Não por acaso
José Alexandre Tavares Guerreiro

, Não por acaso, Capital AbertoJosé Alexandre Tavares Guerreiro tinha apenas 34 anos quando lançou o livro Das Sociedades Anônimas no Direito Brasileiro e conquistou prestígio como um dos oráculos do direito societário. Os dois volumes, com 1.200 páginas, redigidos a quatro mãos com Egberto Lacerda Teixeira, foram considerados um manual indispensável para compreensão das inovações da Lei das S.As. Fruto de muito estudo, o sucesso da obra também pode ser atribuído ao espírito ousado que sempre acompanhou sua prática de advogado: em 1965, com apenas 20 anos, Tavares Guerreiro descobriu intuitivamente como transformar a empresa de um cliente numa sociedade de capital autorizado, conforme previa a recém-promulgada Lei de Mercado de Capitais. De forma semelhante, seria precursor na área de arbitragem comercial internacional.

Tais feitos, no entanto, jamais seriam relatados por Tavares Guerreiro, a despretensão em pessoa. Aos 65 anos, ele até gosta de contar detalhes de sua história, muitas vezes em resposta aos ávidos alunos da graduação em direito na Universidade de São Paulo (USP). Mas, invariavelmente, pontua-as com expressões como “foi por acaso” (sobre o cliente chinês, dono de uma usina de óleo de mamona, que apareceu interessado na constituição do capital autorizado , Não por acaso, Capital Abertoque ninguém conhecia) ou “não sei por que ele foi com a minha cara” (sobre o apoio que recebeu do jurista José Luiz Bulhões Pedreira, autor da Lei das S.As., durante a redação do livro) ou ainda “dei sorte de me infiltrar numa roda de especialistas muito fechada” (sobre o começo na arbitragem).

Para validar termos como “prestígio” ou “oráculo”, é preciso recorrer aos admiradores de Tavares Guerreiro, encontrados em diferentes gerações. “Ele é meu mestre”, diz Walfrido Jorge Warde Junior, sócio do escritório Lehmann, Warde Advogados, de 36 anos. “Tem um refinamento intelectual raro, é respeitadíssimo, mas nunca se importou com títulos.” O advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, com quem compartilhava lanches antes mesmo que entrassem na faculdade, acrescenta que a curiosidade intelectual do amigo o transformou em um “grande leitor, com enorme capacidade de análise e síntese”.

Quando Mattos Filho destaca a qualidade de leitor, não está exagerando. Além do apartamento onde reside, revestido por estantes, com 10 mil livros, Tavares Guerreiro mantém, em um prédio quase em frente, outro imóvel apenas para abrigar mais 40 mil volumes. É metade da biblioteca que soma 100 mil livros: os demais estão no escritório e na fazenda em Ribeirão Preto, para onde enviou, recentemente, a coleção completa de revistas da Securities and Exchange Commission (SEC). “Se um extraterrestre aparecer por lá não vai entender nada: um monte de livros sobre mercado de capitais no meio de um pasto de gado”, brinca ele, acrescentando que as casas foram forradas para proteger o acervo da umidade.

Talento, despretensão e interesses variados acabaram por imprimir uma trajetória singular à carreira desse advogado conhecido por fazer parte de círculos requintados, apreciando arte, cinema, teatro e bons vinhos, além da literatura. “Gosto das boas coisas da vida, e sempre consegui tempo para elas”, afirma. Ele garante que na infância lia gibis e nem foi bom aluno do colégio São Luiz, em São Paulo. Só teria começado a levar a sério a faculdade de direito porque precisava ganhar dinheiro e cogitava ficar noivo. “O José Alexandre sempre foi estudioso!”, contesta Mattos Filho.

Estudioso ou não, o fato é que o jovem universitário filiado ao Partido Socialista, o mesmo do pai e do avô responsáveis pelo ambiente questionador e intelectualizado em casa, parecia mais interessado na política efervescente dos anos 60 do que focado na carreira. Ele recorda-se de ter exultado diante da oportunidade de impetrar um habeas-corpus para tirar da prisão o vice-governador Elói Dutra, opositor de Carlos Lacerda. “Peguei um trem para o Rio e consegui a ordem de soltura”, conta Tavares Guerreiro. Naquela época, ele ainda considerava seguir a área de direito penal. “No começo, jogava em vários times. Com o tempo é que fui estreitando e ficando no direito das sociedades.”

Se houve um momento em que ele fez uma clara opção pelo caminho que acabou seguindo, foi quando decidiu desligar-se da Ford, empresa para a qual trabalhou durante sete anos, como autônomo, mas que o pressionava para seguir carreira como executivo. “Aquela experiência me deu o diferencial de ver os problemas do ponto de vista da empresa. Lembro de ter ouvido, quando conheci a linha de montagem nos Estados Unidos, a grande invenção de Henry Ford: ‘Enquanto os advogados estão pensando, veja quantos motores são produzidos aqui’. Foi um aprendizado rico, mas eu não queria passar o resto da vida em São Bernardo do Campo fazendo relatório para americano.”

A primeira de suas duas filhas, hoje advogada como o pai, já havia nascido, e muitos o censuraram por dispensar um emprego com bom salário e “carro com gasolina paga”. Nos anos 80, porém, a carreira solo de Tavares Guerreiro decolaria de vez, e o combustível do Galaxie, agora zero-quilômetro, estaria garantido. Além de todo o conhecimento adquirido no direito societário brasileiro, ele acabou agregando uma nova área ao currículo, depois de ser parecerista em um caso de arbitragem em Paris. Enquanto participava de importantes arbitragens de petróleo, Tavares Guerreiro seria “adotado” por um seleto grupo de especialistas internacionais de prestígio, como Berthold Goldman e Bruno Oppetit. “Não sei como, mas acabamos muito amigos”, diz ele, deixando a modéstia escapar novamente.


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