Mão-aberta
No Brasil e em outras partes do mundo, empresas mudam suas políticas de dividendos para agradar os acionistas e ampliar a percepção de valor das ações

, Mão-aberta, Capital AbertoNem todo mundo que investe em ações está de olho só na valorização do papel. É notória a preferência dos investidores de qualquer mercado por ativos que pagam bons dividendos. Afinal, eles garantem uma renda atrativa, não dão dor de cabeça e podem ser altamente compensadores em países como o Brasil, com uma economia sempre vulnerável a qualquer instabilidade externa e um mercado de ações altamente volátil.

Não por acaso, empresas estão dando atenção cada vez maior para a distribuição do lucro como meio remunerar o capital dos acionistas. Entre 1997 e 2002, segundo levantamento da Bovespa, o volume de dividendos pagos por companhias brasileiras cresceu 147%. Mais recentemente, especial atenção tem sido dada à chamada política de dividendos – um demonstrativo das regras do jogo para distribuição de proventos aos investidores. Nelas, companhias têm engordado os percentuais estabelecidos para a distribuição de dividendos a fim de agradar o mercado. “Além de atrair capital, as empresas estão preocupadas em sinalizar transparência”, diz Alexandre Carneiro, analista financeiro da Prosper Adinvest. “Aquelas que podem se comprometer a pagar e aumentar os dividendos têm menos chances de arruinar seus balanços ou quebrarem seu negócio”, explica.

No final de janeiro, a Vale do Rio Doce anunciou um aumento da remuneração mínima paga aos acionistas de US$ 1,04 para US$ 1,43 por ação, um crescimento de 37,5%. No total, isso significa um aumento de US$ 400 milhões para US$ 550 milhões no bolso dos acionistas. A Companhia de Concessões Rodoviárias (CCR) também mudou sua política. Passou a garantir no mínimo 50% do lucro em dividendos, o dobro do previsto em lei, e a realizar o pagamento duas vezes por ano. A Gerdau foi outra que aumentou a freqüência do pagamento de dividendos, passando a fazer desembolsos trimestrais e não mais a cada seis meses. É esperado ainda que a cemig faça o anúncio de uma nova política de distribuição de lucros, mais camarada que a atual.

A seqüência de mudanças nas políticas de dividendos foi inaugurada no final do ano passado, pela Votorantim Celulose e Papel (VCP). A companhia decidiu fixar a remuneração dos acionistas em 60% do fluxo de caixa líquido – indicador mais apropriado que o lucro em determinadas situações por não sofrer a influência de efeitos contábeis. A base continua sendo o previsto em lei – 25% do lucro líquido ajustado – e a remuneração será decidida a partir do maior valor entre as duas fórmulas de cálculo. A Ambev também anunciou uma nova política de dividendos para recompensar investidores, em meio à diluição de capital causada pela incorporação da canadense Labatt na fusão com a Interbrew. A proposta é aumentar o pagamento mínimo de 27,5% do lucro para 35%.

Houve ainda uma série de pagamentos recordes neste início de ano, não necessariamente por mudanças na base de cálculo, mas por crescimento acentuado de lucros. Foi o que ocorreu com algumas companhias fortemente exportadoras e produtoras de mercadorias, cujas cotações estão em boa fase no mercado internacional, como a Petrobras por exemplo. A estatal brasileira apresentou, junto com o lucro exuberante de R$ 17,8 bilhões, uma proposta de R$ 5,7 bilhões em dividendos e juros sobre o capital próprio, cerca de R$ 5,00 por ação.

E a boa safra de distribuição de lucros não acaba por aí. A Companhia Siderúrgica Tubarão (CST) também vai pagar dividendos recordes este ano, de R$ 486 milhões. Equivalentes a 50% do lucro líquido e 236% maiores que os de 2003. Além disso, a Aracruz, que apresentou resultado histórico no ano passado, anunciou que seus acionistas receberão um total de R$ 360 milhões em dividendos no ano de 2004. Maior produtora de celulose branqueada de eucalipto do mundo, ela é, assim como a VCP, uma das poucas companhias a distribuir proventos a partir de um indicador de fluxo de caixa e não do lucro contábil.

TENDÊNCIA É INTERNACIONAL – O movimento está ocorrendo também em outros mercados. Na esteira de escândalos financeiros como o da Enron, WorldCom e, mais recentemente, da Parmalat, algumas companhias  aumentaram o volume de dividendos ou até passaram a pagá-los pela primeira vez como sinal de boa governança corporativa. O caso mais famoso é o da gigante de tecnologia norte-americana Microsoft, que estreou seus dividendos em 2003. Na Europa, a ARM Holdings, fabricante de chips do Reino Unido, anunciou, no mês passado, o pagamento de seu primeiro dividendo. A sueca SKF, maior fornecedora de rolamentos do mundo, elevou seu dividendo em 25%. E bancos como PNB Paribas, Deutsche Bank e ABN Amro engrossaram a lista das empresas mão-aberta na distribuição de lucros.

Uma análise sobre os estoques de dividendos europeus feita pela corretora Dresdner Kleinwort Wasserstein aponta que, desde 1970, 70% dos retornos totais reais proporcionados pelas ações vieram dos dividendos. A corretora também analisou as perspectivas de crescimento de dividendos de uma série de ações na Europa. Entre as selecionadas, estão a fabricante de pneus Continental e a Unilever, que apresentam rendimentos de 2% e 3,4% respectivamente. No Brasil, um levantamento da Economática identifica as ações que ofereceram um dividend yield (retorno em dividendos e juros sobre o investimento feito no papel) superior a 6% nos últimos cinco anos. Apenas sete apresentaram esse resultado, entre elas a fabricante de cigarros Souza Cruz e a metalúrgica Gerdau (ver tabela ao lado).

Antônio Castro, tesoureiro da Souza Cruz, revela como tem conseguido manter-se acima da média do mercado no retorno proporcionado com dividendos.  “Nunca contraímos um volume de empréstimos que supere o valor de nossos ativos financeiros. Sempre privilegiamos uma boa gestão”, afirma. Os acionistas da companhia não têm do que reclamar. O dividend yield da ação tem sido em média 15% ao ano e o total de dividendos pagos corresponde a mais de 90% do lucro da companhia. “Num país como o Brasil, em que o investimento em ações nem sempre consegue competir com o de renda fixa em razão dos juros elevados, o pagamento de dividendos pode funcionar como mais um atrativo para atrair investidores”, diz William Eid Jr., coordenador do Centro de Estudos em Finanças da Fundação Getúlio Vargas.

Há sete anos, a Souza Cruz foi também a primeira empresa brasileira a pagar dividendos sob a forma de juros sobre o capital próprio, instrumento cada vez mais utilizado pelas empresas brasileiras. A diferença em relação ao dividendo é o fato de os juros serem dedutíveis da base de cálculo do imposto de renda, o que se traduz em benefício fiscal para a empresa pagadora. Até 2001, a Souza Cruz realizava o pagamento dos juros sobre capital próprio semestralmente. Desde então, passou a distribuí-los a cada trimestre, enquanto os dividendos são pagos duas vezes ao ano.

A Gerdau é outra velha conhecida dos investidores por ter uma boa política de distribuição de lucros. A metalúrgica paga dividendos a seus acionistas há mais de 20 anos e hoje oferece o equivalente a 30% do lucro líquido. Acredita-se que empresas que possuem uma política de pagamentos contínuos ou crescentes de dividendos sejam mais valorizadas pelos investidores. E mais: o dividendo estável pode ser um sinal positivo de que a empresa vai bem, ao passo que o não pagamento por extensos períodos pode gerar incertezas quanto à capacidade futura de geração de caixa da companhia e acarretar a depreciação do preço da ação. “Para o investidor que visa o longo prazo, as empresas que pagam dividendos constantemente são mais atraentes e conseqüentemente suas ações ficam mais líquidas e mais valorizadas”, afirma Osvaldo Schirmer, vice-presidente de finanças e de relações com investidores da Gerdau.

IMPACTO NO PREÇO – A influência dos dividendos sobre o preço das ações, contudo, não é uma questão solucionada. Vários agentes do mercado financeiro acreditam que o pagamento de dividendos é capaz de alterar o valor dos papéis negociados em bolsa, mas não há consenso entre pesquisas e estudiosos sobre o assunto. Inúmeras teorias e constatações empíricas acerca da política de dividendos têm sido relatadas na literatura de finanças ao longo dos últimos 35 anos, mas algumas questões básicas ainda não foram resolvidas.

A mais clássica de todas é a teoria da irrelevância dos dividendos, desenvolvida por Merton H. Miller e Franco Modigliani. A partir de uma série de premissas, ela mostra que o valor da empresa não é afetado pela distribuição de dividendos, mas apenas pela capacidade de geração de valor e pelo risco de seus ativos. Já a teoria de Myron J.Gordon e John Lintner sugere que o pagamento de dividendos correntes reduz a incerteza dos investidores, levando-os a elevar o preço das ações da empresa. Por outro lado, se os dividendos fossem reduzidos ou não pagos, a incerteza dos investidores aumentaria e, conseqüentemente, um desconto seria dado ao preço das ações.

No Brasil, entre os anos de 2001 e 2002, também foram realizadas pesquisas sobre a relevância dos dividendos. Uma delas – da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – analisou as ações negociadas na Bovespa, no período de 1994 a 2000, e verificou que o rendimento obtido com dividendos tem sim impacto sobre o valor de mercado das ações. Uma outra, realizada pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP), analisou a relação entre o dividend yield e o comportamento das ações brasileiras, no período entre junho de 1994 e dezembro de 1999, bem como a viabilidade de uma estratégia baseada em dividend yield. Os resultados obtidos foram incapazes de concluir que as ações de alto dividend yield tendem a possuir maiores ou menores taxas de retorno que as ações de baixo ou nenhum dividend yield.

Como os resultados das pesquisas são os mais variados, na dúvida, administradores de carteiras, acionistas e investidores pessoas físicas têm preferido acreditar que a política de dividendos tem alguma influência sobre o valor da ação. Prova disso é que muitos gestores de fundos de renda variável utilizam a política de distribuição de lucro das companhias como critério de seleção do investimento.

No Brasil, o longo período inflacionário reduziu a importância da política de distribuição de dividendos como indicador determinante para a escolha das melhores opções de investimento no mercado de ações. Com a redução dos índices de inflação e a reestruturação societária das empresas brasileiras, em decorrência do processo de profissionalização da administração de companhias familiares ou da privatização de estatais, a situação mudou. Depois de privatizadas, algumas empresas, como Light, Coelba e CRT elevaram o percentual do lucro pago aos acionistas. Isto porque os novos controladores privados estariam interessados em obter rapidamente os recursos despendidos na aquisição da empresa. “Com o fim da inflação, os investidores também perceberam que os dividendos são um benefício para quem almeja fluxo de caixa de longo prazo”, diz João Batista Fraga, diretor de produtos e serviços da Bovespa.

Os dividendos tornaram-se, nesse novo contexto, item indispensável da análise fundamentalista. Conseqüentemente, para atrair capital, as empresas passaram a distribuir cada vez mais seus lucros. Foi o caso da VCP, que implementou a política de pagar 60% do fluxo de caixa livre em dividendos. Para aqueles que duvidam da influência dos dividendos no preço das ações, Alfredo Villares, gerente de relações com investidores da companhia, avisa que, desde a divulgação da nova política, o ADR da empresa acumulou uma valorização superior a 40%. A liquidez, segundo ele, quase triplicou. Ao que indicam o comportamento do mercado e o interesse demonstrado pelas companhias neste início de ano, a prática tem convencido mais que a teoria sobre a importância de uma boa política de dividendos.

Empresas de tecnologia norte-americanas preferem recomprar ações a pagar dividendos

Nos Estados Unidos, passou a ser comum companhias preferirem recomprar ações no mercado ao invés de compartilhar lucros diretamente com os seus acionistas. Empresas altamente lucrativas do setor de tecnologia, entre elas Microsoft, Cisco, Intel e Dell Computers, defendem que as recompras podem trazer grandes vantagens para os acionistas uma vez que cumprem, ao mesmo tempo, os objetivos de prover liquidez aos papéis e de ampliar o valor da ação – este último porque o lucro passa a ser dividido por uma base acionária menor depois de cancelados os papéis adquiridos no mercado. As recompras permitem ainda aos administradores sinalizar que o preço das ações está incoerente com as perspectivas de resultados futuros para a companhia.

Ao contrário do que ocorre no Brasil, não existe diferença de tributação entre a receita com dividendos e os ganhos de capital nos Estados Unidos, o que favorece a substituição de uma política de remuneração por programas de recompras. Mesmo em maio de 2003, quando o presidente Bush baixou uma nova legislação para a aplicação de tributos, dividendos e ganhos de capital continuaram equivalentes entre si, embora ambos tenham passado a usufruir de taxas menores.

Mais recentemente, a ausência de dividendos começou a deixar os acionistas um tanto frustrados. Principalmente porque o principal motivo para as recompras de ações terem substituído o pagamento de dividendos não estava relacionado aos interesses dos acionistas, mas sim aos planos de opções de ações concedidos aos executivos. Em empresas de tecnologia de ponta, as emissões de ações para atender ao exercício de opções (stock options) detidas por altos executivos são tão freqüentes que exigem das companhias a providência de recomprar regularmente papéis no mercado, a fim de evitar diluições maciças nas participações dos demais acionistas.

A Dell, maior fabricante de computadores do mundo, é um dos melhores exemplos dessa política. Mesmo sob protesto dos acionistas, seus executivos já declararam que mais de US$ 5 bilhões estão guardados para serem utilizados usados na recompra de seus papéis. A Dell viu o preço de suas ações subirem durante o “boom” tecnológico, mas o valor dos papéis ficou estagnado nos últimos anos, o que deu aos acionistas mais um motivo para exigir dividendos. Michael Dell, vice-presidente da companhia, volta e meia faz questão de lembrar que a ação já deu 50% de retorno aos investidores desde que a empresa foi fundada no seu dormitório na Universidade do Texas, em 1984.

Para muitos dos investidores, a estratégia de recomprar ações em demasia deixa a má impressão de que a volumosa geração de caixa dessas companhias estaria sendo apropriada apenas pelos executivos. Há também quem defenda que as recompras de ações e os pagamentos de dividendos sejam vistos como iniciativas distintas, cada uma com o seu papel. Na carta aos acionistas da Berkshire Hathaway de 1999, o megainvestidor Warren Buffett era enfático ao afirmar que existia apenas uma situação em que a recompra de ações seria recomendável: quando a companhia tivesse caixa suficiente e considerasse as cotações em mercado muito abaixo do seu valor intrínseco, mesmo quando avaliadas sob uma ótica conservadora. As reclamações de investidores tiveram algum efeito sobre a mentalidade das companhias. Além da Intel, que já pagava dividendos além de recomprar ações, a Microsoft passou a distribuir lucros entre seus acionistas no ano passado. (S. A.)


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