Missão complexa
Walter Mendes

, Missão complexa, Capital AbertoNos seus mais de 30 anos de atuação em bancos e gestoras de recursos, o economista e superintendente de renda variável do Itaú Unibanco, Walter Mendes, conheceu a idade das trevas do mercado de capitais brasileiro. Ele lembra quando, em meados da década de 90, viu o choque dos gringos ao perceberem que no Brasil “Chinese Wall” era apenas “Muralha da China” em inglês. Hoje, liderando a Associação de Investidores no Mercado de Capitais (Amec) — entidade que ajudou a fundar três anos atrás —, Mendes encara desafios muito mais complexos para acionistas minoritários e para a governança no País, dentre eles, as “aquisições disfarçadas de incorporações”.

CAPITAL ABERTO: O que o senhor achou da iniciativa da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) de elaborar um código de autorregulação?

WALTER MENDES: Vai ao encontro do que acreditamos. O próprio fato de a Amec ter sido chamada para discutir nos deixou bastante animados. Vai ser ótimo se as empresas aderirem ao código e, melhor ainda, em caso de descumprimento, receberem alguma advertência ou punição. Gosto muito do caminho da autorregulação. A CVM, como regulador, tem sido muito bem-sucedida e diligente. Mesmo ela, porém, às vezes enfrenta obstáculos. A lei não dá espaço para que a CVM possa atuar de forma mais eficiente. Obviamente, porque a lei não é tão rápida e criativa como o mercado. Por isso, é muito favorável que haja do outro lado um esforço do mercado, o caminho mais moderno e rápido de se complementar a atividade reguladora.
Muito se fala da má governança das companhias, mas, no exterior, há uma tentativa de entender também a parcela de culpa dos investidores na crise. É hora de pensar nisso?
Não podemos exigir dos outros aquilo que não exigimos de nós mesmos. Acho completamente correta essa visão. Certamente o problema maior, ou a necessidade de maior evolução, não está do lado dos gestores. Está nas empresas. Mas sempre há espaço, sim, para avançarmos. É importante que tenhamos também um código de autorregulação interna. Essa é a tendência. No entanto, é mais urgente cuidarmos das companhias. Mesmo depois de criado o Novo Mercado, vários casos chamaram a atenção, colocando em xeque o segmento mais exigente em governança.

O senhor quer dizer que a Amec poderia considerar a criação de um código de autorregulação?

Poderia, claro que sim. Estamos trabalhando mais na outra ponta, mas nada impede que façamos isso no futuro. A associação ainda é nova, está ampliando o seu espaço, mas certamente vamos evoluir para isso também. Só que antes precisamos ganhar músculos.

Um dos projetos da Amec é trazer investidores estrangeiros para seu quadro de associados. Como eles podem ajudar?

Vamos fazer um road show nas cidades de Nova York e Boston, apresentando o que é a Amec e o que queremos. Já temos contatos e fizemos algumas teleconferências. Os investidores estrangeiros representam algo como 35% dos investimentos na Bolsa. Nossa associação é de investidores no mercado de capitais. Não é de brasileiros. Em termos de governança corporativa, de direitos de minoritários, muitos países estão mais avançados. Grande parte da evolução da governança no Brasil nos últimos 15 anos se deu com a colaboração dos estrangeiros. Eu participei do início desse processo. Não havia nem “Chinese Wall”. Esperamos agora fazer uma troca de experiência mais rica dentro da associação.

Nesses três anos de história, quais são as conquistas mais importantes da Amec?

A primeira coisa foi ganhar voz no meio de tantas entidades do mercado, como Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), IBGC (Instituto Brasileiro de Governança Corporativa) e Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento). Todas elas agregam administradores de fundos, mas nosso objetivo sempre foi o de representar os gestores de carteiras do ponto de vista do acionista minoritário. Hoje, quando a CVM e outras instituições querem falar com os asset managers sobre direitos de minoritários procuram a Amec. Estamos defendendo teses de direitos de minoritários, relevantes para o mercado, e não interesses específicos de associados. Esse sempre foi um receio de algumas pessoas. Conseguimos mostrar que não apoiamos causas particulares.

“Infelizmente, algumas empresas ainda colocam obstáculos inaceitáveis para a presença de minoritários nos conselhos”

Quais são os controles da associação para evitar conflitos de interesses em suas decisões?

Isso está no nosso estatuto. A diretoria deve ser composta de um terço de representantes de assets ligadas a instituições financeiras e de dois terços de independentes. Qualquer decisão da diretoria tem de ser tomada por maioria. Sempre que o assunto discutido na Amec puder gerar um conflito de interesses, o diretor que se sentir conflitado, ou for apontado por outro como tal, deve se abster. Um dos desafios que tivemos no começo foi a convivência de assets independentes e gestoras de grupos financeiros. Mas essa relação foi tranquila, a ponto de eu ter sido eleito presidente. Além disso, defendemos teses de interesse geral dos acionistas minoritários. Pode haver, por exemplo, uma operação em que um associado tenha sido ferido no seu interesse. Mas só analisamos o caso se ele servir de exemplo para o mercado como um todo.

O senhor poderia citar alguns casos?

Hoje, acreditamos que várias fusões e aquisições vêm sendo embaladas juridicamente como operações de incorporação. Isso traz uma certa vantagem para os controladores, pois pode evitar o direito de tag along dos minoritários. Algumas vezes, essas operações ocorrem mesmo sem ferir esse direito. O minoritário acaba não tendo nenhum prejuízo econômico. Mas alertamos que esse formato não é o ideal. Se até hoje não houve um prejuízo econômico claro, pode no futuro haver. Sustentamos que deveria existir uma maneira de impedir operações de fusões e aquisições embaladas na forma de incorporação. Não podemos deixar de pensar no caso da Sadia, que deu aos minoritários um valor 20% menor. Não houve perda para os acionistas, porque ao menos o critério do tag along da lei foi respeitado, mas o formato jurídico não é o melhor. Essa é uma questão jurídica, muito técnica, mas já conversamos sobre isso, inclusive, com a CVM. O que poderia ser feito para evitar que fosse tão simples você embalar uma aquisição numa operação de incorporação? Estamos buscando essa resposta. Não estamos brigando com Sadia, Perdigão, ou qualquer outra empresa que tenha feito esse tipo de operação. Queremos evitar que um dia, no futuro, haja alguma perda para os acionistas minoritários.

Além desse ponto, que outras preocupações da Amec o senhor poderia destacar?

Temos algumas bandeiras que fomos desenvolvendo ao longo do tempo. Certamente, uma delas é a questão dos laudos de avaliação das empresas por ocasião das operações de fusões e aquisições. Já procuramos a CVM para falar sobre isso. Queremos um aperfeiçoamento das exigências na preparação desses laudos. Outra preocupação de caráter mais cotidiano é a participação de acionistas minoritários em assembleias. Sentimos que houve um avanço, mas algumas empresas ainda exigem a consularização da documentação de investidores estrangeiros (leia reportagem na página 32), por exemplo. Como isso não fica claro na lei, as compamhias se utilizam dessa zona cinzenta. Eu acho que até sem má intenção. Também debatemos a participação de investidores minoritários nos conselhos de administração e fiscais. Infelizmente, ainda existem empresas que colocam barreiras inaceitáveis para a participação dos minoritários. Pedir a lista de acionistas, inclusive, é um problema. São coisas primárias, às vezes direitos já previstos em lei.

E o que poderia melhorar em termos de governança?

Muitas coisas não estão claramente expressas nos balanços. Não havia notas explicativas para os derivativos da Sadia e da Aracruz que mostrassem o tamanho dos riscos corridos. A própria CVM acabou requerendo mais detalhes sobre isso. É importante que as empresas falem de todas as suas contingências, regulatórias, trabalhistas e ambientais. A transparência é um instrumento de defesa dos minoritários e de redução da assimetria de informações.


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