Modelo híbrido
A exemplo da Nutriplant, Bovespa Mais promete ser um mix de private equity com bolsa de valores. Resta saber se a baixa liquidez não será um problema

, Modelo híbrido, Capital AbertoEm meados de 2004, quando o mercado de acesso da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ganhava forma na mente de seus idealizadores, o plano era claro: o segmento de listagem que viria a se chamar Bovespa Mais atrairia, principalmente, investidores como os fundos de ações voltados a companhias de baixa capitalização (as small caps) e aplicadores pessoa física. Em fevereiro de 2008, mês em que o mercado de acesso finalmente debutou puxado pelas mãos da Nutriplant, esses investidores até apareceram, mas não na quantidade prevista. Foram quatro fundos e uma pessoa física qualificada — além de um órgão público, um institucional estrangeiro e um clube de investimentos nacional. Apenas oito no total, para uma emissão de R$ 20,7 milhões, que pôs no mercado 40% do capital da companhia. Mas, espere um momento: mercado? Será que podemos usar esse termo quando os investidores em questão somam oito?

Com ou sem essa nomenclatura, é assim que os bancos de investimento interessados no Bovespa Mais imaginam o segmento. No lugar dos investidores pessoas físicas sonhados inicialmente pela Bovespa, eles gostam muito mais de um formato em que as ações são vendidas, inicialmente, para poucos investidores. O resultado da operação torna-se mais previsível e fácil de controlar, uma vez que os potenciais investidores, em pequeno número, estão claramente identificados. O contraponto da escolha pela baixíssima dispersão é a liquidez. Três meses após a oferta pública inicial (IPO, na sigla em inglês) e com um incremento de oito para 20 investidores, a ação da Nutriplant não está nem entre as 400 mais líquidas da bolsa (ocupa o 464º lugar, segundo um levantamento que considera a movimentação desde a primeira cotação até o dia 9 de maio). A grande maioria das empresas que abriram o capital nos últimos anos está, pelo menos, entre as 200 ações mais líquidas da Bovespa.

No AIM, de Londres, não faltou liquidez. No primeiro ano, 300 empresas foram listadas, o que atraiu investidores para o segmento

Antes de optar pela bolsa, a Nutriplant considerou outras opções, como os fundos de private equity. Preferiu o Bovespa Mais, por avaliar que suas práticas de governança eram suficientes para ir direto ao pregão, conta Gilson Granzier, diretor financeiro e de Relações com Investidores. Para o executivo, uma base de poucos investidores tem lá suas vantagens. “Por ser pequeno, o Bovespa Mais cria um vínculo com os acionistas. Você vai falar todos os meses com essas pessoas, é mais simples.” De vez em quando, conta, é normal haver uns “pitacos” na gestão. Para quem está acostumado com o modelo tradicional, em que uma oferta na bolsa de valores envolve, no mínimo, algumas centenas de investidores, a proposta soa estranha. Do ponto de vista do emissor, parece um híbrido de private equity com capital aberto. E a liquidez? Ninguém está preocupado com ela?

Na opinião do diretor de relações com empresas da Bovespa, João Batista Fraga, o modelo adotado tem o seu papel. Proporciona a cultura de transparência e a pavimentação de um crescimento sólido para o emissor no mercado de capitais. “As companhias têm várias alternativas para buscar recursos, e algumas não trazem liquidez nenhuma, como o private equity”, afirma. Ao reger o segmento, a Bolsa mostrou preocupação com a liquidez, embora com foco no longo prazo. Entre as normas que visam estimular o giro das ações, está a que exige atingir, em sete anos a partir da listagem, o mínimo de 25% de ações em circulação ou dez negociações por mês, além da presença em 25% dos pregões.” Desde sua listagem até 26 de maio, a Nutriplant esteve presente, na média, em 30% dos pregões, de acordo com a Economática.

EXEMPLOS DE FORA — O modelo do Bovespa Mais foi inspirado em bolsas de acesso bem sucedidas, como o TSX Venture, ligado à Bolsa de Toronto, e o AIM, da Bolsa de Londres (LSE, na sigla em inglês), lançado em 1995. Neste último, a liquidez não chegou a ser um problema. A adesão das companhias foi rápida — na casa de 300 no primeiro ano —, o que gerou maior interesse dos investidores e mais movimentação dos papéis. De acordo com o advogado Leonardo Neves, do escritório Fasken Martineau, um dos motivos para esse sucesso foi o bom momento do mercado inglês, que passava por privatizações. “Lógico que demora um pouco para um segmento novo se firmar, mas não foi uma luta para se chegar a um nível de boa liquidez”, conta Neves. Hoje em dia, “qualquer investidor que se preze tem no portfólio empresas do mercado principal e do AIM”, afirma.

No exemplo canadense, só em abril de 2008, 35 empresas aderiram à TSX Venture — 15 a mais que no mesmo período do ano anterior. A média diária de transações em abril foi de 28.154. Para manter a liquidez, Kevan Cowan, presidente do TSX Venture Exchange, acredita que o caminho seja um ambiente amigável para as companhias. “Criar uma estratégia com redução de taxas e mais flexibilidade regulatória é indispensável”, diz Cowan. Ferramentas tecnológicas que tornem as negociações mais eficientes fazem parte do pacote da TSX Venture para aumentar o giro das ações.

Há três anos, o mercado de acesso inglês ganhou um concorrente direto. Lançado por Simon Brickles, um dos criadores das regras de funcionamento do AIM , o Plus Markets é uma bolsa certificada pela Financial Services Authority como “recognised Investment Exchange” (o mesmo status da LSE). Seu foco é em empresas pequenas e médias que pretendam se diferenciar com o apelo da liquidez. Para isso, o Plus trouxe novidades como formadores de mercado (market makers) subsidiados, que mantêm cotações de compra e venda para os papéis. “Muitas empresas têm saído do AIM, seja para migrar para o mercado principal da Bolsa de Londres, quando são grandes, seja para o Plus, no caso das menores”, afirma Nemone Wynn-Evans, diretora comercial do Plus Market. Em sua opinião, ainda que a liquidez dependa de fatores como o tamanho da empresa e o seu free float, é obrigação do mercado criar um ambiente que facilite a negociação. “Investidores vêem a falta de liquidez como uma barreira para negociar as ações de uma companhia, uma vez que podem ter dificuldade de vendê-las quando acharem conveniente. Um mercado mais líquido leva a preços mais precisos e a um menor custo do capital.”

A concorrência obrigou o AIM a reagir. Para tentar tornar seus índices mais competitivos nesse quesito, o mercado de acesso da LSE anunciou, em 19 de maio, que iria rever os custos associados ao registro de market maker e buscar formas de reduzir ou eliminar as despesas de listagem de ações pouco líquidas. Outra novidade é a criação da PSQ Analytics. Por meio de convênio, as casas de pesquisa Argus Research, Independent International Investment Research Plc e Pipal Research vão cobrir as empresas de menor porte. Embora o serviço tenha de ser pago pelas empresas, a vantagem está no fato de que, sem a ajuda da bolsa, essas companhias provavelmente não teriam acesso às análises desses profissionais.

CETICISMO — A perspectiva de um mercado com liquidez reduzida no Brasil não convenceu os bancos de investimento que coordenaram os IPOs brasileiros nos últimos anos. A desconfiança — aliada ao desinteresse comercial desses bancos por ofertas de volumes pequenos — é uma das razões para o Bovespa Mais ter ficado órfão por tanto tempo, à procura de instituições interessadas em desenvolvê-lo. Um dos críticos desse modelo é Rodolfo Riechert, diretor do UBS Pactual. “De certa forma é bom para as empresas, para formar uma cultura de capital aberto. Mas de que adianta se não tem negociação?”, questiona. Para o executivo, se a operação é restrita a poucos investidores, não faz sentido a companhia abrir os números para o mercado. “Com oito investidores, dá para juntar todos e fazer um fundo.”

Já o Modal, que pretende entrar no mundo dos IPOs pela porta do Bovespa Mais, não vê problema em um mercado de liquidez reduzida num primeiro momento. Para o diretor Humberto Tupinambá, o sucesso do segmento depende muito mais da qualidade das companhias levadas ao mercado de acesso. “Vai ser um mercado concentrado em liquidez baixa, com foco no longo prazo e seis a oito investidores em cada emissão”, afirma. O objetivo é elevar o número de aplicadores conforme a experimentação do novo segmento. “Claro que nosso objetivo é ter um IPO com 300 investidores, mas hoje isso é impossível.”

Para o Modal, o Bovespa Mais é estratégico. Representa a oportunidade de um relacionamento duradouro com companhias que exibem forte potencial de crescimento. O Banco Brascan, outro interessado no Bovespa Mais, também acredita que o maior volume de negociações virá com o tempo. Sua expectativa é de que surjam fundos lastreados nas empresas do segmento, quando houver um número expressivo delas. “Isso vai trazer liquidez”, avalia Isacson Casiuch, diretor executivo do banco. O BES Securities tem uma visão parecida. Segundo Alberto Kiraly, diretor executivo de mercado de capitais, falta no Brasil um público especializado em empresas desse perfil.” Para ele, conforme o Bovespa Mais ganhe adesões, a liquidez será uma questão de tempo.

A velocidade com que novas empresas vão entrar no segmento é a grande interrogação. Há interessadas que já se manifestaram publicamente, como Esporte Interativo, Le Biscuit e Sênior Solution. Mas, até o momento, a Nutriplant está sozinha. Marcos Elias, gestor do fundo Galleas Partners, acredita no potencial dos fundos de private equity de levarem suas investidas para o Bovespa Mais. “Se você compra ações da GP Investimentos, apenas imagina que as empresas estão bem. Mas se essas empresas estivessem listadas no Bovespa Mais, seria possível ver claramente o quanto elas valem”, afirma. Sua análise é que a listagem no mercado de acesso pode agregar valor durante o investimento e no momento da saída do fundo. Outros acreditam que o Bovespa Mais receberá um número maior de empresas quando mais analistas começarem a cobri-las. Duas corretoras, a Theca e a Lopes Filho, já têm profissionais que incluem Nutriplant em seus estudos. Questionados, os bancos atentos ao segmento prometem fazer a sua parte. Esperam, logo, logo, arrumar companhia para a fabricante de insumos agrícolas.


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