Na cola da lei
Companhias adotam políticas de dividendos, mas se limitam a informar o mínimo

, Na cola da lei, Capital AbertoNão se surpreenda se, ao buscar mais informações sobre a política de dividendos das empresas, tudo o que encontrar for exatamente um percentual previsto pela Lei das S.As. O artigo 202 estabelece um dividendo mínimo obrigatório de 25% do lucro líquido, quando o estatuto social da companhia for omisso e a assembleia geral decidir alterá-lo para introduzir uma norma sobre o tema. Grande parte das companhias se apoia nesse número mágico e não possui uma política formal de dividendos, apresentada de forma separada do estatuto e que traga informações adicionais.

Do total das 80 empresas mais líquidas da Bolsa analisadas pela coluna Pratique ou Explique de maio, 38 estavam nessa condição. Dentre essas, pelo menos dez empresas simplesmente copiam a parte dos seus estatutos sociais que se refere aos proventos e a colam em seus websites de relações com investidores (RI) sob o título “política de dividendos”.

Devido à importância do tema, a prática de divulgar uma política de dividendos entrou no radar da Câmara Consultiva do Novo Mercado e também passa a fazer parte da nova versão do código de melhores práticas do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) — que será anunciada ainda neste mês. Para o IBGC, a política de dividendos deve ir muito além da definição de um percentual qualquer. Precisa especificar a periodicidade dos pagamentos, os parâmetros utilizados para a definição do montante (percentuais do lucro líquido e do fluxo de caixa livre, dentre outros), o processo e as instâncias responsáveis pelo assunto, fora as circunstâncias e os fatores que podem afetar a distribuição. É importante também que conste na política a periodicidade em que o documento é revisado.

“Essas informações são fundamentais para que os acionistas saibam quais são as propostas da administração”, afirma Heloísa Bedicks, secretária geral do IBGC. “A definição do percentual pode estar no estatuto, mas, na política, você tem de trazer informações que aumentem a transparência ao investidor”, acrescenta. Valter Faria, consultor de RI, reforça essa visão. “Estabelecer política que copia a lei é dizer o óbvio”, ressalta.

, Na cola da lei, Capital AbertoO tema ganha ainda mais relevância com o aumento de pessoas físicas como investidores em companhias abertas. “É um público muito interessado nesse assunto e que apresenta uma dificuldade maior em entender o estatuto social. Por isso, acredito que as políticas devem ter, principalmente, um caráter didático”, afirma Geraldo Soares, presidente do Instituto Brasileiro de Relações com os Investidores (Ibri) e superintendente de RI do Itaú Unibanco.

COPIAR E COLAR — São meras reproduções do estatuto as políticas de dividendos de companhias como Brasil Telecom, Cemig, Comgás, Celesc, Lojas Americanas, Telemar e Randon. Diz esta última em sua política: “Conforme permitido pela Lei das Sociedades por Ações, o Estatuto Social da Randon determina que um mínimo de 30% do resultado do lucro líquido menos o equivalente a 5%, que é destinado para a constituição de reserva legal, que não deverá exceder 20% do capital social, em cada exercício social deverá ser distribuído aos acionistas a título de dividendos.”

O texto, em nenhum momento, explicita os fatores que podem afetar a distribuição ou os processos para a definição dos valores. O mesmo modelo é seguido pela Celesc. Sua política diz que o texto foi “extraído do estatuto social da Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. e atualizado de acordo com alterações aprovadas pela Assembleia Geral Extraordinária, realizada em 11/8/2006”. Questionada pela reportagem, a empresa demonstrou interesse em aprimorar a transparência dada ao assunto.

Felizmente, bons exemplos de políticas existem não só na teoria, mas também na prática. Os documentos da Natura, Vale e VCP são alguns deles. A CPFL também tem a preocupação de explicitar em sua política os aspectos condicionantes para sua distribuição de lucros. Entre eles, revisões e reajustes tarifários, mudanças regulatórias, estratégia de crescimento e determinadas obrigações constantes em seus contratos financeiros. “Uma política de dividendos bem definida mostra ao mercado que a empresa é organizada, estruturada e que se preocupa com o acionista”, pontua o diretor de RI, Gustavo Estrella. “Além disso, faz com que a ação fique ainda mais atrativa, uma vez que, além dos possíveis ganhos com a valorização, o acionista sabe que pode contar com o mínimo proveniente dos dividendos.”

LIVRO ABERTO — A decisão de não distribuir dividendos não é necessariamente malvista. É famoso o caso da Microsoft, que passou anos sem pagar um único centavo, e o preço de suas ações nunca foi impactado por isso. O importante é que a empresa explique por que a retenção de lucros é a melhor estratégia para aquele momento. A companhia aérea Gol é bastante clara sobre isso em sua política. O documento esclarece que a suspensão da distribuição de dividendos é uma das diversas medidas tomadas para compensar os aumentos nos preços do petróleo, por exemplo. “Com essa postura, tentamos deixar o nosso posicionamento o mais transparente possível”, justifica Rodrigo Alves, gerente de RI da Gol.

A Net também não economiza palavras para explicar seu posicionamento: “Devido ao histórico de prejuízos operacionais, a Net nunca pagou dividendos em dinheiro sobre as ações preferenciais ou ADSs. A Net é uma companhia controladora, e sua capacidade de obter recursos para o pagamento de dividendos em dinheiro depende inteiramente de sua capacidade de obter recursos das subsidiárias e investidas. Além disso, diversos de seus contratos de dívida limitam sua capacidade de pagar dividendos. (…) A Net não pagou dividendos a seus acionistas no passado nem espera pagar dividendos no futuro próximo”. A razão para uma política objetiva como essa é explicada pelo diretor de RI da companhia, João Elek. “Existem formas e formas de você definir o que é melhor para a empresa em termos de distribuição de dividendos. Mas isso é distinto de você ter ou não uma política. Essa é uma informação fundamental para que o investidor trace sua estratégia de investimento”, ressalta.

Nos Estados Unidos, a ausência de exigência legal faz com que companhias pensem em políticas mais detalhadas

DESESTÍMULO COMEÇA NA LEI — O panorama encontrado pela capital aberto não deixa dúvidas de que a adoção de uma política de dividendos formal e caprichada, apesar de começar a ganhar relevância, ainda esteja longe de ser uma unanimidade entre as companhias. Há alguns motivos. Os dividendos mínimos previstos em lei servem como desestímulo para as empresas pensarem em uma política de distribuição mais adequada ao seu perfil. Nos Estados Unidos, a ausência de uma exigência legal faz com que cada companhia tenha de estabelecer a política que considerar mais adequada. “A maioria dos investidores norte-americanos tem interesse em saber qual o valor de dividendos que a administração está comprometida a pagar. Normalmente, este é o motivo pelo qual as companhias costumam ser bastante cuidadosas nesse assunto”, afirma Eugene Soltes, professor da Harvard Business School e autor do estudo What Do Dividends Tell Us About Earnings Quality?. A importância dada pelos investidores faz com que as companhias também procurem ter uma distribuição de lucros o mais estável possível. “Um corte nos dividendos pode enviar ao mercado a mensagem de que os negócios vão mal e, consequentemente, desvalorizar o preço das ações”, acrescenta o professor.

MEDO DE FALAR DEMAIS —Essa sinalização perde o efeito no Brasil, uma vez que a distribuição dos proventos está condicionada a um percentual mínimo do lucro, e a maioria das companhias simplesmente cumpre a lei. Além disso, elas têm receio de se comprometer com uma política e, em um determinado momento, não poder cumpri-la. “Num cenário de crise mundial, uma política muito rica em detalhes poderia criar uma expectativa de recebimento de dividendos e, eventualmente, frustrar os acionistas”, afirma Adriana Pallis Romano, sócia da área societária e de mercado de capitais do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice.

De acordo com Adriana, a Lei das S.As. tem dispositivos suficientes para que os dividendos sejam pagos no interesse de todos. Ela cita os artigos 196, 198 e 202. “Esses mecanismos trazem alguma segurança para o investidor e inibem que a companhia retenha parte dos resultados sem justificativa. Temos de lembrar que o dividendo não é algo que você consiga repetir sempre e da mesma forma.” O desafio é criar uma política com credibilidade. Para atingir esse objetivo, ela precisa ser duradoura, mesmo tratando de um assunto que varia muito, avalia a advogada.

Lucas Barros, do CEG, acredita que esse medo das companhias poderia ser minimizado com a criação de uma política mais flexível. “O mais importante é a transparência. É a companhia explicar o motivo por que ela distribui o mínimo obrigatório ou mais. Essa questão tem de ficar clara e justificada para que os minoritários saibam que a administração não está expropriando a remuneração que deveria ser dos acionistas.” A divulgação de uma política formal também poderia ajudar na formação do chamado “efeito clientela”. “Existem grupos de investidores que, historicamente, gostam de ações boas pagadoras de dividendos. Quando a companhia divulga sua política sobre o assunto, esse grupo tem mais informações para escolher as empresas, diz o professor de finanças André Carvalhal da Silva, do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead–UFRJ).

Empresas diferentes, políticas iguais

Algumas companhias até recheiam mais suas políticas, mas parecem ter copiado de outras. São documentos que entregam as mesmas informações, escritas exatamente com as mesmas palavras. São os casos de Fertilizantes Heringer, GVT, Lupatech e Perdigão. As políticas dessas companhias, além de embutirem dados da lei e do estatuto, citam, como itens que podem afetar a declaração anual de dividendos, “os resultados operacionais, condição financeira, necessidades de caixa e perspectivas futuras da Companhia, dentre outros fatores que o conselho de administração e acionistas da [nome da empresa] julguem relevantes”.

A dúvida é se faz sentido companhias de setores tão distintos — como fertilizantes, válvulas, alimentos e telecomunicações — terem políticas idênticas. Na opinião de especialistas, fatores que afetam a distribuição de proventos, descritos de modo tão genérico, nada valem para o investidor. “O texto deve ser pensado e escrito especificamente para cada companhia, dependendo do setor, da atividade e do estágio de maturidade de cada uma”, diz Lucas Barros, coordenador científico do Centro de Estudos em Governança Corporativa (CEG) da Fipecafi. Pagar dividendos pode não ser apropriado para empresas em fase de crescimento, assim como para aquelas em dificuldades financeiras. “Já para companhias maduras, o pagamento de dividendos mostra que a administração está comprometida em distribuir seus resultados, em vez de gerar caixa para propósitos que não vão agregar valor”, diz Augusto Korps,
sócio da consultoria Stern Stewart.

Thiago Oliveira, diretor de RI da Lupatech, pondera que uma descrição muito detalhada dos fatores capazes de afetar a distribuição de lucros poderia levar a companhia a incorrer no risco de não tratar de uma exceção e, mais tarde, ser cobrada por isso. “Esses fatores são a receita, os custos, as despesas e o resultado financeiro. Se você informa isso ao investidor, mesmo que de forma genérica, acredito que já está dando o disclosure adequado.”

A GVT argumenta que tem uma versão mais completa de sua política de dividendos. Mas, se quiser encontrá-la, o acionista vai ter de (re)ler o prospecto na oferta inicial de ações (IPO), publicado no início de 2007. Lá, é dito que devido a “prejuízos acumulados no valor de R$ 630,3 milhões, em 31 de dezembro de 2006, os quais foram gerados entre 1º de janeiro de 2000 a 31 de dezembro de 2006, (…) a companhia não prevê distribuição de dividendos no curto prazo, incluindo o dividendo mínimo obrigatório”. Já na política disponível no site, não há nenhuma menção ao prejuízo.

Segundo a assessoria de imprensa da GVT, a política de seu website é igual a de outras empresas, pois “apenas reflete as disposições da lei”. Mas por que não falar do prejuízo no site? A área de RI da companhia considerou a questão “pertinente” e informou que vai estudar a possibilidade de atualizar a política divulgada no site com as informações do prospecto. (L.T.)


Para continuar lendo, cadastre-se!
E ganhe acesso gratuito
a 3 conteúdos mensalmente.


Ou assine a partir de R$ 34,40/mês!
Você terá acesso permanente
e ilimitado ao portal, além de descontos
especiais em cursos e webinars.


Você está lendo {{count_online}} de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês

Você atingiu o limite de {{limit_online}} matérias gratuitas por mês.

Faça agora uma assinatura e tenha acesso ao melhor conteúdo sobre mercado de capitais


Ja é assinante? Clique aqui

mais
conteúdos

APROVEITE!

Adquira a Assinatura Superior por apenas R$ 0,90 no primeiro mês e tenha acesso ilimitado aos conteúdos no portal e no App.

Use o cupom 90centavos no carrinho.

A partir do 2º mês a parcela será de R$ 48,00.
Você pode cancelar a sua assinatura a qualquer momento.