O valor na era dos intangíveis
Desafio é financiar crescimento baseado em ativos como marcas, pesquisas e patentes
Luiz Paulo Silveira

Luiz Paulo Silveira* / Ilustração: Julia Padula

Os bens tangíveis formaram a espinha dorsal das três primeiras revoluções industriais. Máquinas pesadas operadas por trabalhadores passaram a transformar commodities, produzindo em grande escala roupas, automóveis, gasolina, telefones, aço, televisores, rádios e aviões, entre milhares de outros itens. Não à toa, as empresas mais valiosas desse período na bolsa de valores americana eram as grandes fabricantes e as maiores exploradoras de commodities — companhias como Ford, Exxon, General Motors, General Electric e U.S. Steel, para citar apenas algumas.

Mas esse cenário mudou nos últimos anos. Estamos em plena era do conhecimento e da inovação, na aurora da quarta revolução industrial, época em que ativos intangíveispropriedade intelectual, marcas, pesquisas e patentes — passaram a serem percebidos pelos investidores como mais importantes do que grandes fábricas, instalações ou jazidas de minério. Vale lembrar que, até há algum tempo, os valores de determinados ativos intangíveis de uma empresa não eram levados em conta em uma análise de valor de mercado. Havia uma grande dificuldade na aferição desses elementos de caráter subjetivo.

O relatório Intangible Asset Market Value Study (IAMVS) apresenta a composição dos ativos das empresas no mercado americano dentro do índice Standard & Poor’s 500. O estudo mostra que em 1975 cerca de 83% do valor das empresas era composto de ativos tangíveis, enquanto os intangíveis representavam apenas 17%. Já em janeiro de 2015, essa proporção se inverteu, com cerca de 84% do valor das empresas do índice atribuído aos intangíveis, restando 16% para os demais ativos. Essa variação evidencia a importância crescente dos intangíveis para a economia americana. A Apple, a maior empresa do mundo em valor de mercado, tem 82% do seu valor alocado em ativos intangíveis. Mais empresas que ficam entre as dez mais valiosas apresentam percentuais semelhantes, como Google (também 82%), Microsoft (95%), Amazon (98%) e Facebook (89%).

O capital intangível nas cadeias de valor vai gradualmente decidir o destino e a riqueza de uma empresa e sua possibilidade de sucesso.

Outro relatório, da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI), mostrou que o capital intangível representa hoje cerca de 30% do valor de produtos manufaturados globais, o equivalente a 5,9 trilhões de dólares. Segundo a entidade, o capital intangível nas cadeias de valor vai gradualmente decidir o destino e a riqueza de uma empresa e sua possibilidade de sucesso.

 

 

Como podemos constatar, o que se vê não é necessariamente o que tem mais valor. Mas existe uma questão em torno da forma como esses novos tipos de ativos invisíveis estão sendo financiados. O capital intangível é de difícil financiamento no mercado, dada a sua baixa capacidade de reprodução, não-exclusividade e reduzida liquidez. Criou-se, então, uma forma alternativa e criativa para se financiar o que não se vê: o financiamento por meio de contratos de trabalho. Os investidores americanos logo perceberam que nada mais lógico do que usar o fluxo de caixa dos salários dos inovadores de suas empresas, utilizando como meios os contratos de trabalho (retenção de parte do salário), contratos de pagamento futuro (desembolso do salário retido, bonificações, stock options etc), contratos de garantia (a propriedade intelectual do intangível em desenvolvimento) e indicadores de desempenho atrelados ao ativo intangível em desenvolvimento.

Dentre os exemplos citados, destacam-se os ESOPs (employee stock option plans) como forma de atração de talentos: paga-se salários abaixo do mercado, diferença compensada com ganhos polpudos no futuro. É a tradução financeira para o jargão “espírito de dono”, cada vez mais popular nas startups dessa nossa 4ª Revolução Industrial. Nos Estados Unidos, por exemplo, já são 14 milhões de empregados com a promessa de receber 1,3 trilhão de dólares em ativos das companhias, de acordo com o National Center for Employee Ownership (NCEO).

No Brasil, ainda é difícil a implementação dessa forma de financiamento de maneira ampla. Em primeiro lugar, pela lei trabalhista e pelos respectivos contratos de trabalho extremamente inflexíveis, frutos da era passada, e também por fatores culturais diversos. Mesmo sem uma legislação específica e com alguns riscos trabalhistas, as ESOPs vêm ganhando espaço nas empresas brasileiras, principalmente naquelas dependentes da inovação e criatividade. Na Natura, por exemplo, os planos de stock options representavam em dezembro de 2017 cerca de 112 milhões de reais em ativos, ou 7% do patrimônio líquido da companhia.

Precisamos, mais do que nunca, ajustar nossa infraestrutura para financiamento desses ativos. Caso contrário, corremos o risco de perder nossas mentes criadoras para ambientes mais favoráveis e seguros.


*Luiz Paulo Silveira ([email protected]) é vice-presidente técnico da Apsis Consultoria


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