No escurinho da piscina
Dark pools caem nas graças dos grandes investidores e ameaçam a liquidez e os preços das bolsas tradicionais

, No escurinho da piscina, Capital Aberto

 

Um grande investidor conta a seguinte história: ao montar uma posição de R$ 100 milhões em ações de uma única empresa, foi informado pela corretora da inexistência de um bloco de ações tão grande. Para executar a ordem, seria preciso comprar pequenos lotes a preços variados. O desenrolar da execução chamou a atenção de outros investidores. A magnitude da operação empurrou o preço das ações para cima. Ao fim da execução, o grande investidor amargou perdas de R$ 1 milhão. Foi prejudicado pela escalada dos preços ao longo da operação, além do incremento nos custos de corretagem. A razão para as perdas está nas plataformas de operação utilizadas no Brasil. Além de não dispor de lotes para atender a demandas dessa envergadura, o modelo atual enxerga apenas a cotação. E como uma oferta por um lote muito acima do normal, provavelmente, não terá o melhor preço, ordens volumosas não são sequer vistas por quem acompanha o book.

O prejuízo do personagem acima é experimentado com freqüência pelos investidores institucionais brasileiros. O desagrado só não é maior porque a maioria deles ainda desconhece o significado de uma locução em inglês que se transformou em sinônimo de bons negócios para seus pares no exterior: as dark pools. Esse é o apelido de plataformas de negociação (as “piscinas”) eletrônicas, em que as partes não se vêem. Daí o adjetivo “dark”, que vamos traduzir como “escuras”. Localizadas, principalmente, nos Estados Unidos e na Europa, elas têm como principal função casar pedidos de compra com ordens de venda sem alterar o preço do papel no pregão, uma vez que a execução é feita fora dele e de forma anônima.

Se pudesse usar uma piscina escura, o investidor do primeiro parágrafo iria se beneficiar da seguinte forma. Primeiro, teria de ser cliente de um banco ou corretora — a maioria das dark pools é controlada por esses agentes — que tivesse uma plataforma nesses moldes. A operadora teria a incumbência de encontrar liquidez para o pedido entre os seus clientes, sem que a execução passasse pelo chão da bolsa. A negociação chegaria ao fim preservando as duas partes no anonimato. Assim, o mercado em geral não tomaria conhecimento da movimentação, mesmo ela sendo tão vultosa.

No caso de a operação não ser concluída internamente, ou seja, entre os clientes da mesma instituição, a controladora procuraria outras piscinas até conseguir executar a ordem. Isso cria outra qualidade das dark pools, destacada por Grant Vingoe, sócio do escritório de advocacia nova-iorquino Arnold & Porter. “Negociações dentro das piscinas são mais rápidas do que em bolsas.” E mais baratas. O resultado é o aumento assombroso de execuções fora de pregão. Se, há dois anos, cerca de 4% das negociações de ações listadas na New York Stock Exchange (Nyse) aconteciam em piscinas escuras, hoje esse número chega a 20%. Os dados despertaram o interesse da própria Nyse, que anunciou, no início do ano, o lançamento de sua dark pool ainda em 2008. “A bolsa está focada em entregar produtos que o mercado está pedindo, e a piscina escura é um deles. Temos a oportunidade de criar algo único”, diz Colin Clark, vice-presidente de análise competitiva da Nyse, à CAPITAL ABERTO. Seu departamento é responsável por acompanhar o movimento das concorrentes.

, No escurinho da piscina, Capital AbertoA plataforma está sendo desenvolvida em parceria com a Bids Trading, operadora do Alternative Trade System (ATS). Lançado em abril de 2007, o Bids ATS reúne 14 dark pools de ordem e execução de instituições como Bank of New York, Citibank, Goldman Sachs, JP Morgan e UBS. A ferramenta aumenta a velocidade de propagação das ordens, o universo de investidores e, por conseqüência, a liquidez dos grandes blocos. Em apenas um ano, foram negociados dois bilhões de ações pelo Bids ATS.

Um efeito aparentemente contraditório das dark pools foi notado pelo instituto de pesquisas mercadológicas TABB Group. Há dez anos, o tamanho médio dos blocos negociados era de 1,4 mil ações. Em 2008, o número caiu para 260. O resultado pode dar a falsa impressão de que as piscinas escuras estão cada vez mais rasas, mas a explicação para a diminuição dos blocos passa pela tecnologia. “Este é um produto da negociação algorítmica, que quebra as ordens em pequenos blocos a fim de permitir a execução delas”, diz Vingoe, do escritório Arnold & Porter.

O problema é que os lotes menores começaram a despertar a ira dos críticos. Desconfia-se que as dark pools estejam avançando sobre o terreno tradicional das bolsas sem oferecer ao mercado a mesma transparência de preços. E não é só isso. À medida que os institucionais fazem maior uso das dark pools, diminui a liquidez nos mercados tradicionais, o que empobrece o ambiente da negociação disponível para pessoas físicas.

LONGE DO BRASIL — Por conta de restrições mercadológicas aliadas a impedimentos legais, as dark pools devem demorar a chegar ao País. Na sua Instrução 461, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) veda a negociação simultânea de ações em mercados de bolsa e de balcão organizado, em que uma dark pool provavelmente se enquadraria. Restaria ao proprietário de uma piscina escura buscar classificá-la como bolsa, já que a regulação permite a negociação simultânea nesses mercados. Essa hipótese, entretanto, é pouco provável, assim como a outra saída possível: convencer as empresas listadas na Bovespa a abandonarem a bolsa e migrarem para um mercado de balcão organizado. “Apesar das limitações atuais, acredito que daqui a algumas décadas todos vão transacionar por estas plataformas também no Brasil”, diz Arthur Machado, gerente executivo da Ágora Invest. O levantamento do TABB Group aponta nesse sentido. De acordo com o instituto, hoje são 42 piscinas competindo entre si. A parte positiva é que a concorrência acaba por controlar as taxas cobradas por elas. A disseminação de plataformas, contudo, dificulta a execução dos pedidos, num momento em que a comunicação entre elas ainda engatinha.

Erik Sirri, diretor de negociação e mercados da Securities and Exchange Commission (SEC), acredita que clientes pressionarão os operadores de dark pools a se comunicarem entre si e que as forças de mercado criarão o esperado movimento de consolidação das piscinas escuras. O diretor falou sobre o assunto em fevereiro deste ano, num simpósio dedicado às dark pools em Nova York. No mesmo discurso, Sirri citou levantamento feito pelo Investment Technology Group, que revelou queda de 35% nos custos de transação de investidores institucionais entre 2005 e 2007, em grande parte devido à popularização das plataformas.

Mas e os investidores pessoa física têm lugar nessas piscinas? O que se percebe é que, por enquanto, eles estão à margem delas. Mas sofrem com os respingos. O encolhimento das negociações em bolsa afeta quem não pode se banhar nas dark pools. Em seu discurso, Sirri disse apenas que as plataformas devem proporcionar acesso equitativo aos participantes do mercado, sem discriminação, como prevê o Exchange Act. O problema, conclui Sirri, é que algumas peculiaridades das dark pools vão de encontro a essa exigência.

A mais perigosa de suas características é, justamente, o seu maior predicado: a não-exibição das ofertas. Sirri acredita que o acesso desigual à liquidez pode criar sérias dúvidas quanto à lisura dos mercados. Tal situação colocaria em xeque a precificação dos papéis. O fato de as ações serem cada vez mais negociadas sem exposição pública, somado à diminuição da liquidez nas bolsas, cria condições favoráveis a pressões no valor dos papéis. Se o preço de uma ação é quanto alguém está disposto a pagar por ela, a confusão está formada quando o valor de parte considerável das ordens não é de conhecimento público.

Independentemente da desconfiança de atores tão importantes como um diretor da SEC, as dark pools continuam a ser a atual menina dos olhos de corretoras, bancos de investimento e até das bolsas, como vimos no caso da Nyse. Quatro meses após o discurso de Sirri, foi a vez da bolsa britânica Plus Markets, voltada para pequenas e médias empresas, anunciar a sua piscina escura. Com previsão de lançamento para o fim do ano, a dark pool virá para melhorar a liquidez de grandes lotes acionários das companhias listadas que, pelo tamanho, têm papéis mais sensíveis às movimentações. Problema idêntico ao das empresas listadas no Bovespa Mais, com seus poucos investidores detentores de grandes participações. A dark pool seria, quem sabe, uma solução, mas a Bovespa preferiu não comentar.

Conteúdo extra

Leia o discurso do diretor de negociação e mercados da Securities and Exchange Commission (SEC), Erik Sirri, sobre dark pools.


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