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Mitos da Governança Corporativa no Brasil – I

Em 2006, o conhecido acadêmico de finanças Aswath Damodaran lançou um livro intitulado Mitos de Investimento. Na obra, o autor procurava desconstruir seis estratégias de investimento apregoadas como de “retorno certo”, mas que dificilmente se mostravam reais à luz de dados trabalhados metodologicamente. Em diversos eventos sobre governança corporativa nos últimos anos, ouvem-se certas afirmações que parecem ter se tornado verdades indubitáveis. Entretanto, muitas dessas crenças sucumbem a uma análise mais estruturada teórica e empiricamente. São os nossos mitos da governança corporativa.

Podem-se identificar sete mitos principais: 1) o Índice de Governança Corporativa da Bovespa (IGC) como comprovação do valor da governança; 2) o tag along; 3) o empreendedor que tem de ser controlador; 4) a poison pill; 5) o prospecto; 6) o maior retorno das ações das empresas com melhor governança; e 7) a sustentabilidade. No lugar da seleção de notas que a caracteriza, a coluna Governança deste mês apresenta, de forma resumida, reflexões sobre quatro desses mitos. Os outros três serão discutidos na edição de novembro.

O MITO DO IGC COMO COMPROVAÇÃO DO VALOR DA GOVERNANÇA — Muitas pessoas iniciam suas apresentações mostrando o retorno das ações do IGC contra o Ibovespa. Como o IGC proporcionou maior retorno nominal, tem-se então uma “prova” de que governança cria valor. Essa afirmação parte de dois pressupostos pouco observados, porém fundamentais: de que o IGC é um bom indicador das empresas com padrão superior de governança e de que sua composição apresenta o mesmo risco da carteira do Ibovespa. Ambos são questionáveis. Atualmente, apenas 41,2% do peso do IGC é composto de empresas do Novo Mercado. E 54,2% do peso é constituído por empresas do Nível 1.

Assim, devemos nos questionar se as empresas do Nível 1 possuem maior qualidade de governança, para então afirmarmos que o IGC é uma aproximação ideal das empresas com padrão superior de governança. Ademais, é importante lembrar que, até abril de 2004, o percentual de empresas do Nível 2 e do Novo Mercado no IGC correspondia a menos de 5% do peso do índice. Por fim, a soma dos pesos de Vale e de três grandes bancos nacionais representa cerca de 36,7% do IGC. Já chegou a representar 61,4% no início de 2004. Aí surge nova dúvida: um IGC alto significa que a boa governança cria valor ou que os mercados de minério e do setor financeiro local andaram bem no período?

Em relação à segunda questão, não se pode comparar retornos nominais de ativos com riscos diferentes. O correto, na verdade, é analisar os retornos ajustados aos diferentes riscos dos ativos. Imagine a comparação do retorno de empresas do Novo Mercado, geralmente menores e mais novas, com o grupo de empresas do Ibovespa, mais antigas e com fluxos de caixa mais estáveis. Caso sejam empresas com riscos diferentes, teríamos de ajustar os retornos obtidos às expectativas prévias de retorno de cada uma. Em resumo, o IGC é um índice útil, porém sua comparação direta com o Ibovespa e a comprovação do real ganho da boa governança não são tão simples.

O MITO DO TAG ALONG — Muitos praticantes de mercado resumem a boa governança como “concessão voluntária de tag along”. Sem dúvida, tal concessão é boa prática de governança. Entretanto, outros países também caracterizados por estruturas de propriedade concentrada e empresas familiares pouco discutem o tema, não o colocando como algo prioritário nas discussões de governança. Por que, então, damos tanta ênfase ao tag along?
Em primeiro lugar, o tag along é um direito potencial, com chances de nunca ser exercido caso o controle não seja alienado. É possível que uma empresa tenha péssimas práticas de governança ao longo de sua vida, investindo mal ou mesmo expropriando recursos dos investidores, ao mesmo tempo em que confere o tão valorizado direito. Mais importante ainda é perceber que a necessidade do tag along deriva do prêmio pelo controle pago ao grupo de controle. Contudo, as ações do bloco de controle deveriam realmente ser tão valorizadas em relação às demais caso todos os acionistas ao final tivessem sua remuneração oriunda somente dos dividendos?

Dois estudos, realizados por Nenova (2003) e por Dyck e Zingales (2004), procuraram responder essa questão, chegando a conclusões similares: o prêmio pelas ações do bloco de controle varia muito, sendo maior nos países com baixa proteção aos investidores e com maior possibilidade de os controladores obterem certos benefícios não compartilhados com outros acionistas, os benefícios privados do controle. Em ambos os estudos, o Brasil ficou dentre os três países com maior prêmio pelo controle, indicando que os controladores daqui parecem auferir muito mais benefícios do que os de outros países. Em resumo, o tag along é tão valorizado no Brasil, porque, em sua ausência, os prêmios pelas ações de controle seriam elevadíssimos, muito maiores do que na maioria dos outros países.

Assim, temos uma conclusão inversa à idéia propagada: apesar de uma boa prática de governança per se, quanto mais relevante o tag along para uma determinada empresa, provavelmente pior será a percepção de sua governança. Assim, à medida que as empresas aprimorem suas práticas de governança, os controladores terão margem cada vez menor para auferirem benefícios extras, diminuindo a relevância do tag along.

O MITO DO EMPREENDEDOR QUE TEM DE SER CONTROLADOR — Sem dúvida, empreendedores/gestores talentosos são chave para o sucesso de muitos negócios. Com base nessa premissa, muitos representantes de empresas afirmam ser fundamental mantê-los como controladores do negócio após os IPOs, tendo em vista sua enorme “expertise e importância” para a empresa. Em nome de tal habilidade especial, sugerem que todos os mecanismos para manter o controle da companhia nas mãos de tais pessoas são válidos: emissão de ações sem direito a voto, abertura de capital em locais que permitem direitos diferenciados de ações de mesma classe, etc. Como justificativa para tais artifícios, asseguram que a manutenção do empreendedor como controlador assegurará sua permanência na empresa e, conseqüentemente, o melhor resultado para todos os acionistas.

Infelizmente, esse é um argumento frágil quando analisado cuidadosamente. Se o empreendedor for realmente essencial para o sucesso do negócio, qualquer acionista ou grupo que detenha o controle terá interesse em mantê-lo como principal gestor. Como exemplo, temos a situação da Apple, fundada por Steve Jobs, seu atual CEO. Poucos notam, porém, que Steve Jobs detém atualmente ínfimos 0,63% das ações da companhia. Ainda assim, nos últimos anos, nenhum acionista relevante cogitou formalmente substituí-lo, haja vista o reconhecimento geral de sua expertise para o sucesso da companhia. Não é fundamental que Steve Jobs permaneça como eterno controlador para manter sua liderança na gestão do negócio.Tal mito de governança, portanto, parece mais associado ao desejo de alguns controladores definirem arbitrária e indefinidamente os rumos do negócio do que à criação sistemática de valor para todos os acionistas.

O MITO DA NECESSIDADE DE POISON PILL — Muitas empresas brasileiras com estruturas dispersas de propriedade justificam suas poison pills como mecanismos para evitar uma repentina concentração acionária, que poderia prejudicar os acionistas pela diminuição da liquidez ou entrada de um controlador “indesejado”. Para avaliar tais justificativas, nada mais útil do que observar os mercados anglo-saxões, há muito tempo com empresas pulverizadas.

Em primeiro lugar, o resultado econômico de tal artifício não tem se mostrado favorável. Um conhecido estudo elaborado por pesquisadores de Harvard em 2005 mostra que o uso de poison pills teve correlação negativa com o retorno das ações e com o valor das empresas nos Estados Unidos de 1990 a 2003. Em segundo, os acionistas, particularmente os investidores institucionais norte-americanos, têm demonstrado claramente seu descontentamento com tais cláusulas. Em terceiro, após extensa pesquisa, não se observaram quaisquer exemplos nesses mercados de empresas dispersas que tenham repentinamente “amanhecido com um acionista controlador”. Isso provavelmente se deve ao fato de que, em uma empresa pulverizada, a tentativa de compra rápida de um montante muito elevado de ações teria conseqüências óbvias: forte aumento de preço e dificuldade operacional de aquisição de um percentual substancial de ações — o que leva o adquirente a formular uma oferta pública para aquisição de um lote de ações. Importante também considerar que diversos estudos demonstraram ao longo das últimas duas décadas que um mercado ativo de controle corporativo é positivo para a reestruturação de indústrias ineficientes, ao propiciar maior crescimento econômico.


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