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Muito além dos números
Nova 202 coloca holofote sobre a organização interna das companhias

, Muito além dos números, Capital AbertoEm dezembro do ano passado, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da audiência pública nº 7, de 2008, colocou em discussão proposta para alteração do regime compulsório de divulgação de informações dos emissores de valores mobiliários. Conhecida como Nova 202, a minuta causou grande repercussão tanto na imprensa como no mercado. Ambos se manifestaram vigorosamente sobre seus pontos mais polêmicos. No entanto, talvez o mais relevante deles tenha passado despercebido.

A Nova 202 é um passo importante no aperfeiçoamento da quantidade e qualidade das informações que são divulgadas periodicamente aos investidores e ao mercado. Além disso, coloca as regras brasileiras em padrões muito próximos daqueles recomendados pelas instituições internacionais especializadas no mercado de valores mobiliários.

As atuais regras exigem, em geral, que a companhia divulgue uma série de dados quantitativos a respeito dos seus negócios. No formulário de informações anuais (IAN), atualmente o principal instrumento de divulgação de informações periódicas não contábeis, há pouca descrição sobre as estruturas organizacionais implementadas pelas companhias. A Nova 202, no entanto, substitui o IAN pelo formulário de referência. Este solicita que o emissor descreva suas políticas, regras internas e práticas em relação às matérias mais sensíveis na condução dos seus negócios. Há, dessa forma, uma troca de dados majoritariamente quantitativos por divulgações mais qualitativas. Esse é, talvez, o aspecto mais importante das regras propostas.

É inquestionável que a função primordial das regras de transparência no mercado de valores mobiliários é nortear a formação do preço dos ativos nele comercializados. Porém, ainda que algumas informações não tenham um reflexo direto na precificação, estabelecer um regime compulsório de divulgação pode ser uma estratégia regulatória importante. A transparência em relação a certos assuntos, em especial, a respeito das estruturas organizacionais, pode induzir as companhias a estabelecer e cumprir regras de governança mais rígidas do que as determinadas pela regulação.

Em outras palavras, em determinadas situações, o regulador, em vez de impor regras de conduta, exige que o emissor descreva quais são as suas próprias normas para lidar com matérias sensíveis. Cabe ao emissor decidir quais regras são desejáveis e adequadas para tratar desses assuntos dentro de sua estrutura organizacional, bem como implementá-las e divulgá-las ao mercado.

Diante desse cenário, algumas companhias podem decidir não adotar quaisquer regras de governança a respeito dessas matérias ou, ainda, estabelecer procedimentos menos rigorosos que os adotados pelo resto do mercado. Nada haverá de irregular em tal decisão. Elas terão simplesmente que declarar, em suas informações periódicas, que não possuem regras internas para lidar com esses assuntos ou descrever aquelas que existam. No entanto, essa decisão pode ter um custo reputacional bastante elevado para o emissor. É provável que o mercado exija da companhia e de seus administradores uma justificativa para a falta de regras de governança ou para o uso de padrões menos rígidos.

Essa estratégia é particularmente importante em áreas em que a proibição ou a imposição de uma regra geral e abstrata de conduta é inadequada ou ineficiente. Por exemplo, nos casos de transações com partes relacionadas. Apesar de comuns no dia a dia de grande parte dos emissores, a maioria delas não é relevante. Portanto, não se justificaria que todas fossem submetidas à assembleia geral ou divulgadas individualmente ao mercado. Contudo, por envolverem conflito de interesses, merecem tratamento diferenciado. Para que não fiquem fora de qualquer supervisão, o regulador pode impor regras de transparência sobre as políticas adotadas pelo emissor para lidar com os negócios celebrados com partes relacionadas.

É provável que as companhias com boas regras de governança tenham mecanismos para identificar tais transações, além de possuir regras específicas que determinem as condições para que esses contratos sejam negociados e aprovados. Da mesma forma, outros emissores podem não ter qualquer regra implementada ou apresentar normas muito mais frágeis que o desejável. Essas informações, quando reveladas, ajudarão o investidor a avaliar a higidez da governança corporativa dos emissores de valores mobiliários.

Hoje, no IAN, há um campo para que as companhias divulguem as informações sobre transações com partes relacionadas. Em geral, o formulário é preenchido com os montantes envolvidos e, às vezes, as condições gerais dos negócios. Entretanto, a avaliação da boa governança depende da descrição de políticas, regras e controles internos implementados pela administração para identificar e lidar com essas transações. É principalmente nesse ponto que a Nova 202 é mais ousada e estratégica que o regime atual. Ela coloca um holofote sobre a estrutura organizacional e as regras de governança corporativa dos emissores de valores mobiliários, não só sobre as políticas de transações com partes relacionadas, mas também em relação a diversos temas igualmente delicados, como a utilização de instrumentos financeiros e a remuneração dos administradores.

Se a estratégia funcionar, a Nova 202 iluminará estruturas organizacionais que nunca foram discutidas com profundidade no Brasil, simplesmente porque ninguém sabe como elas realmente são, ou, em alguns casos, se existem. Emissores de valores mobiliários terão que analisar suas estruturas organizacionais e políticas internas e descrevê-las para os investidores. É provável que, nesse processo de autoanálise, muitos queiram adotar padrões mais elevados ou melhorar suas regras internas para não expor fragilidades. Outra possível e desejável consequência é que a divulgação dessas estruturas e políticas permita ao mercado compará-las e questioná-las, dando início a um movimento em direção a padrões mais altos de governança.

Dessa forma, a Nova 202 pode não só melhorar a qualidade das informações divulgadas pelos emissores, mas também ser um passo para um debate mais saudável e produtivo sobre as estruturas de governança corporativa no Brasil.


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