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Manobras abusadas
Capitalização da Petrobras foi bem-sucedida, mas deixou manchas sobre a imagem do governo federal no papel de acionista controlador

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A Petrobras realizou uma das mais bem-sucedidas ofertas públicas de ações de todos os tempos. Foram R$ 120,2 bilhões (quase US$ 70 bilhões) captados para destinar à exploração das reservas da promissora camada pré-sal. A operação, avaliada pela imprensa internacional como um marco da presença financeira do Brasil no mundo, deixou, contudo, uma coleção de críticas ao comportamento do governo federal no papel de acionista controlador. No geral, a maior oposição é ao fato de o governo ter deixado precedentes ruins para o mercado de capitais ao criar manobras que visavam especificamente a aumentar a participação da União na petrolífera. A seguir, listamos algumas dessas críticas:

ADRS PRETERIDOS — A Petrobras é a maior patrocinadora de um programa de American depositary receipts (ADRs) nos Estados Unidos. Mas isso não foi um motivo suficiente para que ela prestigiasse os detentores desses recibos em sua megacapitalização. Os titulares de ADRs não tiveram acesso direto à oferta prioritária, destinada aos investidores que já possuíam participação na companhia, apesar de deterem, por meio desses recibos, 24,66% de todas as ações ordinárias e 34,18% das preferenciais (segundo dados de 31 de agosto, véspera do anúncio da oferta).

, Manobras abusadas, Capital AbertoPara participar da capitalização, esses investidores tiveram de percorrer um caminho longo e custoso. Primeiro, converter os recibos em ações e arcar com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), de 0,38% sobre o montante total. Numa segunda etapa, trazer para o Brasil os recursos para a compra das novas ações, ao custo de 2%. Na volta para os Estados Unidos, pagar mais 1,5% sobre o montante a ser convertido em recibos — a soma da participação já detida com a parcela adquirida no aumento de capital. Para totalizar a lista de despesas, o preço de tabela cobrado pelos bancos depositários para emissão e cancelamento de ADRs é US$ 0,05 por recibo.

No fim das contas, somente em IOF, cada acionista estrangeiro teve de desembolsar o equivalente a 3,88% de sua participação original para aportar exatamente a mesma quantia na capitalização. O ônus tributário já tinha sido elevado pelo governo federal no ano passado, quando foram criadas as alíquotas de 2% de IOF no ingresso de capital estrangeiro para investimento em ações no País e de 1,5% sobre as emissões de novos ADRs.

Os encargos financeiros e o cronograma apertado, por fim, acabaram servindo como um desincentivo à participação dos estrangeiros. E, de quebra, como uma forma de o governo aumentar as suas chances de fortalecer a participação na companhia. Apenas cerca de 6% dos ADRs em circulação foram cancelados durante o período de reservas — a maior parte desses cancelamentos, intui-se, é referente aos investidores que queriam trocar seus papéis por ações para participar da oferta.

É possível que a expectativa dos gastos para participar da operação tenha levado vários detentores de ADR a pressionar para baixo a cotação dos papéis nas semanas anteriores à definição do preço da oferta. Essa seria uma forma de eles compensarem, no ato da subscrição, os gastos que tiveram com impostos e trâmites bancários. Nos 20 dias que separaram a data de anúncio da oferta daquela em que o preço foi definido, as ações PN da petrolífera caíram 2,89% e as ON, 3,17%.

Na opinião de uma fonte de um banco que preferiu não ser identificada, é um contrassenso uma companhia arcar com todos os custos da Lei Sarbanes-Oxley para acessar os investidores norte-americanos e, na hora de uma oferta de subscrição, fechar as portas. “No fim, (o programa de ADRs) acabou sendo um instrumento de diluição para o detentor do recibo”, avalia a fonte.

Estender a oferta a esses investidores requereria da Petrobras fazer o registro de uma oferta pública de ações nos Estados Unidos — um caminho também trabalhoso que, muito provavelmente, comprometeria o prazo previsto para a operação. O governo e a companhia tinham pressa. Queriam concluir a captação até o fim de setembro, antes das eleições e de que as agências de classificação de risco viessem a rebaixar o rating da companhia devido à demora na recomposição da sua estrutura de dívida e capital próprio.

ONIPRESENÇA — A integração das participações societárias estatais, promovida por meio da Medida Provisória 487, em abril, também levanta críticas. A medida introduziu a possibilidade de a União e entidades da administração pública federal transferirem uns para os outros participações em sociedades e direitos de subscrição de ações, desde que mantido o controle do capital votante.

Dessa forma, o governo criou novos mecanismos pelos quais a União poderia elevar sua participação não só na Petrobras como em outras empresas públicas. Em 31 de agosto, o texto foi reeditado transformando-se na MP 500, que acrescentou a possibilidade de uso dos recursos do Fundo Soberano do Brasil para compra de ações de economia mista. A prerrogativa foi usada na oferta da Petrobras, em que o Fundo Soberano abocanhou 3% do capital da companhia.

“O risco de diluição do minoritário em companhias estatais aumentou”, avalia Ricardo Almeida, professor de finanças do Insper. Além disso, a possibilidade de transferência de participações e direitos entre os órgãos do governo confunde os investidores. A partir da MP, que seguia em tramitação no Congresso até o fechamento desta edição, os investidores terão menos clareza sobre o real poder de influência do Estado nas companhias em que detém participação.

OS FINS JUSTIFICAM — Um aspecto que gerou discussões do começo ao fim da megacapitalização foi a forma como o governo federal estabeleceu as condições da sua participação. Na essência, o governo subscreveu cedendo os direitos de exploração pertencentes à União para extração de até 5 bilhões de barris de petróleo na área do pré-sal. Na forma, contudo, a União não usou esses direitos para subscrever, mas sim títulos públicos da dívida federal. Esses mesmos títulos, na sequência, foram devolvidos pela Petrobras como forma de pagamento à União pela cessão dos direitos de exploração.

Dessa forma, o governo evitou usar os direitos diretamente na subscrição. Seu argumento era o de que as incertezas sobre o valor desse bem poderiam causar distorções na formação do capital. Só que, ao subscrever com títulos públicos, que têm cotação de mercado, e não com bens de avaliação mais complexa e questionável, como os direitos de exploração, o governo conseguiu escapar da frustração de ter o seu projeto de aumentar a participação na petrolífera barrado por um veto dos minoritários. Isso porque os artigos oitavo, 115 e 122 da Lei das S.As. requerem a aprovação em assembleia-geral do laudo de avaliação dos bens utilizados para subscrição do capital, sem o voto dos donos desses ativos. Estaria nas mãos dos minoritários, portanto, decidir sobre a operação.

A artimanha foi possível porque a lei abre essa brecha. Mas não só por isso. Havia um interesse generalizado do mercado de que a capitalização vingasse, o que preveniu uma oposição mais contundente à tática usada pelo governo. Para muitos, os fins justificariam os meios, e assim foi feito. A questão que permanece é se o papel do Estado não seria justamente o de defender, em primeira mão, o cumprimento da lei em sua totalidade, em vez de se aproveitar das suas falhas.

“A mensagem que foi passada não é boa e prejudica o desenvolvimento do mercado”, avalia William Eid Júnior, coordenador do centro de estudos em finanças da Fundação Getulio Vargas (GV-CEF). Em última análise, as potenciais infrações cometidas pelo Estado às melhores práticas de governança já são reconhecidas pelo mercado e contabilizadas no preço das ações. No estudo Análise da Petrobras em uma perspectiva de valuation comparada a seus pares internacionais, Eid Júnior concluiu que a petrolífera é historicamente negociada a preço inferior ao de suas concorrentes. “O mercado leva em conta a ingerência política”, diz ele.


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