quem é o beneficiário final, o cliente por trás da operação. A bolsa sabe quem é a ponta. No mundo, as bolsas sabem apenas quem são as corretoras que estão operando, e a corretora é quem trata com o cliente. Isso transfere o risco da bolsa para a corretora. A bolsa não chama margem da corretora, mas a corretora terá de chamar margem das pontas compradas e vendidas. Essa situação traz um risco para o sistema que a bolsa não está vendo. Aqui no Brasil nós chamamos margem de cada um dos clientes, do comprado e do vendido. A segurança é muito maior.

O modelo da BM&FBovespa ganhou respaldo após a crise. Isso tem chamado a atenção de possíveis parceiros internacionais?

A bolsa tem um propósito claro de colocar o Brasil como player internacional no que tange ao mercado financeiro mundial. Somos 85% do mercado de equity e 95% do mercado de derivativos da América Latina. Mas isso não quer dizer que nós temos uma negociação latino-americana. Significa apenas que o País é grande. Nosso próximo passo é integrar o mercado latino-americano de fato. Não apenas ser o maior país da América Latina, mas ter um só mercado, sendo a porta de entrada da região para o mundo e vice-versa.

A integração pode ocorrer por meio de fusões e aquisições de outras bolsas?

Não temos nenhuma estratégia de comprar uma bolsa latino-americana, mas sim de integrar o mercado e preservar as bolsas como elas são. Vamos oferecer serviços e produtos, integrando os mercados em nossa plataforma de negociação. Quando você tem um brasileiro que pode comprar ações de uma empresa chilena no Brasil, ou o contrário, você tem uma integração desses dois mercados.

Chile e México seriam os principais parceiros na América Latina?

Colômbia também. Estamos cogitando esses países e vendo que, em termos de estrutura, o Peru também é um país que tem condições de integração.

Quais produtos podem ser desenvolvidos para esse processo?

Produtos de moedas futuras desses países. Peso colombiano contra real, por exemplo. Se um cliente chileno ou peruano comprar ações brasileiras, ele está comprando também o risco moeda. Para travar esse risco, deve haver o mercado futuro. Plataformas de negociação, nosso know-how em controle de risco e em clearings são coisas que podemos integrar.

E qual o projeto para os países desenvolvidos?

Nesse caso, temos um setor de derivativos e uma aliança estratégica com a bolsa de Chicago — que coloca todos os nossos produtos no Globex, a plataforma de negociação deles, presente em 88 países que já podem acessar os derivativos do Brasil. Isso começou em setembro e está crescendo. Na próxima fase, vamos focar no lado inverso, brasileiros acessando os produtos do mercado americano. Vamos poder negociar aqui no Brasil os índices de bolsa SMP, Dow Jones, Treasures americanos, eurodólar.

Serão necessários novos investimentos em tecnologia?

Isso já é tecnologicamente possível, está integrado na plataforma. Agora temos que ver em termos regulatórios, pois ainda há coisas que podem melhorar. O índice Bovespa, por exemplo, não está regularizado para operar no mercado americano. Para o brasileiro operar lá fora, ele deverá ter convênio com uma corretora americana, depositar margens lá em dólar e fazer o sistema de clearing. A BM&FBovespa pode ajudar operacionalmente nesse movimento e está fazendo seus convênios e se preparando para prestar o serviço.

E como está indo a reforma do Novo Mercado? Os trabalhos da Câmara Consultiva foram concluídos?

A bolsa constituiu a Câmara para ouvir o que deve ser feito para melhorar o conceito de governança corporativa. Ouvimos também as sugestões do mercado, mas essa é só a primeira fase, porque quem muda de fato o regulamento são as companhias listadas. São 99 empresas no Novo Mercado e mais aproximadamente 50 em Nível 1 e Nível 2. Agora começa um processo de fóruns e seminários para que as empresas entendam o que está sendo proposto, discutindo a opinião técnica e de mercado. Colhendo essas informações, a bolsa vai preparar um regulamento — aí sim a opinião da bolsa — e submetê-lo às empresas. No segundo semestre, as empresas entrarão em um processo de audiência restrita, no qual, com seus conselhos, vão avaliar o novo regulamento e votar. A alteração acontece se houver 70% de votos a favor. As reformas anteriores foram muito “cosméticas”. Mas, agora, há sugestões que implicam mudança do estatuto da empresa. Por isso, é preciso pensar bem.

Em relação a temas que se tornaram polêmicos, como poison pill e tag along, existe alguma tendência para as modificações?

A bolsa ainda não tem sua opinião, mas estamos percebendo algumas coisas. Poison pill, por exemplo, é claramente um ponto que deve ser revisado, assim como as suas cláusulas pétreas. Em relação ao tag along, é preciso sempre garantir que o minoritário vai ser respeitado no seu direito. Pelo entendimento jurídico no Brasil, o que está escrito deve ser obedecido. Então é hora de saber como escrever melhor, para impedir que aquilo que não deve acontecer seja feito com justificativas legais.

A tendência é de que o Nível 1 acabe?

Acho que a tendência é de que as empresas em geral — o que chamamos de mercado tradicional — aumentem seu nível de governança, de modo que todo o mercado se aproxime do que hoje é o Nível 1. A qualidade do mercado todo está subindo e o fim do Nível 1 seria consequência. Mas ele também pode subir, e vamos conversar sobre isso com todos os participantes envolvidos.

A recente revisão das tarifas de custódia tem o efeito de incentivar o investimento direto no Brasil?

Não mexemos na questão da arbitragem com ADRs ainda. O que fizemos foi criar uma desvantagem para o investidor que fica parado, gerando custos. Vale lembrar que a depositária está gerando relatórios, garantindo o pagamento de dividendos, preservando uma qualidade de serviços. Algumas pessoas dizem que isso é uma forma de aumentar a receita da bolsa. Na verdade, é a maneira de torná-la mais competitiva diante das bolsas internacionais. Temos de nos preparar para o cenário de competição.

Há grandes corretoras internacionais com interesse de começar a operar aqui?

Elas fazem contato conosco, o Brasil está sendo comprado. Todos perceberam que, nessa crise, o País teve um desempenho diferenciado em relação aos demais emergentes, e também muito mais segurança e controle do que os desenvolvidos. Está no planejamento estratégico das grandes corretoras do mundo ter uma participação ativa no Brasil. E algumas estão realmente vindo. Não apenas da Europa, mas também da Ásia. A maior corretora coreana já recebeu autorização para operar aqui. Também existe um profundo interesse do mercado japonês pelo Brasil. A Ásia olha para cá como alternativa de investimento.


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