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Mais do que simples curiosidade
Abertura dos salários dos administradores propiciará aos investidores análises relevantes

“A divulgação da remuneração dos executivos é mais um tema de curiosidade do que de necessidade para os acionistas”. Essa afirmação vem sendo amplamente propagada, de maneira mais ou menos explícita, pelas várias pessoas e entidades contrárias à maior transparência exigida pela Instrução 480 da CVM. O cerne da polêmica repousa, principalmente, nos potenciais benefícios que a divulgação individual da remuneração dos administradores das companhias abertas pode trazer aos investidores versus os custos ou riscos dessa transparência. Após uma análise estruturada, fica claro que o argumento inicial dos críticos demonstra um desconhecimento enorme do atual estágio dos mercados de capitais internacionais e do valor das análises que podem ser geradas para os investidores a partir da divulgação de tais informações.

Além da tendência global inexorável, a maior transparência sobre a remuneração poderá propiciar a elaboração de pesquisas que ajudarão a responder a questões importantes. Seguem exemplos de 12 perguntas que permanecem sem resposta em nosso mercado devido à opacidade sobre a remuneração dos principais executivos das companhias listadas:

1) Qual é a relação entre a remuneração dos executivos-chave e o desempenho das empresas no Brasil? A sensibilidade da remuneração ao desempenho vem aumentando ou diminuindo ao longo dos anos?

2) Quanto as companhias gastam com seus executivos-chave em relação ao seu lucro contábil ou ao valor econômico gerado? Em quais empresas esse gasto é maior?

3) A presença de comitês de remuneração independentes gera sistemas de remuneração mais adequados? (Considerando-se a remuneração dos executivos-chave em relação ao desempenho
da companhia).

4) Que tipo de instrumento de incentivo proporciona maior geração de valor ao longo do tempo: bônus, ações, opções de ações ou variantes?

5) Quanto as companhias gastam com benefícios não pecuniários para seus executivos, incluindo a utilização de carros, aeronaves corporativas, anuidades de clubes, etc.? Em que tipo de empresas essas mordomias são mais pronunciadas?

6) A remuneração dos CEOs brasileiros deriva mais do seu desempenho de fato ou do seu poder de barganha, representado, por exemplo, pelo tempo no cargo e pelo relacionamento com os demais conselheiros?

7) A forma de remuneração dos CFOs estaria induzindo-os a assumir riscos financeiros demasiados? Em quais empresas?

8) Em companhias com estruturas mais dispersas, a presença de poison pills ou outras medidas defensivas leva a maiores salários ou a sistemas de remuneração distorcidos devido à maior dificuldade de substituição dos gestores?

Oposição à transparência sobre remuneração revela os defensores de um ambiente empresarial brasileiro retrógrado

9) A entrada de investidores institucionais como acionistas relevantes aumenta a sensibilidade entre a remuneração dos executivos-chave e o desempenho?

10) Existe relação entre a qualidade (estrutura, composição e funcionamento) dos conselhos de administração e o nível de remuneração dos principais executivos? Em outras palavras, conselhos mais frágeis e distantes das boas práticas de governança remuneram esses executivos em demasia ou de maneira menos vinculada a desempenho?

11) O peso da remuneração variável em relação à remuneração total é adequado no Brasil? Quais companhias são mais agressivas na remuneração variável de curto prazo aos seus executivos e quais os possíveis impactos negativos dessa prática no relacionamento com os stakeholders e na busca por resultados sustentáveis de longo prazo?

12) Como são estruturados os planos de opções de ações no Brasil? Eles podem ser apenas exercidos no longo prazo e após a criação real de valor para a companhia e seus acionistas?

Essas são apenas algumas das perguntas interessantes que têm deixado nosso mercado em desvantagem no entendimento da eficácia dos sistemas de incentivo das empresas e que poderão vir a ser respondidas com mais abertura das informações sobre remuneração. Logo, não é a informação de uma empresa que de fato interessa (embora possa ser importante em casos extremos), mas sim a possibilidade de se analisarem as remunerações individuais de forma agregada, propiciando maior comparabilidade entre os sistemas de incentivos oferecidos pelas empresas aos seus executivos-chave. Do ponto de vista dos investidores, teremos um mercado mais competitivo internacionalmente e transparente, o que poderá levar a um aumento na demanda por papéis e a um processo de formação de preços mais correto.

Além dos benefícios, devem-se questionar também os custos da maior transparência apontados pelos críticos. Três aspectos principais têm sido levantados: o problema “cultural”, a questão da privacidade individual e a questão da segurança.

Em relação ao primeiro ponto, alguns países com valores e visões relativamente similares aos nossos, como Portugal e Itália, já adotam tal medida. Ademais, é importante destacar que o disclosure encontrou inicialmente resistência em executivos e entidades que o representam em todas as partes do mundo (inclusive nos países anglo-saxões, em que prevalece uma cultura protestante mais liberal com o dinheiro), tornando a questão mais próxima de um conflito de interesses do que de um fato ou de um “tabu social”.

Sobre o direito à privacidade, deve-se lembrar que os principais mercados que exigem a divulgação individualizada dos salários também são estados democráticos de direito. Na verdade, nem seria necessário ir tão longe: em julho de 2009, o Supremo Tribunal Federal manteve o direito da Prefeitura de São Paulo de divulgar os salários dos servidores municipais em seu website De Olho nas Contas, em uma clara sinalização de que informações caracterizadas como de interesse público aos cidadãos, mesmo que relativas à remuneração, podem ser divulgadas.

Por fim, tem-se a questão da violência. Muitos críticos dizem que os administradores brasileiros poderiam ter problemas com segurança a partir da divulgação de mais informações sobre a remuneração. Na verdade, o que deve ser avaliado é o impacto marginal — provavelmente desprezível — que a abertura das novas informações acarretará à segurança desses profissionais. Além do fato de vários executivos já apresentarem sinais óbvios de riqueza, não se observa maior incidência de sequestros ou problemas do tipo com pessoas cujos salários milionários são de amplo conhecimento público (como alguns apresentadores de TV e técnicos de futebol). O argumento da violência suscita uma questão social relevante: por que algumas pessoas de entidades privadas, como emissoras de TV ou clubes de futebol, podem ter seus salários divulgados, enquanto os principais executivos de companhias que acessam a poupança pública e têm milhares de sócios não podem divulgar tal informação por motivos de segurança?

No geral, a discussão sobre a maior transparência na remuneração tem servido para identificar os defensores (entidades e personagens específicos) de um ambiente empresarial brasileiro retrógrado, opaco e de empresas “de dono”, com cada vez menos espaço no atual mercado de capitais internacional. Para o fortalecimento da valiosa iniciativa da CVM rumo ao progresso de nosso mercado, falta agora o apoio mais explícito de entidades pró-governança e dos grandes investidores institucionais nacionais — em tese, os maiores interessados nessa informação.

O autor agradece a Angela Donaggio, da KPMG, pelas sugestões e comentários. Todos os erros e omissões são de responsabilidade do autor.


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