O atual marco regulatório do direito contábil brasileiro, como se sabe, foi trazido pela Lei 11.638, de 2007, complementada pela Lei 11.941, de 2009. Com essas alterações legislativas, lançaram-se as bases para a adoção dos International Financial Reporting Standards (IFRS) como padrão de contabilidade para as empresas. Esse marco regulatório também é formado por deliberações da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e por resoluções do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), que aprovam as manifestações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
Ao ressaltar o princípio da prevalência da essência sobre a forma, a produção das novas demonstrações financeiras provocou uma mudança cultural significativa, cujo resultado poderia ser estendido para o mundo jurídico. Os IFRS têm diversas lições a ministrar para o direito, dentre as quais destacam-se questões inerentes a reestruturações societárias.
O chamado CPC 15 (combinação de negócios) disciplina, dentre outras matérias, o reconhecimento e a mensuração do ágio (goodwill). Conforme o pronunciamento, o ágio deve ser reconhecido apenas quando há efetiva compra de controle, pois, somente nesses casos, esse valor seria economicamente justificado. Em segundo lugar, o goodwill deve representar a diferença entre o preço da transferência e o valor justo dos ativos e passivos da empresa adquirida, nos quais estão embutidos eventuais ativos intangíveis que, por lei, só podem ser mensurados no momento da aquisição.
Ambas as determinações do CPC 15 poderiam ser seguidas pelo direito tributário para trazer mais clareza na definição do ágio que reduz o imposto de renda da empresa adquirente e, consequentemente, os lucros passíveis de tributação. Hoje, a maneira como o Fisco calcula o ágio dedutível varia conforme o caso.
Outra lição que merece realce é aquela relacionada ao direito de saída conjunta (tag along), previsto no artigo 254-A da Lei das Sociedades por Ações (6.404, de 1976), quando ocorre alienação de controle. A disciplina contábil sobre a combinação de negócios aplica-se a qualquer situação em que haja a aquisição de controle, definido como “poder para governar a política financeira e operacional da empresa, de forma a obter benefícios de suas atividades” — independentemente do percentual acionário envolvido. Se fosse observada a primazia da substância sobre a forma, os registros de uma determinada transação nas demonstrações financeiras de uma companhia adquirente seriam indícios relevantes para a configuração de uma operação sujeita ao artigo 254-A.
Dessa maneira, o tag along ganharia novos elementos para provarem a sua obrigatoriedade, nos termos da lei. A garantia do exercício desse direito não dependeria do percentual de participação societária alienada; e qualquer forma de mudança da titularidade do poder de governar a empresa poderia ocasionar a oferta pública de aquisição de ações (OPA) prevista no 254-A. De acordo com os critérios contábeis, para que um investimento seja caracterizado como aquisição de controle não é necessário pagamento em dinheiro — ele pode se dar por meio de troca de ações, da assunção de dívidas e, até mesmo, da revogação de uma golden share.
A adoção no Brasil dos IFRS tem causado uma verdadeira revolução na contabilidade das companhias, inclusive, quanto à necessidade de reeducação dos seus profissionais. Não há por que o direito e os seus praticantes ficarem alheios a esse processo.
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