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Não sou feliz, mas tenho voto
Detentores de ações ON reclamam que os direitos atribuídos às PN colocaram-nos em maus lençóis

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No dia 22 de setembro, um colaborador anônimo do perfil ONforte do Twitter (twitter.com/ONforte) fez o seu alerta no microblog: “107 mil acionistas ordinaristas do Itaú Unibanco, 45 mil do Bradesco e 10 mil da Gerdau foram lesados com a extensão do tag along às PNs!!!!”. Atualmente com cerca de 500 seguidores, a página pertence a investidores que têm como missão “resgatar os direitos dos acionistas ordinaristas que vêm sendo lesados em benefício dos preferencialistas”.

A bandeira levantada pela comunidade parece bem estranha à primeira vista, principalmente para quem acompanhou a luta dos investidores no fim dos anos 90 para ampliar os direitos dos minoritários preferencialistas. Todo esse engajamento levou os legisladores e autorreguladores a criar vantagens para as ações preferenciais que depois passaram a incomodar os ordinaristas.

Até 2001, quando foi reformada a Lei das S.As., os preferencialistas tinham duas vantagens asseguradas na legislação: prioridade no recebimento de dividendos, em montante equivalente a 3% do patrimônio líquido por ação; e um dividendo 10% superior ao distribuído para os detentores de ações ordinárias. Na reforma, essas vantagens ganharam mais um item: a possibilidade de usufruir o direito à oferta conjunta em caso de alienação de controle (o chamado tag along) nas mesmas condições das ações ordinárias. Às companhias foi dada a possibilidade de escolher entre a vantagem do dividendo superior ou o tag along.

A BM&FBovespa também se preocupou em dar mais benefícios aos preferencialistas quando criou os seus níveis diferenciados de governança. Incluiu nas regras de listagem do Nível 2 a concessão obrigatória de tag along, na proporção de ao menos 80%, para os detentores de ações PN. Na reforma do Novo Mercado concluída em setembro, esse percentual foi revisto e ampliado para 100%.

O tag along aos preferencialistas foi uma das mais importantes conquistas dos acionistas minoritários nos últimos anos. Reduziu os prêmios de controle estratosféricos que o mercado brasileiro ostentava até então e aumentou a confiança dos investidores. Mas, na opinião de alguns, essa boa intenção acabou gerando também distorções que agora precisariam ser corrigidas.

A previsão, em estatuto social, da conversão de ações ON em PN poderia colaborar para a valorização das ordinárias

Veja-se o exemplo da Gerdau. Listada no Nível 2, ela oferece 100% de tag along para as ações ON (mais do que o previsto na lei) e 80% para as PNs, conforme prevê o regulamento do segmento de listagem. Os dois tipos de papéis recebem dividendos iguais, usando a prerrogativa da lei de trocar o provento superior pelo direito a tag along. “Alguém pagou a conta desse avanço, e esse alguém foram os investidores que detêm ONs”, lamenta Paulo Bueno, gestor de recursos da paulistana Santa Fé Portfólios e integrante do grupo de investidores que escreve no ONforte. No dia 28 de outubro, as ações PN da Gerdau valiam 30% mais que as ON.

Ele argumenta que, com a concessão do tag along para as preferenciais, a principal vantagem das ONs ficou sendo o direito de voto — vantagem que, num mercado em que a maioria das empresas tem controlador definido, tende a ser menos relevante. As preferenciais, por sua vez, também ganharam direitos importantes nesse quesito. No Nível 2, por exemplo, os detentores de PNs estão aptos a votar em situações críticas para o destino da companhia, como uma fusão, cisão ou incorporação. Essa proteção soma-se à da Lei das S.As., que desde 1976 prevê o voto dos preferencialistas em deliberações que alterem os seus direitos ou quando a companhia deixa de pagar dividendos por três anos. “As ações ordinárias perderam apelo”, concorda Alexandre Assaf Neto, doutor em finanças pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e pesquisador do Instituto Assaf.

Teoricamente, cada ação deveria valer a soma dos fluxos de caixa trazidos a valor presente dividida pelo número de papéis que compõem o capital total, pondera Alexandre Di Miceli da Silveira, professor-doutor da FEA-USP. Ações de uma mesma companhia, sejam preferenciais ou ordinárias, deveriam, de acordo com esse raciocínio, apresentar o mesmo preço. No entanto, no mundo real, a situação ganha contornos mais complexos. As preferenciais, além dos benefícios que lhes foram recentemente atribuídos, tendem a possuir mais liquidez em bolsa. Isso porque, em vários casos, elas compõem a maior parcela do capital total e do capital em circulação — a Lei das S.As., até 2001, permitia que dois terços do capital fossem emitidos em ações preferenciais. Somente depois da reforma, esse percentual passou a ser limitado a 50%. Além disso, por não oferecerem direito a voto, as preferenciais permitem ao controlador maior alavancagem de capital sem perda do controle acionário, motivo que levou muitas empresas a emitirem mais PNs do que ONs.

Com a ascensão do Novo Mercado da BM&FBovespa, que aceita apenas companhias com 100% de ações ordinárias, essa situação mudou. Mas muitas das empresas veteranas mantiveram as duas espécies de ações. E, dentre as novatas, algumas optaram por listar-se nos níveis 1 ou 2, emitindo preferenciais, seja por razões regulatórias — em setores que não permitem a livre circulação de fatias relevantes do capital com direito a voto, a fim de prevenir aquisições relevantes por investidores não desejados, como os estrangeiros, por exemplo —, seja porque queriam ter maior alavancagem para captar recursos sem diluir o controle.

SOLUÇÃO À VISTA? — Os investidores queixosos ouvidos pela reportagem defendem algumas medidas de compensação para as ações ordinárias. Uma delas seria a criação de mais programas de American depositary receipts (ADRs) para esses papéis, por exemplo, a fim de conferir-lhes mais liquidez. Atualmente, somente Vale, Petrobras e Ambev têm programas de ADR para papéis ON, dentre as 29 emissoras brasileiras.

Domingos Figueiredo de Abreu, diretor de relações com investidores (RI) do Bradesco, declara que o banco avalia, periodicamente, a possibilidade de ter ADR também para as ONs. Mas o entendimento que prevalece na instituição, por enquanto, é o de que não há espaço no mercado para esses recibos, já que as PNs têm free float maior e acabam atraindo mais investidores. Listado no Nível 2, o banco confere tanto o tag along de 80% como o dividendo 10% superior para as ações preferenciais. Agora, de acordo com as alterações aprovadas para os níveis diferenciados de governança corporativa da Bolsa, o percentual será ampliado para 100%. Em 28 de outubro, as ações PNs do Bradesco valiam 28,7% mais que as ONs. “Seria salutar termos liquidez nos dois papéis, mas a ação ordinária nunca terá o mesmo volume de negociação que a preferencial porque o banco tem o controle definido”, explica Abreu.

“O tag along só protege o minoritário em alienação de controle. Nos demais eventos ter uma ação ON pode ser melhor”

Para Ricardo Leal, professor do Instituto Coppead de Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma possibilidade para turbinar a negociação das ONs seria a contratação, por parte das companhias, de formadores de mercado focados em operações com esses papéis. Os programas de recompra de ações das companhias, frequentemente dirigidos somente às preferenciais, também poderiam ser estendidos para as ações ordinárias. “Os ordinaristas ficam com a sensação de que nem na hora da recompra são procurados”, observa um representante de um dos maiores fundos de pensão do Brasil.

Também pode colaborar para a valorização das ONs a previsão, em estatuto social, da conversão de ações ordinárias em preferenciais. Foi o que fez a Itaúsa.

Em novembro do ano passado, a companhia alterou o seu estatuto, prevendo uma cláusula da conversibilidade para facilitar a saída de um sócio, a Camargo Corrêa. Como a liquidez dos papéis ON é baixa, a Camargo Corrêa demoraria muito tempo para vender sua participação a preços considerados aceitáveis. O conselho da Itaúsa pode autorizar a conversão com base numa relação fixa estabelecida pelo colegiado, ou através de leilão na Bolsa, especificando as quantidades que podem ser convertidas e em que momento, desde que respeitada a proporção de 1/3 de ordinárias e 2/3 de preferenciais. Depois de aberta essa possibilidade, o preço das ações ordinárias e preferenciais da Itaúsa passou a convergir. Em 28 de outubro, as ações ON da Itaúsa valiam R$ 13,35, enquanto as PNs, R$ 13,25.

A possibilidade de conversão, prevista no artigo 19 da Lei das S.As., é vista com bons olhos pela Bolsa. “Isso pode contribuir para uma precificação mais adequada da espécie menos líquida”, avalia Carlos Alberto Rebello, diretor de relações com emissores da BM&FBovespa.
Há quem aposte em uma mudança de costume como forma de incentivar as companhias a se preocuparem mais com o valor de suas ações ordinárias. Hoje, é comum empresas, investidores, a mídia e outros agentes do mercado calcularem o valor de mercado das companhias tomando como referência apenas a ação mais líquida, que quase sempre é a preferencial. O Itaú Unibanco, por exemplo, usa esse procedimento, conforme informação divulgada em seus resultados do segundo trimestre de 2010. Se considerassem os dois tipos de ações, talvez as companhias se incomodassem mais com o deságio das ordinárias.

DESVANTAGEM? — Reginaldo Ferreira Alexandre, presidente da Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) de São Paulo, não acredita que as ordinárias tenham perdido seu atrativo em relação às preferenciais. “O direito ao tag along só protege o minoritário no caso de alienação de controle.
Nos demais eventos, como incorporações e reestruturações, ter uma ação com poder de voto pode ser mais interessante”, enfatiza. Outro benefício da ON é a possibilidade de os investidores com essa espécie de ação se unirem para eleger um membro para o conselho de administração da companhia, lembra Augusto Vieira, sócio da Neo Investimentos.

A Investidor Profissional (IP), conhecida por gerir fundos que buscam retorno de longo prazo, vê, inclusive, vantagens no desconto dos papéis com direito a voto. “Para quem não precisa tanto de liquidez, as ações ordinárias são uma forma de participar do crescimento de uma empresa comprando a participação a preços mais baixos”, diz Elsen Carvalho, sócio da IP.


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