Na mira dos gestores
Famílias ricas são o alvo de especialistas financeiros que agora prestam serviços terceirizados de family Office

Eles começaram com estruturas enxutas, constituídos sob encomenda por famílias abastadas e preparados para resolver conflitos e gerir investimentos de um único grupo. Logo viraram referência de modelos modernos de g, Na mira dos gestores, Capital Abertoovernança das famílias e suas empresas e, como era de se esperar, atraíram administradores de recursos à procura de nichos promissores para novos negócios. Desde o início do ano passado, os multiescritórios de família, uma versão dos family offices voltada a atender famílias diversas, sem exclusividade, vêm ocupando espaço no mercado de gestão de recursos.

A administração de recursos de famílias ainda é uma atividade nova no Brasil. Surgiu discretamente na década de 90, quando os family offices começaram a ser instalados com a missão de assegurar e engordar o patrimônio pessoal dos ricos, além de atuar na resolução de conflitos sucessórios, dar assessoria em questões tributárias e resolver problemas do dia-a-dia das famílias. Criar uma estrutura desse tipo era, via de regra, uma iniciativa dos próprios milionários que tinham recursos suficientes para bancar escritórios voltados a cuidar exclusivamente dos seus interesses. De acordo com estimativas de profissionais da área, no Brasil existem apenas cerca de 20 escritórios estruturados nesses moldes.

O surgimento dos family offices não aconteceu no vácuo: esteve ligado ao aumento das exigências por transparência e melhoria nas práticas de governança corporativa das companhias. Muitos empresários se conscientizaram de que, para ser transparentes, era importante que seus recursos e interesses fossem administrados de forma independente dos recursos das companhias que controlavam. Foi também na década de 90 que muitos grupos nacionais foram vendidos para estrangeiros, o que gerou uma opulenta massa de recursos em busca de aplicações.

Dos últimos dois anos para cá, a queda na remuneração real dos investimentos passou a exigir dessas famílias uma exposição maior a riscos e a aplicações sofisticadas, na tentativa de bater o retorno dos títulos públicos. Oportunidade que chamou a atenção de profissionais da área de gestão de recursos recém-saídos de grandes bancos, dispostos a apostar nos serviços financeiros que poderiam oferecer a famílias ricas. Agora, muitos desses profissionais estão abrindo multifamily offices focados na gestão de investimentos, contribuindo para o crescimento e evolução desse jovem mercado. Ainda não há estatísticas que demonstrem esse crescimento, mas ele já chama atenção.

No Brasil, o conceito de family office ainda é impreciso e varia conforme o interlocutor. Considera-se escritório de família desde pequenos grupos de trabalho que fazem apenas a contabilidade, elaboram e controlam os orçamentos das famílias e administram seus imóveis, até aqueles que prestam assessoria no ramo de investimentos, sucessório e tributário, se propõem a resolver conflitos e a treinar os familiares para atuarem como acionistas. A maioria dos novos integrantes desse mercado, os multifamily offices, terceiriza esses serviços ou indica profissionais especializados, a fim de se concentrarem na gestão de recursos propriamente dita. Eles não se enquadram no conceito tradicional de escritório de família. Por este conceito, a gestão de investimentos é apenas uma das atividades do escritório ou multiescritório. E não necessariamente a mais importante.

De acordo com a acepção mais ampla de family office, este também pode prestar os chamados serviços de “concièrge”: a administração do dia-a-dia das famílias. Inclui-se aí o gerenciamento das relações da família com seus empregados (desde a arrumadeira até o piloto do helicóptero), a compra de entradas para peças de teatro, passagens de avião e tudo o mais que uma família de altíssimo padrão pode demandar. Outra função importante, nessa ótica ampla, é promover a integração e a comunicação entre os membros da família, seja por meio de encontros e reuniões ou programas de lazer. Como esse tipo de serviço é ultrapersonalizado e requer uma estrutura própria, os multifamily offices não o oferecem.

Além do aumento do número de escritórios e multiescritórios de família, a forma de atuação desse mercado está mudando. Antigamente, dizem os profissionais da área, as famílias davam mais importância ao aspecto da confiança na hora de escolher quem cuidaria de seus recursos. Hoje, elas querem também bons resultados. Mas os dois têm de andar juntos: “A boa performance, isoladamente, não garante seu sucesso”, diz Luiz Felipe de Sá Moreira Filho, diretor de um family office.

SINERGIA COM DILUIÇÃO DE CUSTOS – Conquistar a confiança e aprender a se relacionar com um público extremamente exigente, acostumado a pisar em tapetes vermelhos, promete ser um desafio para os gestores que estão se lançando nesse mercado. Mas por que os multiescritórios de família estão crescendo com mais força que as estruturas dedicadas a uma só família?

Basicamente porque as maiores famílias já estavam atendidas. E também por conta do aproveitamento de sinergias, uma vez que a existência de mais de um cliente permite a diluição de custos fixos. Outra vantagem é que os multiescritórios também funcionam como um lugar em que circulam muitas informações, análises e visões de diferentes agentes do mercado. Como seus clientes são vários e trabalham com muitas instituições financeiras diferentes, o escritório acaba funcionando como um centro receptor de informações do mercado, o que pode facilitar no processo de tomada de decisões. Entre fatores que podem se tornar desvantajosos, se não forem bem equacionados, estão a confidencialidade e a dedicação – que não é exclusiva.

A decisão pela implementação de um escritório privativo ou pela entrada em um multiescritório vai depender também dos benefícios que o primeiro pode proporcionar. “O family office não pode ser visto somente como um custo, e sim como um investimento. Se a família entender que ele é um custo a mais, acaba focando no curto prazo e deixa de enxergar benefícios mais à frente”, diz René Werner, da consultoria Werner & Associados, que tem uma década de experiência no assunto. Como o escritório de família atua para resolver conflitos, sua função é criar valor: “Alguns conflitos podem destruir famílias. E o patrimônio pode ir junto”, afirma Werner. Portanto, resolver essas tensões pode significar um beneficio importante, ainda que nem sempre quantificável.

NICHO DE MERCADO – Qual o espaço que os family offices e multifamily offices podem vir a ocupar? Estarão eles fadados a um processo de seleção natural, como os gestores independentes de recursos que estão surgindo?

Os especialistas dizem que esse mercado ainda é pouco explorado e tem muito para crescer, apesar da existência de poucas famílias realmente abastadas no país e a despeito de o movimento de venda de empresas brasileiras ter diminuído. Essa expectativa de alguns anos de bons negócios é comum, tanto para os escritórios de família como para a área de gestão de fortunas como um todo, que inclui o private banking.

A mudança de gerações no comando das empresas nacionais é outro fator que contribui para o crescimento da gestão de recursos de famílias. As grandes fortunas brasileiras foram formadas há 50 ou 60 anos e, em alguns casos, ainda é a primeira geração – aquela que ergueu a companhia – que está no comando do empreendimento. Mas, na maioria das situações, a segunda geração já chegou ao poder e começa a preparar sua sucessão.

Nesses processos de transição, as famílias passam a necessitar de assessoria técnica para resolver as questões societárias e tributárias e para organizar a vida financeira dos integrantes da família que pretendem usufruir o patrimônio acumulado. Por conta dessas necessidades mais complexas é que o foco das áreas de private banking de bancos deixou de ser a venda de produtos para se tornar a solução de problemas de seus clientes, diz Maria Aparecida de Carvalho Rocha, superintendente executiva do Bradesco.

À medida que a família vai crescendo – e a segunda e terceira gerações vão chegando à idade produtiva – resolver as questões sucessórias passa a ser algo importante. Um competente gerenciamento do patrimônio torna-se essencial para que seja possível atender às múltiplas demandas dos membros da família, sem comprometer a saúde financeira da empresa.

BANCOS OU FAMILY OFFICES? – Muitas vezes, os serviços prestados pelos escritórios de família e pelas áreas de private banking acabam sobrepostos. No Unibanco, por exemplo, os recursos do private são administrados de acordo com o conceito de wealth management – que inclui, além da prestação de serviços na área financeira e de investimentos, uma ampla assessoria patrimonial (nas áreas imobiliária, tributária e sucessória). O banco não distingue se os recursos chegam diretamente ou por meio de um escritório de família: “Nosso foco é no proprietário do patrimônio, esteja ele ou não ligado a um family office”, diz o diretor Artur Gregório.

Apesar de alguns serviços prestados pelo private banking e pelos escritórios de família serem semelhantes, a maioria dos profissionais diz que eles não são concorrentes diretos. Ao contrário, se complementam. Isso ocorre porque praticamente todos os clientes de escritórios de família são também clientes do private banking. Eles diversificam as aplicações entre várias instituições, a partir das análises feitas pelos family offices.

“A existência do escritório de família não elimina a função do private banking. Os escritórios precisam dos bancos”, diz Gilberto Leite César Filho, da Argumento, multifamily office que, desde 1999, presta assessoria na área de investimentos. Ele afirma que, quando a empresa começou a atuar, o relacionamento com os bancos nem sempre era fácil. Eles tendiam a achar que o escritório estava ali para tomar os clientes. Mas hoje, diz, o conceito já evoluiu bastante e a visão é diferente.

Os bancos aplaudem a existência de um interlocutor preparado nos escritórios de família. “A comunicação com representantes de family offices é feita de forma tranqüila, pois eles conhecem bem o mercado.  Outro ponto é que, quando se trata de um multifamily office, falamos com uma só pessoa que representa vários investidores, o que otimiza o nosso tempo”, diz Paulo Bittencourt, da área de private banking do Bradesco.

Embora não sejam concorrentes diretos, os family offices acabam contribuindo para a concorrência entre as próprias áreas de private banking, acredita Mário Alves Barbosa Filho, da Argumento: “Nós geramos competição porque buscamos as melhores alternativas para nossos clientes. Para isso pesquisamos o que é oferecido nas áreas de vários private bankers”.

Um dos principais discursos em prol dos escritórios de família diz respeito a sua independência: “Os family offices são independentes e não têm conflitos de interesse, pois atuam com várias instituições e não precisam vender seus próprios produtos, como ocorre com os bancos”, diz Jorge Eduardo de Gouvêa, da AAA Gestão de Recursos, que inicialmente foi criada como um escritório dedicado a atender uma família carioca e depois se tornou um multiescritório.

RECEITA ALTERNATIVA PARA AS ASSETS – Para os gestores de fundos e carteiras de investimento, a existência dos escritórios e multiescritórios é bem-vinda. Eles podem ser uma fonte de recursos importante para os gestores, considera Wagner Murgel, da Neo Investimentos. Podem também contribuir para o desenvolvimento do mercado, pois estão habilitados para diferenciar produtos a partir de critérios técnicos e para ajudar na “tradução” de conceitos e das diversas modalidades de investimento para os clientes.

No entanto, existe uma certa divergência quanto à importância que os family offices devem ter para as empresas de gestão. Para Fernando Ganme, da Capital Serviços de Agente Autônomo, a grande fonte de recursos dos gestores ainda está nas áreas de private banking. Embora os donos dos tradicionais family offices tenham mais recursos para aplicar que os clientes do private banking, eles demandam, justamente por isso, significativos investimentos no exterior para diversificação do risco, o que acaba reduzindo a parcela destinada à linha de produtos dos gestores brasileiros. Ainda assim, tem-se aí uma poupança nada modesta para fazer a alegria dos especialistas em administrar o patrimônio de terceiros.


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